terça-feira, 29 de outubro de 2019

RUSSELL SHEDD E A ADORAÇÃO BÍBLICA

Apesar de não ser brasileiro de nascimento, o Dr. Russell P. Shedd (1929-2016), desenvolveu o seu ministério missionário e acadêmico no Brasil por várias décadas.
Depois da publicação de várias outras obras de caráter mais exegético-teológica, em 1987 veio à luz a obra Adoração Bíblica que, segundo é dito pelos editores no prefácio, tinha por objetivo levar os que acham a “rotina dominical vazia” a repensarem “todas as nossas idéias sobre o culto e a verdadeira adoração ao soberano Deus”.
Assim se estrutura o livro:

Capítulo I – O culto e a Adoração que Deus almeja
Capítulo II – O Vocabulário Bíblico
Capítulo III – A essência do Culto na Bíblia
Capítulo IV – A adoração e os sentidos
Capítulo V – O preparo para a adoração
Capítulo VI – A prática da adoração
Capítulo VII – Os efeitos da adoração
Capítulo VIII – Exemplos de adoração
Capítulo IX – Obstáculos à adoração
Capítulo X – A adoração na Igreja contrastada com a do Antigo Testamento

Vejamos um pouco sobre o pensamento de Shedd expresso no livro.
A base de toda a argumentação apresentada por Shedd é que toda expressão cultual e litúrgica cristã é motivada pelo fato de que “Deus ordena que o adoremos”.  A adoração bíblica é sempre uma resposta do crente obediente de estar na presença de Deus buscando obedecê-lo e comungar com ele daquilo que lhe foi feito em Cristo Jesus. 
Citando um escritor desconhecido, ele afirma que “a adoração transforma o adorador na imagem do deus diante do qual ele se curva”, o que o leva a refletir sobre a adoração na “igreja secularizada” onde é comum “professar a fé em Cristo, mas não se preocupar em expressar amor a Deus, que exige toda a sua força”. 
O que leva ao questionamento sobre se a Igreja no Brasil tem feito de sua adoração e liturgia alicerces para a suas vidas cotidianas.  Ao que o próprio Shedd responde:

Dividimos nossas vidas em dois compartimentos.  Um, envolvendo nossas atividades religiosas, exemplificadas pelo nosso cantar, orar, falar e testemunhar; outro envolvendo todas as atividades não religiosas: nossa conversa, sociabilidade, tempo de trabalho e lazer, sentados à mesa, ou atentos aos programas de televisão.  Uma dicotomia notável caracteriza a vida daqueles que reivindicam comunhão com Deus, afirmando ser residência do Seu Espírito.

Para Shedd, esta compartimentalização da vida do cristão secularizado é a completa desvirtuação do sentido próprio da adoração bíblica, que propõe a união entre Deus e seres humanos, união não somente expressa na liturgia mas que deve se estender em todos os aspectos da vida do crente,

Porque essa união sincera com Deus, em si mesma, juntamente com a prontidão em obedecer e adorar a Deus de modo aceitável, o conduz a louvá-lo através de seu ser e a glorificá-lo por meio de todos os seus atos.

Também deve ser notado que Shedd compreende a adoração bíblica não se revestindo somente se obrigações e responsabilidades.  Tem que ser prazerosa.  Ele cita Agostinho: “Deus encontra prazer em nós quando encontramos prazer nele”.  Assim, Shedd compreende com sendo estes os efeitos da adoração:

1.      Segurança;
2.      Comunhão e reconhecimento mútuos;
3.      Santificação;
4.      Visão transformada;
5.      Evangelização;
6.      Preocupação com a alegria de Deus.

Relacionando a liturgia com a responsabilidade cristã no mundo, Russell Shedd conclui que a adoração cristã traz implicações claras:

As reuniões públicas da igreja devem ter constantemente este objetivo em vista.  Seus membros, ao participarem da liturgia, devem ser estimulados a praticar atos de amor agapë e boas obras (Hb 10:24).  Reunida ou dispersa, a Igreja deve ser uma comunidade glorificadora.  Apenas esta adoração de duas faces é digna dele, que Se entregou pela Igreja com a intenção de garantir a sua perfeição (Ef 5:27). (...)  Pois não somos de nós mesmos, mas fomos comprados por um preço (1Co 6:20), e isto significa que os cristãos têm tanto tempo livre quanto os escravos!  Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus (1Co 10:31).

