sexta-feira, 29 de maio de 2020

CURRÍCULO APOSTÓLICO


Durante boa parte de sua vida e ministério, o apóstolo Paulo sentiu a necessidade de defender o seu apostolado.  É sabido que ele não conviveu com o Jesus histórico e muitos cristãos da primeira geração questionavam seu papel entre os líderes da igreja.

De sua parte, Paulo sabia que tinha recebido o chamado, pois o próprio Cristo lhe tinha aparecido depois de ressurreto e o chamado para a missão.  Nisso baseava sua autoridade apostólica.  E escrevendo aos cristãos da Galácia ele declarou: quis Deus me mostrar seu Filho para que eu o pregasse aos gentios (confira Gl 1:15-16).

Acontece que repetidas vezes esse assunto voltava e Paulo novamente precisava defender sua autoridade.  Até que chegou num ponto em que sua paciência estava se esgotando.  Então, finalizando sua carta aos Gálatas, ele diz: ora, ninguém me amole mais com essa conversa, pois eu trago no próprio corpo as marcas do Senhor Jesus (Gl 6:17).

E aqui eu entendo onde está o principal argumento que sustenta o apostolado e autoridade de Paulo - o seu currículo (entendo também que as palavras de Jesus registradas em Mt 7:20 se aplicam bem aqui).

Ou seja, estou querendo dizer que para compreender e acatar Paulo como apóstolo e autoridade diante da igreja de Cristo, eu preciso conferir seu currículo.

Já citei ali em cima o texto aos Gálatas - ele é bom - mas folheando outros textos paulinos eu encontro uma descrição mais completa desse currículo.  E será lá que eu quero checar seu histórico de vida.  Está no capítulo 11 da segunda carta aos Coríntios.

Devemos observar como o próprio Paulo se descreve e embasa sua autoridade.  Ele começa pontuando sua herança como hebreu e descendente a Abraão, bem como sua nova condição de servo de Cristo (mas ele mesmo reconhece que o argumento é fraco pois é apenas uma boba comparação - já que outros também o são).

Então o apóstolo passa a listar alguns episódios de sua carreia cristã.  E esse é daqueles textos cuja exegese, por mais ou menos técnica que seja, impõe-se de forma tão crua e direta que não há como fugir de suas palavras.

Dessa maneira, vou então passar simplesmente a palavra a Paulo para que ele apresente seu Currículo Apostólico (2Co 11:22-31 - aqui na versão da NVI):

 

# Fui encarcerado mais vezes

# Fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes

# Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites

# Três vezes fui golpeado com varas

# Uma vez apedrejado

# Três vezes sofri naufrágio

# Passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar

# Estive continuamente viajando de uma parte a outra

# Enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos

# Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir

# Passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum

# Suportei frio e nudez

# Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas.

 

Segue-se assinatura, carimbo e reconhecimento de firma atestando suas palavras:  o Deus e Pai do Senhor Jesus, que é bendito para sempre, sabe que não estou mentindo.

 

Aqui então eu reconheço o Currículo de um verdadeiro apóstolo de Cristo (1Co 1:1).  Aqui está o segredo daquele que aprendeu a viver em qualquer circunstância (Fl 4:12).

Com um currículo assim eu entendo sua declaração de tudo poder naquele que o fortalece e ser absurdamente mais que vencedor (Fl 4:13 / Rm 8:37).

E diante disso tudo eu posso concluir sentindo o peso das palavras recebidas pelo apóstolo Paulo: apenas minha graça lhe é suficiente para que apenas o poder de Cristo esteja sobre mim (2Co 12:9).

 

quinta-feira, 28 de maio de 2020

PROVIDING PROMISES

It is an essential certainty of the Christian faith as we believe and preach that we have been given access to the eternal portals solely by the work of the grace of Christ Jesus ( sola gratia ).

But this conviction should not make us inert.  The Bible always emphasizes that the fact that I am saved only by grace cannot generate an attitude of conformity or spiritual laziness in me.

One of the texts that addresses this relationship between gracious salvation and the need to work from it, I find in the Second Letter of Peter (the quote is 2Pe 1: 5-7).

There the apostle affirms that, because we are sure that great and precious promises have already been given to us, I must continue to strive to add qualities to these promises.

The original verb that appears in the text I translate it as provision .  It only appears here in the Greek NT and literally refers to achievement with personal involvement in something.

And then comes the list of what I need to provision for the promises I have already received:

 

Faith (πίστις) - the first attribute to supply the promises is faith, because without faith it is impossible to please God (Heb 11: 6).

Virtue (ἀρετή) - or moral excellence.  Paul instructs that moral virtue must occupy the center of our mind and thought (Phil 4: 8).

Knowledge (γνῶσις) - Paul also says of the need to go in search of the treasures of knowledge hidden in Christ (Col 2: 2-3).

Temperance (ἐγκράτεια) - or self-control, or the dominance of the self.  This is one of the characteristics of the fruit of the Spirit (Gal 5:23).

