terça-feira, 30 de outubro de 2018

O PROFETISMO CLÁSSICO EM ISRAEL


O chamado profetismo clássico em Israel foi o movimento de renovação espiritual levado a efeito por profetas escritores entre os séculos XVII e IV a.C.
Mais que qualquer outro grupo, os profetas deste período revelaram um profundo amor e comprometimento com Deus e a sua Palavra e uma disposição firme de mudar os destinos de seu povo.
A primeira marca característica que nos chama a atenção neste profetismo clássico seria a convicção de que sempre falavam em nome do Senhor: – Assim diz o Senhor. Esta é a fórmula profética clássica.
Esta certeza iria levá-los a um projeto ousado e a um enfrentamento tanto do povo como dos líderes para que a vontade de Deus voltasse a sobressair na história de Israel.
Outras características marcantes foram a releitura da revelação dada e a compreensão da realidade ao seu redor. Se por um lado a Palavra revelada fornecia um suporte espiritual àquilo que era pregado; por outro, modismos e invencionices deveriam ser evitados e a Lei de Deus trazida novamente à lembrança (veja por exemplo o que diz Ml 4:4).
Também a ética pessoal e a responsabilidade social deveriam agora encontrar lugar de relevância dentro da fé e da religiosidade. Espiritualidade sem vida diária é misticismo vazio (note que é séria a palavra do profeta diante da doença do rei Ezequias em Is 38:1).
Assim, como resultado desta nova configuração do ministério profético em Israel, todo o culto e adoração, passaram também a ter uma nova conotação.
Pois desejo misericórdia e não sacrifícios;
conhecimento de Deus,
em vez de holocausto
s.
(Os 6:6)

terça-feira, 16 de outubro de 2018

A DIDAQUÉ E O CULTO



A Didaqué é um escrito cristão anônimo do final do século I e início do II, composto de 16 pequenos capítulos e que registra os primeiros movimentos de estruturação, de doutrina e de liturgia da igreja logo após a era dos apóstolos. Urbano Zilles na introdução da edição do texto em língua portuguesa terce os seguintes comentários:

A Didaqué (Διδαχή) (Doctrina Apostolorum) é uma pérola preciosa da literatura dos Padres Apostólicos. (...) Trata-se do mais antigo manual de religião da comunidade cristã primeva, que conhecemos até o momento. Durante muitos séculos era desconhecida. (...).
Nota-se logo que as comunidades cristãs ainda não estavam plenamente estruturadas. Os apóstolos e os profetas ocupavam maior destaque que os bispos e os diáconos. A comunidade, não o ministro, administra o batismo. O rito batismal e o rito da celebração eucarística ainda não estão fixados. Enfim, a liturgia, se a compararmos, por exemplo, com as formas apresentadas pelo escritor Justino (morto ca. 165), ainda é pobre e embrionária.

No texto da Didaqué há um capítulo específico contendo instruções sobre o batismo, onde é instruído explicitamente: “batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo em água corrente” (VII.1).
Também há um capítulo sobre o jejum e a oração onde é repetida quase que literalmente a oração do Pai Nosso (VIII.3 – Mt 6.9-13).
E dois capítulos sobre a celebração do culto terminando com uma fórmula litúrgica para ser repetida no final das celebrações: “Venha tua graça e passe este mundo! Amém. Hosana à casa de Davi. Venha aquele que é santo! Aquele que não é (santo) faça penitência: Maranatá! Amém.” (X.6).
Um outro destaque no texto da Didaqué é o capítulo XIV que trata da santificação do domingo pela celebração cristã. Por se tratar de um texto escrito imediatamente após o período apostólico é significativo ele atestar que a igreja já associava as reuniões regulares no primeiro dia da semana (domino dei) com a celebração de culto.
O dia específico de adoração da igreja primitiva era o domingo por que ele estava associado ao sacrifício e à ressurreição de Cristo. Sendo assim, o dia de adoração dos cristãos deveria sempre evocar o memorial destes eventos com confissão de pecados, e celebração eucarística: “Reuni-vos no dia do Senhor para a fração do pão e agradecei (celebrai a eucaristia), depois de haverdes confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja puro” (XIV.1).
(Na imagem lá em cima, uma reprodução da última página da Didaqué – fonte: wikipedia.org)

terça-feira, 9 de outubro de 2018

A BÍBLIA, POR ELA MESMA


Há diversas passagens da própria Bíblia que nos dão instruções de como devemos nos relacionar como texto. Vejamos apenas algumas destas e deixemos a Palavra de Deus nos falar por si própria:

# Ajunta-me este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, e aprendê-la são, para me temerem todos os dias que na terra viverem, e as ensinarão a seus filhos (Dt 4:10).
# E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus filhos, e delas falarás sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te. Também as atarás por sinal na tua mão e te serão por frontais entre os teus olhos; e as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas (Dt 6:6-9).
# Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo, cuidando de fazer conforme toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; não te desvies dela, nem para a direita nem para a esquerda, a fim de que sejas bem sucedido por onde quer que andares. Não se aparte da tua boca o livro desta lei, antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem-sucedido (Js 1:7-8).
# Esforçai-vos, pois, para guardar e cumprir tudo quanto está escrito no livro da lei de Moisés, para que dela não vos desvieis nem para a direita nem para a esquerda (Js 23:6).
# Ide, consultai ao Senhor por mim, e pelo povo, e por todo o Judá, acerca das palavras deste livro que se achou; porque grande é o furor do Senhor, que se acendeu contra nós, porquanto nossos pais não deram ouvidos às palavras deste livro, para fazerem conforme tudo quanto acerca de nós está escrito (2Rs 22:13).
# Grandes são as obras do Senhor, e para serem estudadas por todos os que nelas se comprazem (Sl 111:2).
# Jesus, porém, lhes respondeu: Errais, não compreendendo as Escrituras nem o poder de Deus (Mt 22:29).
# Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; e são elas que dão testemunho de mim (Jo 5:39).
# Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus (Ef 6:17).
# Assim, pois, irmãos, estai firmes e conservai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa (2Ts 2:15).
# Prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda longanimidade e ensino (2Tm 4:2).
# Bem-aventurado aquele que lê e bem-aventurados os que ouvem as palavras desta profecia e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo (Ap 1:3).

E mais, ainda a Bíblia nos dá a indicação de que seu conteúdo deve ser mais que objeto de curiosidade ou histórias mortas, é para ser vivenciado. Acompanhe mais:
No livro da profecia de Amós nós lemos a instrução divina: "Pois assim diz o Senhor à casa de Israel: Buscai-me, e vivei" (Am 5:4). Pela palavra profética, Deus está dizendo que a única possibilidade de se ter vida é buscando-o.
Sendo a Bíblia a nossa única fonte veraz para conhecermos a Deus, porque somente ela foi divinamente inspirada (2Tm 3:16), então somos levados a concluir que somente viveremos em plenitude quando buscarmos a Deus nas páginas sagradas com todo o nosso coração (Jr 29:13).
Vamos além:
Jesus conclui seu Sermão da Montanha ilustrando a importância de seus ensinamentos. Se por um lado "todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática, será comparado a um homem prudente, que edificou a casa sobre a rocha", por outro lado "todo aquele que ouve estas minhas palavras, e não as põe em prática, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia" (Mt 7:24 e 26).
Com isto o Mestre está nos ensinando que somente ser conhecedor, ou leitor apenas, das páginas da Bíblia não é suficiente; é preciso ser um cumpridor de todo quando foi dito. Sem vivência diária, sem se encarnar as lições, sem trazê-la para nossa experiência, a Bíblia não fará sentido.
É preciso viver a Bíblia todos os dias para que Deus nos fale e, ouvindo-o tenhamos vida eterna em Cristo Jesus – conforme Jo 20:31.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