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

SABEDORIA E MILAGRE


Duas linhas disputam a primazia das idéias do ser humano de hoje: de um lado o conhecimento representado pela ciência e por outro a fé exposta na religiosidade.  Com ênfases diferenciadas e apelos mais ou menos populares, a nossa cultura nos ensinou que tudo deve passar ou pelo crivo do que dominamos pelo saber ou pelo que subjugamos pelo crer.
Mas esta dualidade não é novidade.  O apóstolo Paulo parece que já enfrentava questões assim quando se debatia com gregos e judeus em seu trabalho missionário de divulgação da fé cristã.  Os gregos exigiam sabedoria, conhecimento e ciência – diziam que sem estes não era possível seguir o cristianismo.  Os judeus queriam ver o milagre, o sobrenatural, o fantástico para poderem atestar a sua crença. 
Aos coríntios Paulo reconheceu a exigência (leia em 1Co 1:22).  Diante deste impasse, o apóstolo respondeu aos dois lados: a. nem um conhecimento árido do cristianismo seria a resposta à alma humana; e b. nem a demonstração de poder nos milagres será suficiente para responder ao chamado de Cristo. 
A mensagem que ele anunciava não atendia à curiosidade natural da busca pelo conhecimento.  Embora seja preciso conhecer a verdade, isto só não é suficiente! (considere Jo 8:32).
Também não se resume a uma fé milagreira que esteja disponível para atender às necessidades.  Mesmo sabendo que em Cristo está depositado todo o poder (considere também Mt 28:18).
Mas nós pregamos a Cristo crucificado (1 Co 1:23).  Aqui está a essência da mensagem cristã: o centro do que pregamos é a renúncia e crucificação do nosso Senhor.  Jesus se esvaziou até a morte de cruz para que, e somente então, Deus o recolocasse em seu lugar de glória (Fl 2:5-11). 
A vida cristã que anunciamos é em primeiro lugar uma vida de renúncia e crucificação.  Daí o regozijo na presença de Deus-Pai (Mt 16:24).  Nunca vai se reduzir a adquirir sabedoria e conhecimento, nem de vivenciar o milagre e a fé.
Para que sabedoria e milagre, conhecimento e a fé, nos sejam outorgados, é preciso tomar primeiro o caminho da cruz – assim se faz o cristianismo que pregamos e devemos viver. 

terça-feira, 22 de outubro de 2019

QUEM FOI O PROFETA EZEQUIEL?





Pouco apreciado pelos cristãos modernos por suas visões, oráculos e ações não muito comuns, Ezequiel é um dos profetas que, depois de estudado a fundo, desponta no horizonte do fenômeno profético israelita com uma mensagem das mais belas, um forte engajamento sócio-político e uma firmeza inabalável.
Em hebraico o nome do profeta – e o título do livro – é יחזקאל, nome comum a outras pessoas no tempo do Antigo Testamento e significa Deus é Fortaleza ou Deus é Força.  A forma "Hezekiel" (donde vem o aportuguesamento: "Ezequiel") foi formada por Lutero da versão da Septuaginta (Ιεζεκιήλ) e se assemelha a "Iezekiel" usada pela Vulgata Latina.
Este pregador do exílio, apesar de não ser citado no Novo Testamento, é um desafio para qualquer um que se diga despenseiro da Palavra de Deus, em qualquer lugar ou época, pelo seu método, seu estilo, seu zelo, seu carinho próprio pelo povo de Israel, mas principalmente pela solidez e convicção da sua mensagem.

Mas, quem foi o profeta Ezequiel?

