sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

NO DIA EM QUE O SOL PAROU

A história do dia em que o sol parou, lá no Antigo Testamento, está entre aquelas mais lembradas das narrativas bíblicas.  Mas para entender melhor o episódio deixe-me inicialmente colocá-la num contexto.  A conquista dos filhos de Israel da terra prometida no século XV a.C. aconteceu em meio a batalhas sangrentas.  Josué liderou o povo como um militar e sempre os animou a tomar a iniciativa e enfrentar seus inimigos dispostos à vitória.
O que ocorreu e foi narrado no capítulo 10 do livro de Josué não segue a mesma linha de acontecimentos: liderados por Adoni-Zedeque, rei de Jerusalém, uma coligação se levantou e desafiou os gibeonitas.  Para defender seus aliados, Josué juntou seus melhores homens e partiu para a guerra.
E antes de chegar no inusitado da história – o evento do sol parado – já podemos aprender algo.
A primeira lição é de solidariedade.  Os reis se juntaram para atacar Gibeon.  E para defender seu aliado, Israel se lançou à batalha.  Tudo começa quando o povo de Deus é capaz de sentir a dor e o problema do outro e se envolver procurando se somar na resolução dos mesmos.
Textos não faltam neste sentido: no AT o Sl 133 fala em vivermos em união e no NT Jesus declara que nossa identidade só aparecerá quando amarmos uns aos outros (está em Jo 13:35).  Tudo indica que Josué e seus homens realmente anteciparam a instrução paulina de compartilhar o choro e a alegria do outro (como é dito em Rm 12:15).
A segunda lição vem da atitude de Josué em reunir seus melhores homens (veja Js 10:7).  Para enfrentar as batalhas que sobrevêm contra nós – principalmente as batalhas espirituais – temos de colocar o que temos de melhor a disposição do nosso General.
Aqui lembro ainda das palavras de Jesus que fala em Mt 6:33 em dar o primeiro lugar ao Reino de Deus.  Também não posso me esquecer da advertência de Jeremias quanto ao fazer a obra de Senhor de modo negligente (leia em Jr 48:10).
É nesse momento que o surpreendente acontece.  Quando o povo de Deus se coloca com amor e disposição, o próprio Senhor faz aquilo que não nos é possível (lembre de Mt 19:26).  Duas expressões do verso 14 nos dão o tom da ação divina.
Em primeiro lugar é dito que o Senhor atendeu a um homem.  O que está claro aqui é que quando um servo fiel entra em oração, Deus atende.  Tiago ainda observa o mesmo sobre o profeta Elias que, mesmo sendo humano como nós, Deus o atendeu segurando a chuva.
A outra expressão é que o Senhor lutava por Israel.  O nosso Deus vai a nossa frente e luta por nós.  É o caso da confiança de Neemias ao incentivar o povo na reconstrução do muro (confira Ne 4:20).
É isso que acontece: Deus manipula as leis naturais para agir poderosamente em favor dos seus filhos quando estes se unem com dedicação, amor e zelo, e quando entram na batalha em oração e confiança (compare Gn 8:22 com Js 10:13 e veja do que Deus é capaz!).
Com ousadia, nos entreguemos à batalha espiritual, certos de que o Senhor vai fazer o sol parar, até que nossos inimigos se ponham em fuga e a vitória esteja conquistada para o seu louvor.

(De ibsolnascente.blogspot.com em 23 de outubro de 2009)

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O que a Bíblia NÃO diz sobre anjos

A figura dos anjos está ampla e variadamente misturada em nossa tradição cristã.  E, embora não haja nenhum capítulo que trate especificamente de sua descrição, eles são citados na Bíblia com freqüência.  É verdade também que aqui e ali acrescentamos algum "conhecimento" herdado de outras tradições não-cristãs, fazendo com que a noção destes seres se tornasse mística, quase folclórica ou mitológica.
Veja na relação a seguir sete coisas que a Bíblia não diz sobre os anjos, mas que muita gente acredita e prega por aí:

1. Anjos com asas – por não haver na Bíblia nenhuma menção detalhada da aparência dos anjos, tudo o que podemos saber é por associação ou imaginação.  Em geral eles são citados apenas como varão.  Mas nunca se fala em asas
A confusão se dá porque figuras como querubins (em Ez 10:5 por exemplo) ou serafins (em Is 6:2) aparecem descritos com asas.  Mas aí já é outra conversa.  Sobre isso, veja o ponto #3 logo abaixo.

2. Jacó lutou com um anjo – esse é clássico.  A citação é da luta de Jacó no vale do rio Jaboque em Gn 32:22-31.  O texto diz que veio um homem que se pôs a lutar com ele até o amanhecer (Gn 32:24 NVI). 
O problema aqui é a expressão na língua original: enquanto os versos Gn 32:1 e 28:12 falam em anjos (no hebraico מלאכי – de מלאך), o versículo da luta se refere a um varão (no hebraico איש – mesmo termo encontrado em Gn 6:9).  Ou seja, literalmente Jacó lutou com um homem.  O mais é interpretação ou dedução.
É verdade que quando seu nome foi mudado, a explicação foi porque ele lutou com Deus e com homens e venceu (Gn 32:28 NVI).  Só que ainda neste versículo não se fala em anjos, pois a luta foi com Deus e com homens.

3. Hierarquia dos anjos – como disse, não há capítulo bíblico que trata de maneira explícita – ou didática – dos anjos.  Eles simplesmente são citados sem maiores detalhes ou preocupação.  Assim, a Bíblia não faz nenhuma referência à hierarquia.   E como se chegou a isso?  O primeiro escritor cristão a tratar do tema foi Clemente de Alexandria no século II e depois se consolidando com um texto intitulado "A Hierarquia Celeste" (em latim: De Coelesti Hierarchia) atribuído a Dionísio Aeropagita.
Ausente nas páginas bíblicas, a verdade contudo é que não há uma uniformidade dos comentadores sobre o tema – há hipóteses variadas.  Os títulos mais utilizados, a partir do texto bíblico, para atribuir hierarquia são: Querubim (כרוב) – citado na Bíblia como guardião do Éden em Gn 3:24 e colocados sobre o propiciatório em Ex 25:20.  Serafim (שרף) – cuja única citação é Is 6:2.  E Arcanjo (do grego ἀρχάγγελος) – que aparece nos textos de 1Ts 4:16 e Jd 9.  Outros termos comuns são: principados, potestades e por aí vai...  e, como disse, não há consenso.
Eu sei que há outros textos que podem indicar uma hierarquia, como por exemplo Js 5:13-15.  Nesta passagem, Josué olhou para cima e viu um homem em pé (Js 5:13 NVI – no hebraico איש).  É certo que ele se apresenta com um título que indica uma patente militar: comandante do exército do Senhor (no hebraico שר־צבא־יהוה), mas daí uma classificação hierárquica angelical é extrapolação.

