sexta-feira, 3 de março de 2023

BATISTAS, CALVINISTAS e a DOUTRINA DE DEUS

Você fez duas questões distintas:

1. Qual minha visão?

2. Os Batistas são Calvinistas?

 

De antemão deixe-me dizer logo que essas questões não são simples, do tipo que um sim ou não responde.

Há algumas complexidades que precisam ser entendidas.  Mas vou tentar lhe apresentar uma resposta resumida.

 

Sei que esse tema do Calvinismo está na moda em alguns círculos eclesiásticos – com defensores e detratores (e alguns chatos e radicais).

 

Então, para responder a sua questão, entendo que é importante situar os dados.

 

João Calvino foi um pensador, jurista e teólogo francês do século XVI.  Como líder político e escritor ele influenciou tanto a religião quanto a vida social e econômica a partir de Genebra/Suíça – onde foi alcaide.

 

Detalhe 1.  Do ponto de vista socioeconômico, Calvino criou o Consistório de Genebra (espécie de Tribunal de Inquisição) que se ocupava até dos detalhes das vidas dos cidadãos – desde o corte de cabelo até com o que se gastavam as finanças pessoais e públicas.

Detalhe 2.  O próprio Calvino nunca exerceu o exercício pastoral e também não se sentia à vontade com a expressão: Calvinismo / Calvinista.

 

Quanto às teses teológicas de Calvino, sua principal obra foi: "Instituição da Religião Cristã", em latim Christianae Religionis Institutio, ou simplesmente As Institutas (cuja edição em latim, revisada pelo próprio autor, se deu no ano de 1559).

Nessa obra, Calvino se propôs a fazer um "resumo quase completo da piedade, abrangendo tudo que, quanto à doutrina da salvação, é necessário conhecer" (citação da apresentação da própria obra).

 

No século XX, seus seguidores criaram o acróstico TULIP (em inglês) para tentar resumir os cinco princípios da doutrina Calvinista:

1. Depravação total

2. Eleição incondicional

3. Expiação limitada

4. Graça irresistível

5. Perseverança dos santos

Cada um desses pontos mereceria um estudo aprofundado com prós e contras mediante análise histórica e teológica cristã (mas como aqui só é resumo, vou seguir).

 

Os Batistas não são oriundos dos reformadores do século XVI, mas, como grupo cristão distinto, surgem na Inglaterra e Holanda no século seguinte.  Logo, na sua origem, não têm vínculo necessário com a obra de Lutero, Calvino, Melancton nem Armínio.

Por característica própria – desde a sua origem – os Batistas nunca adotaram um sistema de Credo fechado com regras e posturas doutrinárias monolíticas.

Pelo contrário.  Os Batistas se somaram à herança comum bíblica e do Credo Apostólico e se sentiram familiarizados com as Solas postuladas pelo movimento da Reforma Protestante.  Contudo se firmaram e distinguiram por adoção de princípios gerais que os norteiam.  A saber:

1. A suficiência das Escrituras

2. A liberdade de opinião

3. O batismo consciente de crentes

4. A segurança eterna dos salvos

5. Batismo e ceia como ordenanças e não como sacramentos

6. O sacerdócio universal de todos os salvos

7. A autonomia da igreja local

8. A separação entre igreja e estado

 

Detalhes 1.  A Confissão de Fé de Londres de 1689 é uma boa descrição do que criam os Batistas desde sua origem

Detalhe 2.  Eu me refiro aqui aos Batistas sempre no plural (nunca a Igreja Batista) pois entendo que assim expressa melhor o entendimento do que são: plural

 

Depois de toda citação, e antes que fique cansativo, vou tentar responder suas questões.

 

1. Qual minha visão?

2. Os Batistas são Calvinistas?

 

Começando pela última.  Historicamente vários líderes Batistas se identificaram com os postulados Calvinistas e reformados; mas essa postura nunca foi consenso, tanto é que vários outros adotaram linhas de interpretação teológicas distintas.

 

Assim deve ser (e aqui já vou me incluir).  Pelos nossos princípios Batistas – aquilo que nos faz ser o que somos – cremos e afirmamos que somente a Bíblia é inquestionável e tem a Palavra final.  Logo, todas as interpretações são passíveis de questionamentos.

Nunca houve um pensamento unívoco entre os Batistas.  Sendo assim, há Batistas calvinistas, há Batistas arminianos, há Batistas liberais, há Batistas conversadores, há Batistas no domingo, há Batistas no sábado, há Batistas milenaristas, há Batistas amilenistas ... e por aí vai ...

O importante é que mantemos nossa capacidade de divergir e continuar amando e cooperando.

 

E vem a questão da predestinação.  Particularmente entendo que melhor que Calvino, quem expressou de forma teológica e conceitual, de maneira mais clara, a questão do tempo e da presciência de Deus foi Agostinho de Hipona (quase mil anos antes do reformador europeu), principalmente na segunda parte de suas Confissões e em Cidade de Deus.

O teólogo africano afirmou:

"Na eternidade nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente."

"Em Deus não há, como em nós, a previsão do futuro, a visão do presente e a recordação do passado. É totalmente diferente a sua maneira de conhecer, ultrapassando, muito acima e de muito longe, os nossos hábitos mentais."

A tese de Agostinho é que Deus, sendo eterno em essência, está fora e é sobre o tempo.  Ao contrário do ser humano que é finito e está submetido de forma inexorável ao tempo.

Então, tentar encaixar Deus em postuladas temporais humanos é, de certo modo, esvaziá-lo de sua própria divindade.

 

2 comentários:

  1. Exposição simples porém profundamente piedosa e pertinente. Obrigado

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    1. A glória e o reconhecimento seja unicamente ao que é Digno.

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