Não há muitas informações extra bíblicas sobre o profeta, sua vida e atividade, mas o que, à leitura de seu livro, podemos perceber é que o profeta Ezequiel nasceu de uma linhagem sacerdotal.  Seu pai, Buzi, foi sacerdote provavelmente do clero de Jerusalém e Ezequiel, assumindo o sacerdócio, assumiu também a responsabilidade da direção espiritual do povo judeu nas terras babilônicas, para onde foi levado na primeira deportação em 597 a.C. 
Passou a morar em Tel-Abibe perto da cidade de Nipur, nas margens do grande canal, ou seja, o rio Quebar, de onde, devido a liberdade de movimento que os exilados tiveram deve ter conhecido a cidade da Babilônia, o que certamente influenciou a sua mensagem e atividade, quer no seu espírito, quer na sua forma. 
(Prova da liberdade de movimento do povo no exílio babilônico são os achados em forma das tabuinhas cuneiformes referindo-se a Joaquim, rei de Judá, na corte babilônica).
Com trinta anos, idade em que um levita, ou sacerdote, começaria a servir no Templo, Ezequiel começou seu ministério profético (pelo menos é o que deixa transparecer o primeiro verso do livro da profecia – embora alguns estudiosos citem a data deste verso como sendo uma data internacional). 
Posso pensar que talvez Deus o tenha escolhido para a missão profética como compensação pela impossibilidade de ele servir no Templo em Jerusalém, que seria o sonho de todo o sacerdote.  
Casou-se no sexto ou nono ano depois do exílio, porém a delícia dos seus olhos (cf. 24:16) morreu pouco antes da queda final de Jerusalém em 587 a.C.  Mas por ela o profeta não chorou nem se enlutou, segundo as ordens do Senhor, fato este que serviu de sinal para o que haveria de acontecer por ocasião da queda de Jerusalém.
Já foi dito que Ezequiel era "um cataléptico, um neurótico, uma vítima do histerismo, um psicopata, e até mesmo um esquizofrênico paranoico específico, além de ter sido creditado com poderes de clarividência e de levitação" (citado por John B. Taylor).  Porém esta afirmação é contestada pelo fato de que todas as ações do profeta são baseadas num zelo excessivo pela Lei e Palavra de Javé e por uma compaixão indescritível pelo seu povo; fato que é peculiar a quase todos os profetas de Israel.
Quanto a sua morte, ainda por não haver outra informação segura, nenhum dado concreto ou documento arqueológico, além da tradição dos seus discípulos, e de que seu livro se encerra com uma visão futurista, no estilo apocalíptica, não é possível afirmar nada, porém fala-se que ele foi morto por um príncipe, provavelmente em Judá, ou ainda por um colega seu por pregar contra a idolatria. 
É verdade, também, que seus discípulos e seguidores guardaram vivos seus ensinos e tradições durante vários séculos chegando até o tempo neotestamentário e de Flávio Josefo.
(Na imagem lá em cima, a escultura do Profeta Ezequiel feita por Aleijadinho na virada do século XVIII no adro dianteiro do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas – Minas Gerais.  Crédito da imagem: iphan.gov.br)


Você pode ler um estudo sobre o PROFETA EZEQUIEL no livro ENSAIOS TEOLÓGICOS

Disponível no:
Clube de autores
amazon.com

Conheça também outros livros:
TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
DE ADÃO ATÉ HOJE – Um estudo do Culto Cristão
PARÁBOLA DAS COISAS

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

A PIEDADE QUE AGRADA A DEUS


Na história da humanidade, o ser humano sempre buscou praticar atos de piedade e religiosidade que representasse a sua busca em relação à divindade.
Lendo em minha Bíblia o capítulo 58 do livro da profecia de Isaías, parece-me é que o profeta tem esta percepção como pano de fundo para sua palavra.  Assim é que ele apresenta a palavra divina sobre qual é exatamente a prática da piedade – jejum – que agrada ao Senhor.
Tomando o jejum como exemplo, em primeiro lugar é preciso deixar claro que Deus não é contra atos de piedade ou jejum em si.  Em outras palavras, a religiosidade não ofende o Senhor nem afasta o adorador verdadeiro do seu trono.  Apenas que se cuide de o fazer do modo que agrade a ele.
No texto de Isaías, agrada mais a Deus a prática da justiça que os atos rituais (v. 6-7).  O Senhor busca fiéis que expressem em suas vidas diárias o senso de justiça e retidão que encontram no caráter do seu Deus.  Vida de oração e piedade sem comprometimento cristão não resulta em favor divino (veja ainda Mt 7:2).
O profeta também alerta para a necessidade de haver amor verdadeiro para com o próximo como credencial indispensável à prática da espiritualidade (v. 9).  O cuidado em preservar o direito do outro e tratá-lo como gostaria de ser tratado deve ser característica do fiel (veja ainda 2Ts 3:11 e Mt 22:39).
Por fim, o capítulo da profecia se refere à guarda do dia do Senhor como critério de piedade (v. 13).  Não que o Mestre faça diferença entre dia e dia; mas a verdade é que quando descuidamos de priorizar a busca do Senhor separando-lhe um tempo que seja particularmente seu, acabamos por fraquejar em nossa fé e piedade – não existe vida cristã sem exclusividade (veja ainda Hb 10:25).
Certamente nosso objetivo maior é encontrar nosso Pai divino e nos ver aceitos em sua presença, pois só assim alcançaremos sua mercê e graça.  Então que Deus nos faça piedosos e religiosos segundo o seu querer para sua glória.  Amém!