4. Anjo da morte – aqui também a citação bíblica é dúbia.  Costumeiramente a primeira referência é ao evento da Páscoa quando do Êxodo dos Filhos de Israel do Egito.  No texto é dito que o Senhor não permitirá que o destruidor entre na casa de vocês para matá-los (Ex 12:23 NVI – no hebraico משחית de שחת).  A mesma expressão vai aparecer em 2Sm 24:16 / 1Cr 21:15.  E embora a referência direta a um anjo executando tal serviço só apareça nos textos históricos, em nenhum deles a citação é explícita como "anjo da morte". 
Há outras duas passagens que merecem citação: em Pv 16:14 aparece a expressão literal anjo da morte (מלאכי־מות) mas está claramente usada num sentido conotativo, figurado e poético.  Citá-lo aqui como um ser literal é forçar bastante o texto.  O outro texto é Jó 33:22 (onde a palavra hebraica é ממתים) e também o senso poético deve prevalecer.  No mais é só inferência.
No NT o texto de Ap 9:11 cita Abaddon (em hebraico אבדון) que em grego é Apollion (Απολλύων) como sendo o anjo do abismo.  Penso que ainda aqui anjo da morte não cabe.
Na tradição judaica extra-bíblica existem figuras de anjos da morte – ou malditos – como Azrael ou Samael.  Mas por ser fora do texto canônico, então vou poupar o comentário.

5. Anjo da guarda – sobre este tema eu já comentei em outro post.  Lá eu analisei o texto de Mt 18:10 e entendi, a partir do próprio texto e contexto, que a figura singular e sobrenatural de um anjo destacado para cuidar exclusivamente de alguém não tem base (se quiser ler mais, dê uma olhada no link). 
Outro texto que já vi sendo usado para argumentar sobre tais anjos é Ex 23:20.  Também entendo que a conclusão deve se aproximar da que chegamos em relação ao texto evangélico.

6. Criancinhas se tornam anjos – essa é simplesmente sem nexo.  Confesso que tenho dificuldade até de encontrar qualquer texto que faça alguma ligação, mesmo tênue.  Mesmo citações como a de Mt 19:14 – "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas" – não diz nada sobre criancinhas que morrem virarem anjinhos.
A cultura popular criou a crença de recém-nascidos que morrem são levados para o céu como anjos.  Isso é útil para consolar os enlutados, mas nada tem de verdade bíblica nem cristã.  Gente é gente e anjo é anjo.

7. Anjos têm filhos – sobre isso também já comentei quando postei sobre os gigantes citados em Gn 6:4 (este é o link se quiser reler).  Ainda considere:
Lá no texto do Gênesis pode-se ler que quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens e elas lhes deram filhos.  Bem, tratar os filhos de Deus (no hebraico האלהים בני) como anjos, além de não fazer sentido em todo o contexto bíblico, distorce a exegese do texto.

* Quanto ao que eu posso compreender da própria Bíblia a cerca do papel dos anjos, vou citar o que escrevi comentando Mateus 18:

Em toda a Bíblia os anjos assistem na sala do trono para o louvar (cito por exemplo o Sl 103:20), servem e obedecem só a ele e são enviados pelo próprio Deus para missões específicas, principalmente quando é preciso agir em favor dos seus pupilos (lembre de Dn 6:22). 


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

COMO A NEVE

Eu, como bom nordestino que sou, nunca vi a neve e só a conheço por fotos ou imagens, mas tenho que confessar – sem empolgação é claro – que nesta época de Natal o tema seja recorrente em muitas decorações, discursos e ambientes – certamente reflexos das festividades do Hemisfério Norte onde o frio impera nesta época do ano.
Agora, o que vem a minha mente quando o tema é neve são os textos de Is 1:18 e Sl 51:7 – ambos maravilhosos!  Continuo sem conhecê-la, porém vejo o quanto tais textos me falam ao coração.  Na profecia de Isaías, depois de advertir a nação rebelde, o Senhor promete que embora seus pecados sejam vermelhos, eles se tornarão como a neve.  É a promessa divina.  É o salmista Davi, por sua vez, que me mostra de maneira bem prática como isso se dá.  Vejamos:
O motivo que leva Davi a escrever o Salmo é o pecado cometido por ele e denunciado por Natã, o profeta.  Adultério e assassinato pesavam sobre sua alma e isso a sujava e a deixava encardida como a escarlate – cor do sangue derramado.  O que fazer então?  O que fazer diante do pecado cometido e da culpa sentida?  No Salmo, Davi reconhece, confessa e suplica.
Sei que sou pecador – diz o rei no Sl 51:5.  É preciso reconhecer que o pecado é inerente à vida humana  e ninguém está livre desta mácula (lembro que Paulo também falou sobre isso em Rm 3:23).
Mas o problema não está neste pecado primordial herdado.  Davi sabe que o pecado é pessoal e assim deve ser encarado: contra ti, só contra ti, pequei (é o verso do Sl 51:4).  É esta consciência de que meu pecado antes de tudo ofende a Deus que deixa a minha alma pesada e apodrecida.
Tudo começa a mudar quando há uma verdadeira confissão perante o Senhor.  Vejo o mesmo Davi reconhecer que enquanto o pecado não é confessado a mão do Senhor pesa sobre a nossa vida e o corpo definha (leio isso no Sl 32:3-4).  É bom também acrescentar que quem confessa seu pecado alcançará sempre a misericórdia (como dito em Pv 28:13).
Sentindo a alma manchada e amargurada e tendo confessado o pecado que o perseguia (dito no Sl 51:3), Davi então suplica pela graça divina.  Só Deus pode levar a alma e livrar da culpa (veja os versos do Sl 51:7 e 14).  Mas também só Deus pode criar um espírito novo e devolver a alegria da salvação (veja os versos do Sl 51:10 e 12).  E é isto que está contido na oração do salmista.
Somente quem já experimentou a alma lavada e testemunhou o que é ter o pecado sujo como o sangue transformado em limpo como a neve pode glorificar ao Senhor com a certeza de que o que agrada a Deus é um espírito e um coração quebrantado e contrito (Davi disse no Sl 51:17).  Por isso, ao sentir-se livre da imundície do pecado ele agora poderia voltar a oferecer um culto digno ao Senhor.
Hoje quando falo na neve, quero trazer a minha lembrança – e celebrar com isso – a realidade de que também já tive os meus pecados, que enlameavam minha alma, lavados pelo sangue do Cordeiro tornando-me como a neve e, com certeza, estarei incluído entre os bem-aventurados que tomarão da árvore da vida no grande Dia do Senhor (sei disso através de Ap 22:14).  Glória a Cristo por isso!