CULTO LEVÍTICO vs. ADORAÇÃO HOJE


Embora a igreja não viva mais no período em que vigorava a lei da Antiga Aliança, já que uma Nova foi estabelecida com base na graça que vem de Jesus; contudo o estudo das instruções no Livro da Lei do passado dada aos filhos de Israel muito tem a dizer quanto ao culto e à adoração hoje.
Uma primeira observação: Deus não muda. Como no passado, ele hoje continua a exigir uma separação absoluta entre o que é sagrado – sendo dedicado a sua adoração – e o que é profano (é bom lembrar que a ordem quanto à santidade prescrita em Lv 11:44-45 é copiada nos mesmos termos em 1Pe 1:16).
Paulo, considerando isso, leva esta exigência divina, em requerer para si a adoração de um povo separadamente seu, a uma nova dimensão: não se ponham em jugo desigual com descrentes (2Co 6:14 – continue lendo até o final do capítulo).
Assim como no Levítico, no meio da igreja hoje, ao exigir uma distinção entre o que é consagrado ao culto e à adoração daquilo que está disposto no mundo, o objetivo de Deus é separar e purificar um povo exclusivo para si e com ele manter uma relação de amor e aliança diferenciada (compare 1Pe 2:9 com o amor explícito citado em Ef 5:2527).
A outra observação que o estudo da lei instruída em Levítico traz é sobre o aspecto didático que deve estar presente no culto. Desde os tempos da igreja primitiva, as celebrações cristãs são realizadas tendo como base o conhecimento, a leitura e o estudo da Palavra de Deus. Este é um aspecto do culto cristão que não pode ser desprezado nas celebrações cristãs sob o risco de se transformar tais reuniões em apenas eventos vazios da presença divina.
O Senhor da igreja ainda requer que seus adoradores conheçam a quem adoram (Jesus citou isso a mulher samaritana em Jo 4:22), e isso se dá quando o culto é feito tendo como alicerce um estudo santo e criterioso do texto bíblico; para que não se transforme em ritos sem sentido. Observe que na recomendação a Timóteo a Palavra de Deus encontra o seu lugar devido: leitura pública, exortação e ensino (1Tm 4:13).
Quanto à ordenação e ao detalhamento em que deve transcorrer o culto público em nossas igrejas, as palavras do apóstolo Paulo são bem claras: mas tudo deve ser feito com decência e ordem (1Co 14:40).


terça-feira, 2 de outubro de 2018

MONOTEÍSMO – um único Deus


Uma definição inicial e até simplista de monoteísmo seria a crença ou fé na existência de um único Deus e sua devoção total a ele. Em oposição a crenças henoteístas que afirmam a possibilidade da existência de vários deuses porém com uma supremacia absoluta de apenas um sobre todos ou outros; ou a crença politeístas que acredita nas existências de vários deuses compartilhando de um panteão.
Mas é claro esta definição não é suficiente para representar toda a complexidade do espectro da fé exercida pelo ser humano. Nem todos os desdobramentos cabem nestas definições clássicas.
John Hick observando a questão do monoteísmo teórico e do henoteísmo prático que envolve a vida de muitos seres humanos assim se expressa:
... empregamos nossas energias a serviços de várias deidades – o deus do dinheiro, o da empresa de trabalho, o do sucesso, o do poder, o do status de deus, e (por um breve período, uma vez por semana) o Deus da fé judaico-cristã.
Assim o conceito de crença – e consequentemente de monoteísmo – deixa de ser apenas uma modalidade litúrgica para ganhar uma dimensão existencial que engloba toda a vida humana.
Aqui as observações de Paul Tillich se mostram inteiramente relevantes. Ele compreendia que o tema do monoteísmo só poderia ser realmente colocado depois de o conceito de realidade de Deus já estivesse devidamente esclarecido, pois é a partir do seu conceito de Deus que o ser humano estabelece tanto objetivamente quanto subjetivamente a sua relação existencial consigo mesmo e com a vida que o cerca. E mais, "o homem só pode falar dos deuses à base de sua relação com eles".
Nesta perspectiva, como conceituaremos então Deus? É o próprio Tillich quem conceitua Deus como sendo "o elemento absoluto da preocupação última do homem" e por isso mesmo exige do homem uma "paixão absoluta".
Assim, ainda seguindo a mesma linha de raciocínio, toda e qualquer coisa ou pessoa que ocupe esta preocupação última no ser humano tomará um lugar que cabe exclusivamente a Deus. Todo valor relativo que pretenda a absolutização é um valor idolátrico e por isto mesmo demoníaco – antidivino.
Ora, se pensarmos na existência humana como um conjunto de complexidades que de per si exigem soluções e que por isto não podem ser relegadas ao subterrâneo da vida humana, então temos um conflito: um valor exige preocupação última e em nome dele todos os outros têm que ser deixados para segundo plano; mas por outro lado há valores que exigem também preocupação e paixão.
Voltando a Hick e à sua análise da religião observamos que ele propõe uma resposta:
Então, Deus, segundo o Judaísmo e o Cristianismo, é ou possui um ser ilimitado e os vários "atributos" ou caracteres divinos apresentam os mais variados aspectos, de acordo com os quais a infinita realidade é ou existe, ou possui um ser.
Temos então, assim, uma conceituação que pode nos conduzir a uma compreensão deste elemento na construção da identidade do ser humano: Monoteísmo é a paixão absoluta e a preocupação última em um Deus que em si encerra todos os aspectos da vida e que tem todas as respostas à finitude humana. Nas palavras do Novo Testamento: "Cristo é tudo em todos" (Cl 3:11).