terça-feira, 15 de outubro de 2019

A DOXOLOGIA DE JUDAS


A pequena Epístola de Judas, que em nossas Bíblias fica lá no finalzinho do NT, é uma das menos citadas e estudadas.  É até compreensível.  Ela tem relativamente pouco material – se comparada a outros escritores – e faz umas citações meio esquisitas: comenta uma disputa entre Miguel e o diabo pelo corpo de Moisés e faz uma citação de Enoque (ambos não encontram paralelo em outras citações bíblicas).
Quanto ao seu autor, a tradição aponta esse Judas como sendo o irmão de Jesus.  Na verdade, esse era um nome bem comum no primeiro século na Palestina e não há nenhuma indicação inquestionável sobre quem seria ele.  O que se tem é uma citação de Eusébio na sua História Eclesiástica que aponta uma tradição do segundo século se referindo ao autor como sendo “Judas – dito irmão do Senhor pela carne”.
Vou deixar estas questões introdutória e me concentrar no que se tem de melhor neste pequeno escrito: a Doxologia com a qual ele conclui seu texto.

Àquele que é poderoso para impedi-los de cair
e para apresentá-los diante da sua glória sem mácula e com grande alegria,
ao único Deus, nosso Salvador, sejam glória, majestade, poder e autoridade, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor, antes de todos os tempos, agora e para todo o sempre! Amém.


Quero analisar suas palavras.  Mas antes, deixe-me compreender o que é "Doxologia".  Segundo o dicionário, é uma fórmula litúrgica de arremate nas grandes orações (hinos, preces, versículos etc.) em que se glorifica a grandeza e majestade divinas.   E é isso mesmo que Judas faz aqui, ele arremata sua epístola com uma declaração que expressa a fé a convicção dos cristãos primitivos sobre quem é Deus e como devemos adorá-lo.
Duas palavras eu destaco como descrevendo o próprio Jesus Cristo. Poderoso (em grego: δυναμένῳ – nessa forma, particípio presente).  Dessa mesma raiz é a expressão do poder que foi outorgado aos discípulos na descida do Espírito Santo (confira At 1:8). 
A outra palavra é único (em grego: μόνῳ).  O livro da revelação do Apocalipse registra que os vencedores da besta entoavam o cântico de Moisés declarando ao Rei das nações que somente – o único – ele é santo (leia em Ap 15:4).
Judas reconhece que somente o que tem todo o poder para nos guardar dos tropeços e nos apresentar ao Pai imaculados pode merecer o louvor a ser declarado a seguir.
Então a ele seja…
Glória (em grego: δόξα) – literalmente: brilho, esplendor, fama, honra.  É essa mesma expressão que traduz a glória de Senhor que encheu o templo quando Salomão o inaugurou (veja 2Cr 7:1 – veja também no mesmo sentido Ap 15:8).  Ainda foi a fumaça de glória que estava no louvor dos serafins e impactou Isaías (confira Is 6:3).
Majestade (em grego: μεγαλωσύνη) – literalmente: grandeza.  O autor aos Hebreus usa essa expressão para se referir ao lugar de destaque e majestade onde fica o trono do Deus (em Hb 8:1).  E o Salmo 150 instrui a louvar ao Senhor por sua grandeza (Sl 150:2).
Poder (em grego: κράτος) – literalmente: força, governo.  Com essa palavra os gregos antigos se referiam às suas cidades-estado.  Apresentando a armadura de Deus, o apóstolo reconhece que somente sob o governo e poder do Senhor é que seremos fortalecidos (leia em Ef 6:10).
Autoridade (em grego: ἐξουσία) – literalmente: poder, domínio, jurisdição.  É com essa palavra que Mateus descreve toda a autoridade que o próprio Jesus declara estar em seu controle no céu e na terra (confira em Mt 28:18).