(Saiu pela primeira vez no sítio ibsolnascente.blogspot.com em 18/12/2009)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – A AUTONOMIA DA IGREJA LOCAL

Este é outro princípio batista inegociável.  E é onde devo contextualizar um pouco mais porque temos problemas sérios nesta área.  Entendo que vivemos um tempo bem diferente do vivido há 20 anos.  As estruturas denominacionais passam por um processo de desgaste junto às igrejas.  Sua imagem está afetada.  Isto é conseqüência até mesmo de um dado cultural, a pós-modernidade, momento social em que vivemos e em que as estruturas são questionadas e deixadas de lado, e o individualismo é cada vez mais acentuado.  Para piorar, em algumas de nossas instituições denominacionais houve má gerência, e isto atingiu as demais.  Em outras, houve açodamento de pessoas que confundiram as coisas e conseguiram, com suas atitudes, criar uma postura refratária por parte das igrejas.  Zelosas pelo seu trabalho, algumas pessoas começaram a pressionar as igrejas e a reclamar das não colaboradoras, muitas vezes insinuando não serem batistas ou serem desengajadas da doutrina batista por não contribuírem financeiramente para a instituição.  Em outras vezes, a luta por poder, nos bastidores, em nada difere da luta que se vê no mundo.  Esta confusão, para mim, se deu porque se ignorou o fato de que a estrutura é serva das igrejas e existe em função delas e não o oposto.  Nem mesmo chamo nossas instituições de denominação porque denominação, no meu entendimento, são as igrejas e as doutrinas que elas sustentam.  Chamo de estrutura e as vejo como para-eclesiásticas, ou seja, elas existem para caminharem ao lado das igrejas.  Por isso, entendo que as estruturas precisam rever seus métodos e seu discurso.  Não devem cobrar das igrejas, mas mostrar sua competência, sua administração com lisura, e como estão levando a obra das igrejas à frente.  Parece-me surrealista que alguns vejam as igrejas como adversárias da denominação.  Elas são a denominação!
As igrejas têm diminuído sua colaboração para a estrutura, tanto em finanças como em envolvimento.  Por isso, vez por outra se lêem artigos em que alguém reclama da autonomia da igreja local e critica as que não estão cerrando fileiras com a estrutura.  Seria bom fazer com que as igrejas todas assumissem o programa da estrutura e bem como os ônus decorrentes da funcionalização do programa.
A autonomia leva à pulverização, mas a centralização leva à uniformidade nos erros.  Cito um trecho de um batista insuspeito, José dos Reis Pereira.  Poucos batistas foram tão engajados na obra como ele.  Certa vez, em uma carta, ele me disse que estava com 24 atribuições denominacionais.  Reis Pereira foi uma vela que se gastou dos dois lados.  Eis o texto: “Os Batistas Gerais decaíram à proporção em que uma forte tendência centralizadora triunfava entre eles.  Vitoriosa essa tendência a autonomia das igrejas locais foi sacrificada.  E é um outro princípio batista, esse da autonomia da igreja local” (Breve História dos Batistas, p.  81).  Centralizar o poder e fortalecer o centro não melhorará a situação.  Reis diz que a história já provou isso.  Deve-se fortalecer e melhorar a base, que são as igrejas.  Se estas forem fortes e sadias, a denominação será forte e sadia.
Não se pode negar a autonomia da igreja local, até mesmo porque o Novo Testamento só mostra uma instituição, que é ela, e desconhece as que criamos.  O que criamos não é antibíblico, mas é abíblico.  Não é errado, mas existe para funcionalizar e vitalizar a igreja local.  O que devemos fazer é mostrar que as igrejas do Novo Testamento viviam em cooperação, que se ajudavam, como Paulo mostra em suas cartas.  Autonomia e cooperação não são antônimos.  As igrejas se engajavam em projetos comuns, mas tudo partia delas.  Até mesmo o envio de missionários.  Os missionários eram enviados pelas igrejas e eram missionários das igrejas e nunca enviados por uma instituição.  Sei que os tempos são outros, as circunstâncias culturais são outras, mas me parece que muitas vezes olhamos pelo lado errado do binóculo.  A pedra de toque do processo batista é a igreja local.  Somos congregacionais desde nossa origem: o governo pertence à congregação local e ela não está sujeita a nenhuma outra instância.  E cooperação, sim.  Mas sacrifício ou abandono da autonomia da igreja local, nunca!
Esta doutrina nos permite declarar que a maior e mais rica igreja batista vale tanto quanto a menor e mais pobre.  E o que se faz em nome dos batistas precisa do aval moral das igrejas para ter credibilidade entre elas.  Não se trata apenas de autonomia da igreja local, mas de sua soberania.  As estruturas precisam se compatibilizar com as igrejas.  Até mesmo por um fator muito simples: precisam delas para sobreviver.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

VAMOS À CASA DO SENHOR

Alegrei-me com os que me disseram:
"Vamos à casa do Senhor!"
(Sl 122:1)
Em primeiro lugar convém ressaltar que toda adoração deve ser dirigida ao Deus eterno, santo e soberano, que nos criou e nos resgatou em Jesus Cristo.  O crente adora ao Deus que está conhecendo e conhece o Cristo que está adorando – esta é a dinâmica da vida cristã.
Daí a compreensão de que culto é memorial dos atos poderosos de Deus na história, é gratidão pela libertação, é submissão à soberania inconteste de Jesus e é celebração pela vitória final de Cristo e suas hostes.
Mas, principalmente, percebemos a certeza de que adoração é encontro – do crente consigo mesmo e com o próximo – e acima de tudo do adorador com o seu criador.  Na adoração nos encontramos com o sentido de nossa vida, razão de nossa existência.  O encontro com Cristo que se dá na adoração reorganiza a nossa vida, estabelece valores e nos conduz a salvação.
Culto é colocar toda a nossa existência, vontade e projetos no altar de Deus, é ter o Mestre como primazia e transformar o lugar e o tempo de estarmos na presença sagrada de Deus a oportunidade de darmos sentido a nossa vida e destino a nossa história.  No baú da adoração somos conduzidos em louvor através de coisas velhas e novas à presença daquele que é tudo em todos (Fp 4:8).
Agora fazem sentido as palavras do salmista: "Alegrei-me com os que me disseram: Vamos à casa do Senhor!" (Sl 122:1).

(do livro "No Baú da Adoração" publicado em 2004)

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Calendário Judaico Antigo

A pretexto de curiosidade apenas, aí está o calendário – relação de meses – como costumeiramente o povo judeu distribuía o seu ano.  Ainda por curiosidade, compare com a relação das festas judaicas no quadro que já apresentamos (reveja aqui).


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

JABULANI

Passada uma semana da tragédia que vitimou mais de setenta pessoas ligadas à Associação Chapecoense de Futebol – e a comoção que se seguiu – e para que também a dor não caia na vala comum do esquecimento; quero publicar aqui este texto que escrevi em junho de 2010, no ensejo da Copa do Mundo de Futebol ocorrida naquele ano na África do Sul.  Com ele eu me solidarizo com os que choram (Rm 12:15), acreditando porém que relembrar motivos de celebração pode ajudar neste momento de perda e dor; orando ainda para o Senhor confortar os corações enlutados.


Para a turma do futebol, começa hoje a Copa do Mundo.  Serão mais de sessenta jogos, transmitidos pela TV, com direito a cobertura jornalística completa, Internet, twitter e outro tanto volume de informações. 
Antes, contudo que a bola começasse a rolar, o assunto que ocupou estes noticiários foi a própria bola em si.  Criada pela patrocinadora da Copa, a bola oficial gerou polêmica pelo seu formato e comportamento.  Para alguns atletas a novidade é interessante, mas para muitos só merece críticas.
Apelidada de Jabulani, a bola da Copa possui 11 cores diferentes.  O nome da bola significa "celebrar", esta é uma palavra da língua Bantu Zulu, um dos 11 idiomas oficiais da África do Sul.
E é neste ponto que quero refletir aqui.  Mais que uma guerra – apesar de alguns quererem ser guerreiros – ou que uma oportunidade de afirmação nacional – e sei que vão querer tirar proveito disso – a Copa se propõe a ser um evento de celebração – embora também saiba que no fundo hoje é mais uma grande promoção comercial e econômica.
Jabulani – celebrar – me faz pensar no tão conhecido Salmo 100.  Este sim, é celebração de verdade.  Veja o que ele diz sobre celebração.
Celebrai com júbilo ao Senhor,
todas a terras.
O verdadeiro espírito de celebração é devido somente ao Senhor – e na sua presença há plenitude de alegria (veja também o Sl 16:11).  O júbilo (alegria festiva e esfuziante) é a maneira própria do servo do Senhor manifestar sua aclamação na presença de Deus.  E isto é devido por todos os habitantes da terra (o Sl 150 fala em todo ser que respira).
O verso dois acrescenta o que deve seguir à celebração verdadeira: servi ao Senhor com alegria.  A celebração do servo do Senhor é sempre acompanhada de um espírito de serviço ao Senhor.  Os cânticos devem gerar em mim – o adorador celebrante – uma atitude de submissão e serviço ao Senhor, pois quem celebra e adora, serve e obedece (veja o grande mandamento em Mt 22:37-38).
Sabei que o Senhor é Deus (verso três).  Celebro ao Senhor e isto me leva a conhecê-lo muito mais.  Sendo o inverso também verdade: à medida que o conheço e o celebro por seu grandes feitos, faço crescer dentro de minha alma do desejo por conhecê-lo mais ainda (como gosto de Os 6:3!).
E prossegue o Salmo: quem celebra ao Senhor e o serve também é levado a buscar a sua presença, a entrar por suas portas com gratidão.  Celebração verdadeira que me faz aclamar sua glória, também me atrai para o interior de sua casa, da sala sagrada do seu trono.  É o lugar perfeito para se celebrar (é por isso que o Sl 122:1 fala em alegria por ser chamado à Casa do Senhor).
Agora a celebração chega ao seu ponto mais alto:
Pois o Senhor é bom
e o seu amor leal é eterno;
a sua fidelidade permanece
por todas as gerações.
Esta é a Jabulani de verdade.  Nada contra a bola ou a Copa (na medida do possível vou até assistir alguns jogos); mas celebração é com o Salmo 100.  Que ele seja o nosso lema.


terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – O SACERDÓCIO UNIVERSAL DE TODOS OS SALVOS

Desde o início, os batistas partilharam com os vários grupos insatisfeitos com o protestantismo e com os separatistas, os insatisfeitos da Igreja da Inglaterra, a rejeição de um clero.  Isto é o que se chama “a doutrina do sacerdócio universal de todos os salvos”.  Num certo sentido, não temos sacerdotes entre nós.  Isto no sentido de alguém com mais acesso a Deus do que os demais.  Noutro sentido, todos somos sacerdotes porque todos temos acesso a Deus, sem necessidade um mediador humano.
O pastor não é um sacerdote.  Sua oração vale tanto, aos olhos de Deus, como a oração do zelador da igreja, desde que este seja crente.  A oração do crente é ouvida por causa da graça de Deus, da mediação de Jesus e da intercessão que o Espírito faz por nós, junto à Trindade.  A identidade batista é fortemente marcada por esta concepção teológica: o sacerdócio universal de todos os salvos, em conseqüência do livre acesso que todos nós temos à presença divina.
No entanto, esta doutrina tão valiosa está sendo diluída em nosso meio.  Isto sucede por causa do entendimento de que temos um clero e um laicato.  Todos nós somos ministros, pois todos somos servos.  E todos somos leigos, porque todos somos povo (é este o sentido da palavra “leigo”, alguém do povo).  Não temos clero nem laicato, como batistas.  Somos todos ministros e somos, todos, povo.  Mas isto tem sido esquecido, porque, cada vez mais, a igreja mergulha no Antigo Testamento e não no Novo.  Usamos os termos do Novo com a conotação do Antigo.  Muita gente prega o Antigo Testamento sem analisá-lo pelo Novo Testamento.  Assim, o pastor do Novo Testamento passa a ter a conotação do sacerdote do Antigo Testamento.  É o “ungido”, o detentor de relação especial com Deus que os outros não têm.  Só ele pode realizar certos atos litúrgicos, como se fosse o sacerdote do Antigo Testamento.  Por exemplo, batismo e ceia só podem ser celebrados por ele.  Assumimos isto, mas não é uma exigência bíblica.  Convencionamos isto.
No meio carismático isto é mais forte.  Os pastores tornam a igreja dependente deles.  Só eles têm a oração poderosa, a corrente de libertação só pode ser feita por eles e na igreja, só eles quebram as maldições, etc.  O sentido teológico do sacerdote hebreu permeia o sentido teológico do pastor neotestamentário.  Isto convém ao pastor neopentecostal.  Ele se torna um homem acima dos outros, incontestável, líder que deve ser acatado.  Tem uma autoridade espiritual que os outros não têm.  Ele tem uma linha vermelha com Deus.  Ora, se há algo que aprendemos sobre a liderança nos dois Testamentos, é que o Antigo elitiza a liderança e o Novo a democratiza.  Para o neopentecostal, o Novo Testamento, a mensagem da graça e a eclesiologia simples, despida de objetos, palavras e gestual sagrados não são interessantes.  Assim, ele se refugia no Antigo Testamento.  Por isso há igrejas evangélicas com castiçais de sete braços e estrelas de Davi no lugar da cruz.  Outras desfraldam a bandeira de Israel (e omitem a brasileira), guardam festas judaicas, e têm incensários em seus salões de cultos.  Há evangélicos que parecem frustrados por não serem judeus.  A liturgia pomposa do judaísmo é mais atraente e permite mais manobra ao líder que se põe acima dos outros.  E com isso, os membros da igreja são os ajudantes do obreiro.
Em Portugal, um diácono, conversando comigo, queixou-se da mentalidade católica infiltrada nas igrejas batistas.  O pastor era um sacerdote e os diáconos, seus coroinhas.  No meio neopentecostal, parece que o pastor é um executivo espiritual e os membros, os pagadores de contas.  Lutero tentou apagar o conceito católico de que a Igreja era a liderança, o clero.  Para ele, igreja era o povo e não a instituição, representado por seu clero.  Ele não gostava da palavra kirche para igreja, porque enfatizava a instituição.  Preferia gemeinde, que dá a idéia de comunidade.  Ele queria a ênfase no povo.  O povo é a igreja e o povo é sacerdote.  Não há pessoas credenciadas para terem mais acesso a Deus, em detrimento de outras.  Não há sangue azul espiritual nem uma plebe espiritual.  Deus trata seus filhos por igual, por causa da pessoa de Jesus Cristo
Tudo isto pode ser resumido no expediente de um boletim de uma igreja batista dos Estados Unidos.  Lá constava: “Ministros da Igreja: todos os crentes.  Auxiliar dos ministros: o Pastor da Igreja”.  Deus não deu a tarefa de fazer a obra aos pastores, a não ser a tarefa de serem pastores.  A tarefa de fazer a obra foi dada à Igreja como um todo.  E o Espírito foi dado a todos e não apenas aos pastores.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