Então eu me somo a Judas na adoração a Jesus Cristo, Senhor nosso, por toda eternidade, declarando o AMÉM solene (Αμήν – אמן).

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

DAVI E O GIGANTE


A história do confronto entre o gigante Golias e o pequenino pastor Davi é uma daquelas que aprendemos desde criança nas classes de Escola Bíblica e que por diversos caminhos se tornaram conhecidas e citadas até fora de círculos cristãos e religiosos – ela está descrita em 1Sm 17.
Sua leitura, porém, sempre pode trazer novas lições para a nossa vida.  E se compreendermos a história como um modelo de batalha espiritual, então realmente teremos muito que aprender.  Por isso proponho aqui voltar os olhos para ela e buscar descobrir o segredo da vitória do menino Davi.
O verso 20 diz: levantando-se de madrugada... Aqui está o primeiro segredo da vitória de Davi.  Tudo começa numa madrugada quando ele se levantou e entrou na história.  Quando entro na história pelas madrugadas, posso lograr os mesmos êxitos.  Mas sabe o que mais a madrugada de Davi ensina?
Obediência.  Jessé tinha instruído a Davi para que ele fosse ao acampamento de guerra levar provisões para seus irmãos e em obediência o caçula levantou-se de madrugada.  A madrugada do cristão tem que ser fruto de uma vida obediente ao Senhor.  Em Lc 5:5 os discípulos, resignados, lançaram as redes apenas por que Jesus havia ordenado; e elas se encheram de peixes.
Antecipação.  Antes de saber o que aconteceria na frente de batalha, Davi se levantou de madrugada.  Se tenho uma luta a travar, preciso antes de enfrentá-la estar de pé nas madrugadas.  A instrução em Ef 6:11 é para estarmos alerta para quando a cilada me for lançada, de antemão já possa resistir.
Preparação.  Davi saiu logo cedo, mas deixou um outro pastor tomando contas das ovelhas de seu pai.  A busca pelo Senhor nas madrugadas não é desculpa para o relaxamento e a irresponsabilidade.  Na parábola contada em Mt 25:1-13 Jesus conta que cinco entre as virgens se prepararam antecipadamente e foram recompensadas.
Como Davi, quando o crente se levanta de madrugada ele se prepara adequadamente diante do Senhor para a batalha espiritual que deverá enfrentar, e a vitória é certa.
Mas a história não se encerra na madrugada.  A luta ainda está para ser travada.  Davi se levantou logo de madrugada e foi em direção ao desafio que nem ao certo sabia qual era. 
No momento seguinte, depois de se inteirar da situação e da afronta do gigante, o pastorzinho se dispôs a enfrentar o gigante e foi a uma audiência com o rei Saul (1Sm 17:31-40).  Mais uma vez a atitude de Davi indica como proceder diante da batalha espiritual que havemos de travar.
O texto diz que o rei ofereceu sua própria armadura, Davi a vestiu mas percebeu que não conseguiria guerrear com ela, foi então que decidiu usar a própria funda. 
Que lições podemos tirar deste evento?
Veja em primeiro lugar que a atitude do rei foi correta.  Não se pode ir a uma batalha sem o equipamento necessário, e para Davi foi oferecida a melhor.  Lá no NT, Paulo vai instruir a tomar toda a armadura de Deus (Ef 6:10-20) para que possamos enfrentar as astutas ciladas do diabo. 
É insensatez partir para a luta sem os cuidados necessários e por isto todo cristão que sabe das lutas a travar precisar se revestir da armadura espiritual.
Agora observem um detalhe importante.  Aquela armadura era de Saul e não se ajustou a Davi.  Isto me leva a compreender uma verdade importantíssima.  Nem tudo que serve para os outros é adequado para mim. 
Algumas vezes nos guiamos pelas experiências dos outros – que embora sejam boas e úteis, mas não são as minhas – e elas não vão se encaixar na minha realidade de vida cristã.  Davi se fez valer da própria funda a qual já estava acostumada a manejar.  O que se enquadra com a instrução de Ec 9:10 – Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças.
Agora que o confronto é inevitável, pois já estamos no meio da batalha, vamos nos preparar adequadamente, usando aquilo que o próprio Senhor colocou em nossas mãos e nos adestrou para usar.
Ainda não acabou.
Acompanhando o pequenino guerreiro Davi, já levantei de madrugada para orar, já empunhei a armadura adequada para o combate, e agora chegou o momento de encarar o gigante que me desafia.  Lembre que em 1Sm 17:10 é dito que Golias afrontou o exército de Israel, e no v. 25 os israelitas demonstram medo diante da afronta.
Agora estão frente a frente o gigante militar Golias – totalmente armando – e o pequenino pastor Davi – apenas dispondo de sua funda.
Quando Golias viu seu oponente não se conteve em deboche: sou eu algum cão, para vires a mim com paus? (v. 43). 
A diferença entre os dois era visível: um era grande e guerreiro experiente, o outro miúdo e delgado.  Esta é uma boa ilustração de nossa batalha espiritual: meu adversário é grande e astuto em táticas de combate (1Pe 5:8), de mim mesmo nada posso nesta luta.
Mas é bom notar que isto não assustou nosso campeão. 
Sabendo-se incapaz de vencer, Davi apela para a única força que, sendo invencível, poderia lhe trazer a vitória: vou contra ti em nome do Senhor dos Exércitos (v. 45).  Aqui está todo o segredo da conquista de Davi. 
É importante levantar de madrugada – mas não é garantia de vitória.  É necessário tomar a armadura – também não é garantia.  A luta só é ganha quando é lutada no poder que há no nome do Senhor. 
Veja que Jesus assumiu para si todo o poder (Mt 28:18) e somente a este nome todo joelho se dobrará (Fl 2:10).
Sem dúvida alguma, nossas batalhas são enormes e desafiadoras, e nós ainda teremos de enfrentá-las com coragem e disposição.  Contudo se a travarmos exclusivamente no poder que há no nome do Senhor Jesus, alcançaremos a vitória. 
Para a glória do nosso Deus.
(Na imagem lá em cima: afresco de Michelangelo Buonarroti pintado em 1509 na Capela Sistina - Vaticano)