NO TEMPO E NO LUGAR DE DEUS

 Calem-se diante do Soberano, o Senhor,
pois o dia do Senhor está próximo.
O Senhor preparou um sacrifício;
 consagrou seus convidados.
(Sf 1:7)
Visando a nossa reflexão prática sobre como proceder e se comportar na adoração ao nosso Deus, dois pontos precisam ser observados aqui: tempo e lugar.  Como seres humanos que somos, estamos inseparavelmente submetidos às limitações do espaço e do tempo, por isso devemos considerá-lo quando vamos até a presença de Deus para cultuá-lo.
No livro de Gênesis nós lemos que "abençoou Deus o sétimo dia e o santificou" (2:3).  Este princípio vai ser repetido no quarto mandamento que nos instrui a santificarmos o sétimo dia ao Senhor (Êx 20:8).  Com isso Deus está requerendo para si um tempo determinado – santificado – que não poderá ser contaminado com qualquer outro propósito: o dia do Senhor é questão de prioridade para o servo de Deus.  Os cristãos guardam o domingo em memória da obra salvífica e vitoriosa de Cristo na ressurreição; e este tempo tem que ser sempre observado como um tempo de temor e dedicação, consagração e submissão a Jesus.  Este é o tempo que Deus reservou para si e não podemos ocupá-lo com nada além da adoração.  Pensando ainda nisto, devemos reafirmar o nosso compromisso de estar sempre e pontualmente na presença de Deus para adorá-lo.
Diante do templo Jesus afirmou: "A minha casa será chamada casa de oração" (Mt 21:13).  Com isto Jesus reconhece que Deus tem reservado para si um lugar especial onde haverá sempre de se revelar de maneira especial e onde os seus fieis se dedicarão à prática prioritária da oração.  O lugar do crente se somar na busca do eterno Deus é o santuário – lugar destinado à adoração.  E podemos ir além usando as palavras de Hebreus: "Não deixemos de reunir-nos como igreja" (10:25).  A Bíblia nos instrui a não abandonar, mas nos ligar ao local onde Deus há de falar e ouvir o seu povo em adoração.
No tempo e no lugar de Deus nos unamos em adoração.

(do livro "No Baú da Adoração" publicado em 2004)

terça-feira, 29 de novembro de 2016

UNS AOS OUTROS

Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal. 
Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios.
(Rm 12:10)

A expressão uns aos outros (em grego: ἀλλήλων – 'allelon') é um pronome recíproco plural que, no NT grego, aparece 24 vezes somente nas cartas paulinas.  Para ajudar na compreensão do significado e da força do termo original, veja aí um resumo das instruções apostólicas:

Interdições:
# Julgar – Rm 14:13
# Devorar – Gl 5:15
# Invejar – Gl 5:26
# Mentir – Cl 3:9
Instruções:
# Amar – Rm 12:10 / 1Ts 4:9
# Receber – Rm 15:7
# Servir – Gl 5:13
# Suportar – Ef 4:2 / Ef 5:21 / Cl 3:13
# Perdoar – Ef 4:32 / Cl 3:13
# Consolar – 1Ts 4:18
# Admoestar – Rm 15:14 / Cl 3:16 / 1Ts 5:11
# Saudar com ósculo – Rm 16:16 / 1Co 16:20 / 2Co 13:12

* E só pela curiosidade.  A palavra em português paralelo – igual em espanhol: paralelo; em italiano: parallelo; em francês: parallèle; e até em inglês, holandês e alemão: parallel – todas derivam desta expressão grega: παρά + ἀλλήλων, cuja tradução livre seria: um ao lado do outro.  Ah! Sim! Antes que me esqueça, em grego moderno a expressão é παράλληλο.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

CONHECE-TE A TI MESMO

Ao abordar o tema da Ceia do Senhor, sua doutrina e prática, o apóstolo Paulo incluiu a seguinte instrução: Examine-se cada um a si mesmo (a instrução completa está em 1Co 11:17-34 e especificamente o verso 28).
Ao trazer este tema para o contexto da celebração cristã, Paulo estava dizendo compreender que embora a Ceia seja um momento essencialmente gregário, daí ser comunhão e requerer comunidade, ela, como toda a celebração, adoração e culto público pressupõe que antes deve haver a experiência do quarto fechado (é como se dissesse que o convite do Sl 34:3 só acontecerá depois de cumprido Mt 6:6).  Assim, hoje, quando trago os elementos para a Mesa do Senhor na comunhão da igreja devo primeiramente já ter comungado como Pai que vê em secreto.  E o que isso quer me dizer?
Inicialmente que toda relação com Deus é individualizada em sua origem.  Embora o próprio Jesus tenha pregado às multidões e tenha reunido uma igreja, seu convite ao relacionamento é unitário (nos evangelhos sinóticos temos o desafio da cruz individual – Mt 16:24; Mc 8:34 e Lc 9:23).
Posso acrescentar a ilustração do novo nascimento dita a Nicodemos (em Jo 3:3) como algo extremamente individual; bem como a argumentação profética sobre a responsabilidade pessoal (em Ez 18).
Na Ceia do Senhor sou confrontado individualmente com o crucificado e meu relacionamento com ele é profundamente avaliado.  Como Deus fez com Adão (lembre Gn 3:8-9); minha história, meus compromissos e prioridades, minha fé, tudo o que tenho e sou deve ser pesado diante da cruz para que então, e só então, eu possa comer dignamente da Ceia.
Mas é aqui que detecto o problema: assim como Paulo confessou aos Romanos, embora conheça e deseje fazer o bem, o mal insiste em me rodear (leia Rm 7:18-25).  Na Ceia reconheço-me miserável pecador e por isso mesmo suplicante e carente da graça que vem de Jesus e que me livra do corpo sujeito à morte.
Assim, diante do que percebo após o auto-exame, só me resta uma única alternativa: fazer minha a oração do salmista:
Sonda-me, ó Deus;
e conhece o meu coração;
prova-me, e conhece as minhas inquietações.
Vê se em minha conduta algo te ofende,
e dirige-me pelo caminho eterno.
(Sl 139:23-24)
Comamos e bebamos na Mesa do Senhor com esta oração no coração e uma canção nos lábios, para sua glória.

(Publicado inicialmente em 13 de novembro de 2009 no sítio ibsolnascente.blogspot.com)

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – BATISMO E CEIA COMO ORDENANÇAS E NÃO COMO SACRAMENTOS

Sacramento é o ato religioso que santifica ou confere graça a quem o recebe.  Ordenança é o reconhecimento de quem uma determinada ordem foi atribuída a alguém.  Há uma diferença muito grande entre os dois.  A idéia do batismo e da ceia do Senhor como sacramentos data do quarto século.  E veio um desdobramento: por serem ritos mágicos, eles necessitam de uma classe especial de pessoas.  Por isso, com o sacramento veio logo o surgimento de um clero.  Para a Igreja Católica, os sacramentos são sete: batismo, confirmação, eucaristia, penitência, extrema-unção, ordem e matrimônio.  São elementos que conferem graças.
Os batistas entendem que Jesus deixou duas celebrações que as igrejas devem observar: o batismo e a ceia.  Não transmitem graça, mas são atos de celebração da fé.  O batismo celebra e testemunha nossa conversão a Cristo e proclama a disposição de uma vida com ele.  A ceia celebra a morte vicária de Cristo e anuncia sua volta.  Alguns outros pequenos grupos batistas adotam, ainda o lava-pés.  Mas são poucos.
Já falei um pouco sobre batismo.  Abordamo-lo aqui apenas pelo ângulo de não ser um sacramento.  Falo, então, da ceia.  A postura católica é a da transubstanciação: o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo.  Isso se dá quando do ofertório, na missa, quando o padre oferece os elementos a Deus.  Eles são transformados.  Por isso, não chame o momento de dízimos e ofertas de “ofertório”.  A menos que haja lá algum padre que esteja transformando os elementos no corpo e sangue de Cristo.  Os batistas não têm “ofertório”.  Têm “devolução dos dízimos”.  “Devolução” porque dízimo não se paga nem se dá.  Devolve-se.  Não é nosso, é de Deus e veio à nossa mão por algum momento.
Lutero adotou a consubstanciação: o pão e o vinho não se transformam no corpo e sangue de Cristo, mas Cristo está com a substância.  Zuínglio defendia a presença espiritual de Cristo quando da celebração da ceia.  Os batistas não aceitam nenhuma destas posições.  Entendem ser um memorial.  Baseam-se nas palavras de Jesus: “fazei isto em memória de mim”.  Batismo e ceia não conferem graças, mas testemunham de nossa fé.  Por isso que não chamamos a ceia de “santa ceia”.  Não chamamos o batismo de “santo batismo”.  O valor da cerimônia não está na sua possível santidade, mas no seu sentido.
É preciso reafirmar nossa posição anti-sacramentalista, porque vemos hoje o regresso desta prática, metamorfoseada pelo neopentecostalismo, no meio das igrejas evangélicas.  O cenário evangélico atual apresenta um cenário com elementos mágicos e sagrados presentes.  Há igrejas distribuindo sal do mar Morto para “abrir caminho”, azeite que teria vindo do monte das Oliveiras sendo usado para ungir as pessoas (há alguma usina de beneficiamento de azeitonas lá?) e até crucifixos feitos da cruz de Jesus (pastores evangélicos, sim!).  Generaliza-se a prática de beber água de um copo devidamente benzido pela oração do pastor, tão supersticiosa como a água benta do padre.  Uma pessoa alegou que se sentiu bem depois de beber daquela água.  É a figura sacramental: o sentimentalismo e a sensação ocupam o lugar da Bíblia.  Há um fetichismo em nosso meio: terra santa, areia santa, água santa, sal santo, folha de oliveira santa, etc.  No cristianismo as pessoas são santas, e não as coisas.  No cristianismo não há lugares e objetos santos.
Considerar objetos como sagrados leva a santificá-los.  Aí surgem duas irmãs gêmeas: a idolatria e a superstição.  Por isso reafirmemos: não temos sacramentos e repudiamos a espiritualização de símbolos e de gestos.  O transmissor de graça é o Espírito Santo.  Ele habita em nós, se somos convertidos.  Se alguém não é, pode se afogar nas águas do Jordão, ficar com barriga d’água de tanto beber água ungida pela oração do pastor, que isso não adiantará nada.  A fé deve ser posta em Deus e não em coisas nem em gestos nem em ritos.  Um batista que preze sua identidade não se envolverá com o fetichismo neo-sacramentalismo pentecostal.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

CULTUANDO COM TRAJES SANTOS

Quando convocares as tropas,
o teu povo se apresentará voluntariamente.
Trajando vestes santos, desde o romper da alvorada
os teus jovens virão como o orvalho.
(Sl 110:3)
O Sl 29:2 em nossa versão mais tradicional nos instrui: "Tributai ao Senhor a glória devida ao seu nome; adorai o Senhor vestidos de trajes santos".  Sem entrar nas questões teológicas ligadas a estes trajes santos, gostaríamos de comparar com o que Jesus disse: "Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus" (Mt 5:16).  Assim observamos que em ambos os textos o que pode nos chamar a atenção é o fato de que o tributo de adoração ao Senhor tem que ser revestido de caráter de santidade que aponte para a glória de Deus.  Ou seja: Todo o nosso comportamento – inclusive a roupa que colocamos para vir adorar – deve fazer de nós verdadeiros adoradores e levar as pessoas que conosco estão a se voltarem ao próprio Cristo em glorificação.
Mas devemos também partir para uma visão mais abrangente das colocações feitas pelo Mestre.  O que eu faço – as obras – durante as celebrações devem visar exclusivamente a glória de Deus, assim todo o estrelismo tem que ser descartado; toda carnalidade extirpada; todo mundanismo abolido.  Vale acrescentar que a tecnologia pode ser um aliado interessante na adoração, contudo: nem pode tomar o lugar do adorador, nem pode ser um fim em si mesma, nem deve servir para distrair a atenção de quem busca a Deus.
Em trajes e atitudes santos compareçamos diante de Deus para adorá-lo.

(do livro "No Baú da Adoração" publicado em 2004)

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

A VARA E A DISCIPLINA

Novamente recebido nas redes sociais:

Compartilho a resposta:

Oi querida, a paz.

Li seu questionamento sobre a vara o seu uso na disciplina e me ocupei um pouco pensando nele.  Sei que já se passaram alguns dias, mas creio que ainda podemos refletir sobre ele – a Palavra de Deus é sempre atual e relevante.
E é exatamente deste ponto de partida que quero começar: atual e relevante.
Muito se tem falado e discutido sobre o tema da vara e da disciplina.  Alguns ignoram o texto sagrado, enquanto outros citam a Bíblia de maneira simplista e literal – o que penso não ajudar em nada.  Mas ela – a Bíblia – é necessariamente nossa única regra de fé e prática.  E como Palavra Revelada continua "atual e relevante".
Vamos às considerações:
Você citou os textos de Pv 13:14 (acho que deveria ser o verso 24); 22:15 e 23:13-14.  Eles não são os únicos que tratam do tema, mas vamos trabalhá-los um pouco.
A palavra que costumeiramente traduzimos como vara nestes textos é o hebraico שבט (sebet), que o dicionário traduz como: vara, cajado, bordão, bastão ou ainda cetro.  O objeto em questão pode indicar tanto o cajado que um pastor usa no seu trabalho de pastoreio (e aqui teremos diversas aplicações – voltarei a elas) como o símbolo régio (acho que não é o caso aqui).
Ainda sobre a palavra em si: ela é a mesma que encontramos no Sl 23:4 – a tua vara e teu cajado me consolam.
Volto depois a caminhar com o Salmo 23.
Por ora, vamos considerar o ato de disciplina corretiva necessária, conforme indicado no contexto bíblico. 
A primeira verdade a enfatizar é que, sempre no texto bíblico, Deus e suas atitudes são o nosso padrão.  E o que lemos em Hb 12:6 é que o Senhor corrige quem ama e traz açoite a quem recebe por filho.
Eu sei que o contexto sócio-histórico era outro e por isso não adianta buscar palavras literais na intenção de encontrar uma compreensão adequada para o texto.
Olhando para o texto aos Hebreus, a argumentação é sobre a relação entre filiação humana e paternidade divina.  O exemplo é do próprio Cristo que pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz.  Este é o nosso modelo.  Então a ênfase do texto não está na punição, mas em suportar a correção – já que herdamos a filiação – para que finalmente alcancemos um fruto pacífico de justiça (recomendo a leitura de todo o texto: Hb 12:1-11).
Sei que o tema é complexo e talvez tenha que me alongar mais um pouco, vamos lá:
Tem ainda a citação de Pv 19:18 que traz uma instrução categórica sobre corrigir com castigo o filho, mas nunca a ponto de feri-lo.  À isto acrescente a recomendação paulina de Ef 6:4 de não provocar a ira dos filhos.  Este é um caminho de exegese.
Entendo que já dá para perceber que o contexto geral da Palavra de Deus é sobre corrigir, inclusive com ações físicas, se necessárias, mas que todas estas ações sejam motivadas pelo amor paternal – como é o exemplo divino – e que sempre se mantenham um limite.
Sobre a prática da punição, aproveito uma citação do John Piper, que, se não for conclusiva, pelo menos é bastante elucidativa:

“Bater é uma aplicação controlada de um ato não danoso de dor branda que faz a criança ver a seriedade do que ela fez”. Além do mais, é importantíssimo ressaltar que a base da educação de filhos cristã não está na disciplina corretiva (vara), mas formativa (ensino e diálogo):
“Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR.  Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.” (Dt 6:4-7).

Mas, e a vara em si?  Aqui quero chegar no que jugo ser o principal na compreensão do tema.  E para isso volto ao Salmo 23.
A vara com a qual o meu Pastor Sublime me conduz (acho que tange seria apropriado!) é a demonstração palpável de seu cuidado.  É o pastoreio que me toca, indica o caminho das águas tranquilas, serve de referência enquanto ando pelo vale da sombra da morte e, quando indispensável, ela é usada para me trazer de volta, ainda que para isso tenha que me puxar com força!
Ora se o objetivo primário motivado pelo amor pastoral é trazer a ovelha para o redil, então trazer dor física, moral ou espiritual e deixar sequelas está completamente fora de questão – seria um contra-senso!
Ou seja, a vara é indispensável na formação de nossas crianças, mas que ela seja como a do Pastor Eterno.
Sugiro aqui considerar novamente Hb 12:6 e mais ainda Pv 3:12.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

INTIMIDADE

Intimidade e privacidade são conceitos que a pós-modernidade banalizou a tal ponto que parecem não trazer mais significado ou importância alguma.  Por dinheiro, por exibicionismo ou por pura curiosidade muitos hoje em dia rompem as barreiras do público e do privado fazendo com que ambos os mundos percam seus valores.
Quando olho para este tema porém à luz da Bíblia meus olhos são levados a instrução de Cristo: entra no teu quarto ... (veja o verso todo de Mt 6:6).  É a experiência do quarto fechado, como costumo chamar, que me dá toda a relevância do conceito de intimidade no âmbito de minha vivência cristã.
A princípio e só para enfatizar, Jesus deixa claro que tudo começa lá no quarto fechado.  Só quem passou por ele e que sabe o que é privar da intimidade com o Senhor que saberá quão significativa é a sua fé, sua comunhão com Deus e sua adoração.
Mas, com base no texto, vamos implicar alguns pontos: O que é preciso para a intimidade do quarto fechado?  Qual a sua abrangência?  Quais os resultados?
Jesus começa tratando do assunto com a seguinte indicação: ... feche.  É preciso ter atitude e disposição para ir ao encontro da intimidade com Deus, fechando a porta exterior e se deixando ser levado pela companhia sagrada.
Na história bíblica muitos assim fizeram.  Abraão ofereceu seu filho; Moisés subiu ao monte; Elias caminhou quarenta dias; Paulo esteve no deserto por três anos; além do próprio Cristo que por várias vezes trocou o sono da noite por horas na intimidade com o Pai.
O texto também chama a atenção que é no quarto fechado que o nosso Pai nos vê em secreto.  É lá onde todas as máscaras são tiradas e ficamos completamente expostos diante do amado.  Não há segredos na intimidade com Deus e ainda assim somos aceitos e queridos nesta presença.
Davi no Salmo 139 descreve tal desnudamento na presença divina como só quem já desfrutou de tal intimidade pode falar: Senhor, tu me sondas e me conheces.
E Jesus conclui: seu Pai o recompensará.  O resultado da intimidade com o Pai no quarto fechado é a certeza de que estamos bem onde o Senhor nos quer, e isto é satisfação garantida; é alegria eterna; é sentido na vida; é o Pai nos cobrindo com sua recompensa.
Quando desfruto de tão bendita intimidade, então – e só então – sei que meu trabalho não é vão no Senhor e que minha adoração sobe em cheiro suave ao trono da graça.
Que o Senhor nos leve a esta intimidade, pois lá é nosso lugar.

(Em 25/09/2009 este texto veio a tona pela primeira vez no sítio: ibsolnascente.blogspot.com)

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – A SEGURANÇA ETERNA DOS SALVOS

Esta é outra herança teológica preciosa dos batistas.  A Declaração Doutrinária afirma: “O preço da redenção eterna do crente foi pago de uma vez por Jesus Cristo, pelo derramamento do seu sangue na cruz”.  Chamo a sua atenção para as expressões “redenção eterna”, “pago de uma vez” e “pelo derramamento de seu sangue na cruz”.  A salvação é eterna.  Não é temporária nem parcial.  O assunto foi resolvido de uma vez por todas na cruz.  Cristo não deu uma entrada e deixou as prestações para pagarmos.  Pagou tudo, de uma vez.  Seu sacrifício foi suficiente, único, irrepetível e perfeito.  E o preço pago por ele foi seu próprio sangue.  No processo da salvação, não somos o agente, mas Jesus Cristo o é.  E sua obra é perfeita.  A salvação não depende de nós, mas dele.  Ele não rejeita o pecador que vem a ele, nem se arrepende de nos ter salvado.
“Mas conheci muita gente que esteve na igreja e hoje está excluída!”, dirá alguém.  A antiga Confissão de Fé, substituída pela Declaração Doutrinária, trazia o item XI, “Da Perseverança dos Santos”.  Nele se diz: “Cremos que só são crentes verdadeiros aqueles que perseveram até o fim; que a sua ligação perseverante com Cristo é o grande sinal que os distingue dos que professam superficialmente”.  Um verdadeiro salvo persevera na fé: “Saíram dentre nós, mas não eram dos nossos; porque, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; mas todos eles saíram para que se manifestasse que não são dos nossos” (1Jo 2.19).
A salvação é obra exclusiva de Jesus Cristo.  Nós não a produzimos.  Nós a aceitamos.  A salvação está relacionada com o caráter do nosso Salvador.  Ela não depende de nossos esforços.  Quando se pensa na possibilidade da perda da salvação, assume-se que há esforços humanos que podem derrubar o que Cristo fez.  E coloca-se a salvação como algo que podemos ter ou deixar de ter com base no que fizemos ou deixamos de fazer.  Ela deixa de ser obra da graça.  Esta concepção batista torna a igreja uma instituição que, espiritualmente, está segura para sempre, pela sua fé em Cristo.  Ela não é clube onde a pessoa entra e sai.  Ela é face visível do reino invisível, a ponta do iceberg.  Envolver-se com a igreja local, sendo-se regenerado, é estar na Igreja Militante, a Universal.
Há coerência batista quando se analisa esta doutrina junto com a do batismo apenas para regenerados.  Não há como alguém realmente batizado vir a se desviar.  Se a pessoa foi regenerada pelo poder do Espírito Santo e foi batizada, então está segura.  Isto nos recorda que o batismo não é para simpatizantes do evangelho, mas para regenerados pelo evangelho.  Temos batizado muitos simpatizantes do evangelho, que, um dia, não sendo convertidos, irão embora.  Quando o batizado é um regenerado, permanecerá na fé.  Se a pessoa morreu para vida anterior, como voltará a viver nela? E é também, para nós, a garantia de que a verdadeira igreja estará preservada, pois será sempre de regenerados.  Ao mesmo tempo, é uma advertência para quem se chega a uma igreja batista: está assumindo um compromisso para sempre.  Ser membro de uma igreja batista é um sinal, uma declaração, de conversão a Jesus Cristo e a expressão do desejo de se unir ao seu povo.  Ao mesmo tempo é uma declaração de que se está assumindo um compromisso com Cristo e o seu evangelho para sempre.  A identidade de um batista é forte, aqui: ele é um salvo para sempre e por completo.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Amor em grego