terça-feira, 8 de outubro de 2019

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO – Fenomenologia ou História?


Nos estudos das Ciências da Religião, Fenomenologia e História das Religiões apresentam-se como duas perspectivas de abordagem completamente distintas enquanto estudo humano, social ou individual.  Embora trabalhem como o mesmo “objeto” de pesquisa, as duas disciplinas partem de pressupostos distintos e de metodologias opostas na tentativa de descrever, classificar e compreender a religião.

Veja o que cada uma propõe:

→ A Fenomenologia entende a religião como um φαινόμενος – algo universal e totalmente perceptível e demonstrável. 
Ela busca sempre um objetivismo ontológico da sacralidade.  Ou seja, tirando a religião da história, busca compreendê-la como algo que pode ser percebido a priori e cujos pressupostos podem ser detectáveis de maneira clara e inequívoca em toda e qualquer manifestação – fenômeno – religiosa, independente dos fatores históricos, sociais e culturais que o envolvam. 
Para a Fenomenologia, o sagrado e o transcendente se impõem como características essencialmente humanas universalmente aceitas.  Neste sentido, tanto a própria religião quanto as suas manifestações podem ser estudadas enquanto fenômenos humanos em si como um objeto quase natural preexistindo à própria história. 
E indo além, é como se houve em um ponto remoto da própria história humana uma única religião que deu origem a todas as outras e cujos pressupostos podem ainda ser identificados em quaisquer fenômenos religiosos ainda hoje observados.
Um outro aspecto é que a Fenomenologia, por entender a transcendência e o sagrado como pressupostos universais, se pretende com alheia a qualquer interferência etnocêntrica em seus estudos.

→ A História das Religiões concebe a mesma como γενόμενος – resultado de processos historicamente variáveis tanto na sua formação como no seu desenvolvimento e alinhamento histórico e cultural.
Assim, as Ciências da Religião, enquanto estudo baseado na História das Religiões, traça seu escopo de trabalho a partir de uma comparação histórica dos processos de formação social e cultural dos povos, logo, se propõe a aceitar a religião a partir de se suas realizações sociais e culturais, precisando ser sempre mediada e avaliada a partir dos conceitos etnocêntricos do próprio trabalho de estudo histórico.
Ou seja, interagindo entre as Ciências Humanas, a História das Religiões problematiza o próprio conceito e categorias de “religião” como algo que só ocorre enquanto evento resultado das relações históricas e culturais, estando, portanto, dependente destes. 
E mais: ela apenas a concebendo enquanto manifestação histórica vinculada ao desenrolar das demais eventos históricos, sociais e culturais – nunca como buscará compreender, nem aceitar o sagrado como algo único ou sobrenatural, mas plural, como são as próprias manifestações histórico-culturais da humanidade.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Doenças da Alma – HIPOCONDRIA


Nesta série de reflexões sobre Doenças da Alma analisamos mais de uma dezena de doenças, moléstias e transtornos causados por infestação de agentes externos ou por descuidados que infligimos em nós mesmos.  Males que têm raízes genéticas ou nos são trazidos pelo mundo que jaz no maligno e que nos rodeia.  Todas doenças que afligem o ser humano, obra-prima de Deus e, por isso, são males que os maculam, entortam, enfeiam, sujam e danificam por inteiro.
Em cada caso estudado, buscamos ir além da informação técnico-científica para tentar entender como uma moléstia assim adoece mulheres e homens, começando por macular sua alma e contaminando toda sua vida, sua fé, seus relacionamentos, sanidade e santidade.  Contudo, o mais importante foi buscar a cura para cada doença no receituário revelado e se deixar ser curado por aquele que é tanto o médico como o próprio remédio: o que dá a vida pelos seus (confirme esta doação em Jo 10:11).
Assim, pretendo trazer, propositadamente, para concluir a série, uma reflexão sobre a hipocondria – que eu vou chamar aqui de a doença das doenças, ou mania de doença.  Segundo o Hospital Israelita A. Einstein, hipocondria é uma obsessão com a ideia de ter um problema médico grave, mas não diagnosticado.
Muita gente vai considerar este problema como sintoma de maluquice, transtorno de quem só quer chamar a atenção, estresse, insegurança ou outra coisa o valha.  E estas atitudes podem tanto ter uma pitada de preconceito, como disfarçar uma boa dose de verdade.
Mas a doença é real.  Quem sofre com ela se vê angustiado pela possibilidade de uma tosse ser prenúncio de tuberculose, uma coceira ser diagnosticada como melanoma ou ainda uma palpitação como sintoma de grave disfunção coronária.
A tosse, a coceira e a palpitação não são inventadas.  Elas realmente estão lá causando transtornos.  Mas a preocupação desmedida de que sintomas pequenos indiquem algo grave leva o paciente a uma via crucis atrás de médicos especialistas, exames detalhados e novos diagnósticos, nunca se satisfazendo com os resultados indicados e aumentando a angústia, num círculo vicioso e ciclo infindável e crescente de doença.
Diante de tal quadro, constatamos que muitos cristãos padecem de sério problema de hipocondria espiritual e têm sua alma doente com sintomas superdimensionados e males cuja solução podem ser facilmente obtida, mas que acarretam dores e traumas terríveis que os acompanham por toda uma sofrida existência.
Um cristão hipocondríaco nunca é capaz de crer realmente que os inconvenientes fazem parte da vida – ele sempre acha ainda que precisa da bênção completa!  Ele é incapaz de entender que, embora real e algumas vezes dolorosas, a leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente (e como traz cura o texto de 2Co 4:17!).
É preciso desenvolver a fé para crer que a tosse é apenas uma irritação inconsequente e que não indica infecção espiritual – o Espírito continua ventilando a alma (Jo 20:22).  A coceira pode ser apenas a vida se renovando e devolvendo-lhe a força da juventude espiritual – o vigor e a beleza da tez espiritual estão se refazendo (Sl 103:5).  A palpitação, com certeza, é a alma se preparando para águas mais profundas – lá onde a pesca é maravilhosa (Lc 5:4).
E não há outra citação com a qual eu possa concluir esta série de reflexões sobre doenças da alma que nos afligem nesta caminhada cristã – ou especificamente sobre qualquer mania de doença que se venha a deixar contaminar a alma: é a certeza profética, proferida e cumprida gloriosamente.
Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças, contudo nós o consideramos castigado por Deus, por ele atingido e afligido.  Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados (Is 53:4-5).

terça-feira, 1 de outubro de 2019

NADA VAI SEPARAR – segunda lista


Depois de ter analisado as circunstâncias que o apóstolo Paulo listou daquilo que tenta nos separar do amor de Cristo (reveja a primeira lista aqui - link).  Retomo agora a relação apostólica apresentada no capítulo oito da Carta aos Romanos.