Quando estudamos o tema do amor, geralmente no deparamos com a multiplicidade de palavras em língua grega para expressar as suas variadas formas.  Aqui apresento uma lista delas:

Aproveitando o tema do amor; a sua relação com o coração (do latim cor, cordis) remota aos primórdios da civilização humana, povos como os egípcios, os chineses e os gregos já faziam esta relação. 
Quanto à sua representação gráfica – – não se tem uma definição de consenso.  Entre os estudiosos existem três hipóteses:  a) que representaria a folha de hera, que na antiguidade simbolizava poder e imortalidade; b) que seria o desenho da semente do Silphium radula, tida como afrodisíaca – esta bem mais aceita pelos estudantes do assunto e c) que indicava o beijo dos cisnes, animais símbolos do romantismo.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – O BATISMO CONSCIENTE DE CRENTES

Prefiro este termo à batismo de adultos, porque batizamos crianças e adolescentes.  Não batizamos bebês.  A idéia de que o batismo tinha poder salvador se arraigou lentamente na igreja.  Pelo quarto século, o sacramentalismo impôs a ceia e o batismo como sacramentos que deviam ser ministrados para trazerem graça espiritual.  O batismo passou a ser algo praticado para se alcançar a salvação.  Mas desde o segundo século que a prática de batizar crianças se institucionalizara na igreja.  Segundo O Didaquê, obra ainda do primeiro século, a igreja primitiva usava a imersão e a afusão como métodos de batismo.  Parece que as crianças (não no Novo Testamento, pois não temos notícia de batismo infantil neste período) eram submetidas à afusão e, mais tarde, à aspersão.
A idéia do batismo como sacramento deve nos alertar.  Com muita facilidade as pessoas transferem para objetos, gestos e ritos, alguns poderes especiais (no seu entendimento).  Muitas vezes sacramentamos formas e ritos.  Já ouvi gente dizer que o Cantor Cristão é inspirado e que nunca deveríamos ter um novo hinário, que não é inspirado.  Inspirado, para nós, é só a Bíblia.  Nenhum material pode ser visto como sagrado.  Isto traz problemas, pelos desdobramentos posteriores.  O Cantor Cristão é bom, e mais seguro que uma multidão de corinhos aguados, bobinhos, e sem conteúdo que nos empurram em nossos cultos, mas não é inspirado.
Os separatistas se esforçaram para haver uma igreja composta apenas de crentes regenerados.  Só se pode ser membro da igreja pelo batismo e este só pode ser aplicado a pessoas conscientes do que fazem.  Ninguém pode impor o batismo a outro.  E a única motivação é a conversão a Jesus.  Batizei uma pessoa que fora batizada na Universal.  Antes de fazê-lo, quando questionei o porquê de seu batismo, a resposta veio mais ou menos nestes termos: “Eu recebi uma bênção lá na igreja.  Aí me disseram que se eu quisesse continuar sendo abençoada eu deveria ser da igreja e para isso teria que me batizar.  Então fui batizada para continuar sendo abençoada”.  Não é esta a motivação para o batismo.  A motivação é a fé em Jesus.  Os textos bíblicos são claros: “quem crer e for batizado” (Mc 16.16) e “Que impede que eu seja batizado? É lícito se crês…” (At 8.36-37).
A adoção do cristianismo pelo poder civil levou muita gente a se batizar, mas sem nenhuma convicção religiosa.  A igreja recebeu membros incrédulos, não regenerados, mas submetidos a um ritual chamado batismo.  Este é um problema quando as linhas entre o poder civil e a igreja são tênues ou são apagadas.  A igreja deixa de ser igreja.
A concepção mágica do batismo também produziu muitos membros da igreja incrédulos.  Há informes da crise teológica de jesuítas que vieram para o Brasil.  Acreditavam que batizando o índio, este se converteria, pois o batismo tinha um poder sacramental, mágico-mítico.  Mas batizava-se o índio e este continuava antropófago e idólatra.  O batismo não regenera.  Deve testemunhar a regeneração.  O batismo consciente de adultos faz com que a igreja se componha de convertidos.  Se hoje, batizando apenas adultos, temos uma quantidade enorme de gente encostada em nosso meio, imagine-se batizando-se bebês recém-nascidos e considerando-os membros da igreja!
Esta insistência no batismo somente de crentes fez com que o rótulo de “anabatistas” fosse aplicado a muita gente que nada em comum tinha com os anabatistas.  E algumas pessoas o aplicam aos primeiros batistas.  Mas este era um termo genérico, como é hoje o termo “evangélico” que para nossa “bem informada” mídia engloba todo mundo que não seja católico.  Mas os anabatistas remontam a 1490, sendo Conrado Grebel, um ex-cooperador de Zuínglio, seu fundador.  Discordou de Zuínglio por não aceitar o batismo infantil.  Com os anabatistas, os batistas tinham em comum o batismo apenas de regenerados, uma Igreja composta apenas de regenerados, a supremacia das Escrituras e a liberdade civil e religiosa.  Mas discordavam deles no seu pacifismo radical, sua omissão como cidadãos (alguns anabatistas viam o Estado como demoníaco) e sua proibição de juramentos, inclusive em tribunais, além de pontos de vista teológicos sobre encarnação e hipnose da alma e a necessidade da sucessão apostólica para o batismo.  Mas voltemos à visão sobre o batismo consciente de crentes.
Neste aspecto do batismo, os batistas devem aos menonitas.  De 1609 até 1638, os batistas praticavam apenas a afusão.  No contato com os menonitas aprenderam o batismo por imersão.  Em 1638, a Igreja de Spilsbury declarou que só aceitaria o batismo por imersão.  Em 1644, sete igrejas batistas assumiram uma declaração doutrinária, chamada de “Confissão de Londres”, em que a forma de batismo era por imersão, aceitando a declaração da Igreja de Spilsbury.  Desde então, esta vem sendo a prática dominante em nosso meio.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.