→ Segunda lista (agora os versos 38 e 39):
# Morte (θάνατος) – os gregos usavam este termo para se referir ao fim ou destino tanto da vida físico-biológica como espiritual-moral.  Mas sempre haverá a certa esperança de que a morte já foi tragada pela vitória da Cruz (o mesmo Paulo em 1Co 15:54).
# Vida (ζωή) – no dicionário da língua grega a definição deste termo é o tempo de vida de um organismo e, em particular, um ser humano (do nascimento até a morte ou outro ponto do tempo).  Que é a vossa vida?  É a pergunta retórica que Tiago faz para nos alertar sobre a necessidade de dependência de Deus em todo e cada plano de nossa existência (atente para Tg 4:14).
# Anjo (ἄγγελος) – Strong define esta palavra como um termo técnico significando, nas páginas da Bíblia, um mensageiro, geralmente um mensageiro (sobrenatural) de Deus, um anjo, transmitindo notícias ou ordens de Deus para os homens.  Nossa fé deve se basear na certeza de que Cristo está sentado no trono e que ele – somente ele – haverá de pisar em seus inimigos como estrado dos seus pés e que os anjos nada são que espíritos ministradores (conforme Hb 1:5-14).
# Principado (ἀρχή) – literalmente, de acordo com o dicionário: o princípio, o começo, o inicio, daí: aquele que é – ou se pretende – antes dos demais, acima de tudo, acima de tudo.  Também é na Cruz que temos a garantia de que todo principado já foi subjugado (confira em Cl 2:15).
# Coisas do presente (ἐνίστημι – aqui, particípio perfeito) – na raiz da palavra: colocar em.  Assim: aquilo que está aí, diante de.  Mais uma vez a Cruz.  Nossa garantia está em que Cristo se entregou a si mesmo para que não mais estivéssemos sob o poder deste tempo presente (declarado em Gl 1:4).
# Porvir (μέλλω) – o dicionário diz: o que está por vir: o que vai acontecer.  Ao ordenar que o vidente João escrevesse o Apocalipse, Aquele que vive pelos séculos dos séculos assumiu que as coisas que ainda hão acontecer, o porvir, estão sob seu controle absoluto (leia Ap 1:18-19).
# Poder (δύναμις) – esta palavra tanto pode implicar poder e força como habilidade e capacidade.  Os poderes deste mundo até simulam ser divinos e grandiosos, mas na verdade não passam de ilusão (como foi o caso de Simão em At 8:10-11).
# Altura (ὕψωμα) – o grego moderno usa esta palavra para indicar uma colina ou área de maior elevação.  Paulo escrevendo aos coríntios usa em sentido figurado apontando que nossas armas espirituais combatem toda altivez contra o conhecimento de Deus (em 2Co 10:4-5).
# Profundidade (βάθος) – propriamente, profundeza, ou mais: o que vai além da superfície.  Mesmo a mais profunda pobreza não é capaz de nos impedir de vivenciar o amor de Deus e compartilhar a sua misericórdia (veja o caso dos irmãos da Macedônia que mostraram generosidade – citado em 2Co 8:2).
# Qualquer outra criatura (τις κτίσις ἑτέρα) – o fraseado expressa a ideia do conjunto da criação, ou seja, qualquer outra coisa criada, mesmo alguma que não tenha sido citada.  Paulo resume assim, não dando margem para que nada fique fora de sua lista.

Então, voltando um pouco a leitura no capítulo oito, eu posso ter por certo que nada pode me separar do amor Cristo porque, embora toda a criação esteja sujeita à vaidade ainda hoje, mas na revelação dos filhos de Deus, no grande dia, todas estas forças e circunstancias estarão redimidas do cativeiro da corrupção e em nós se revelará a glória dos filhos de Deus (leia Rm 8:18-25)
Sim.  Nada vai nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.  Aleluia!!!