Perseverance (ὑπομονή) - it is essential to maintain resistance and firm patience while waiting for the manifestation of the glory of God (Rom. 8:25).

Reverence (εὐσέβεια) - the pastoral recommendation is to continue exercising us in devotion and reverence (1 Tim. 4: 7).

Fraternity (φιλαδελφία) - the order and instruction is direct: fraternal love remains among you (Heb 13: 1).

Love (ἀγάπη) - and finally, that there is provision of love, the perfect bond (Col 3:14), because God is love itself (1 John 4: 8).

 

And so, because we have already received through grace everything we need for life and reverence and we have already duly provisioned it, we render him the glory now and forever.

 

terça-feira, 26 de maio de 2020

APROVISIONANDO ÀS PROMESSAS


É certeza essencial da fé cristã como cremos e pregamos que nos foi dado acesso aos portais eternos exclusivamente pela obra da graça de Cristo Jesus (sola gratia).
Mas essa convicção não deve nos tornar inertes.  A Bíblia sempre enfatiza que o fato de eu ser salvo somente pela graça não pode gerar em mim uma atitude de comodismo ou preguiça espiritual.
Um dos textos que abordam essa relação entre a salvação graciosa e a necessidade de trabalhar a partir dela eu encontro na Segunda Carta de Pedro (a citação é 2Pe 1:5-7).
Ali o apóstolo afirma que, pelo fato termos a certeza de que já nos foram outorgadas grandiosas e preciosas promessas, eu preciso continuar me empenhando em acrescentar qualidades a essas promessas.
O verbo original que aparece no texto eu o traduzo como aprovisionar.  Ele só aparece aqui no NT grego e literalmente se refere à realização com envolvimento pessoal em algo.
E depois vem a lista daquilo que preciso aprovisionar às promessas que já recebi:

(πίστις) - o primeiro atributo para se aprovisionar às promessas é a fé, pois sem fé é impossível agradar a Deus (Hb 11:6).
Virtude (ἀρετή) - ou excelência moral.  Paulo instrui que a virtude moral deve ocupar o centro de nossa mente e pensamento (Fl 4:8).
Conhecimento (γνῶσις) - Paulo também diz da necessidade de ir em busca dos tesouros do conhecimento escondidos em Cristo (Cl 2:2-3).
Temperança (ἐγκράτεια) - ou domínio próprio, ou autocontrole.  Essa é uma das características do fruto do Espírito (Gl 5:23).
Perseverança (ὑπομονή) - é indispensável manter uma resistência e firme paciência enquanto esperamos a manifestação da glória de Deus (Rm 8:25).
Piedade (εὐσέβεια) - a recomendação pastoral é para continuar nos exercitando na devoção e piedade (1Tm 4:7).
Fraternidade (φιλαδελφία) - a ordem e instrução é direta: permaneça entre vocês o amor fraternal (Hb 13:1).
Amor (ἀγάπη) - e finalmente, que haja provisão de amor, o vínculo perfeito (Cl 3:14), pois Deus é o próprio amor (1Jo 4:8).

E assim, por já termos recebido através da graça tudo o que precisamos para a vida e a piedade e também já devidamente aprovisionados rendamos a ele a glória agora é para sempre.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

ATÉ METADE DO MEU REINO


Dois reis citados na Bíblia se prontificaram a entregar até metade do reino a mulheres que lhe impressionaram: Xerxes e Herodes.  Mas as circunstâncias e as consequências foram bastante diversas.
No AT, Ester era uma judia no palácio persa de Xerxes.  Ela e seu povo estavam ameaçados de morte pela perversidade de Hamã e então foi desafiada por seu primo Mardoqueu a aproveitar-se de sua situação privilegiada para providenciar uma solução.
Mas não era tão simples assim.  Restava, como possível solução, a rainha quebrar o protocolo e interceder pela chance de viver.  E ela partiu para ação.
A estratégia da rainha incluía ter acesso à sala real e convidar o rei para um banquete especial.  E a um segundo banquete no dia seguinte.
O rei Xerxes ficou tão impressionado com a rainha Ester e com os banquetes que ela lhe preparou que se dirigiu a ela: que há, rainha Ester? Qual é o seu pedido? Mesmo que seja a metade do reino, será dado a você (Et 5:3).
No NT, Herodias havia traído seu marido e se juntado ao seu cunhado, o rei Herodes.  João, o Batista denunciou essa situação de pecado e por isso aquela mulher o odiava.
Num banquete que o rei ofereceu para seus líderes por ocasião de seu aniversário, a filha de Herodias entrou e se insinuou ao rei com uma dança provocativa.
O rei Herodes ficou tão impressionado com a sensualidade da jovem que lhe prometeu: peça-me qualquer coisa que você quiser, e eu lhe darei. Seja o que for que me pedir, eu darei, até a metade do meu reino (Mc 6:22-23).
É então que a mãe da dançarina a instigou a um pedido macabro.

Alguns pontos estão visivelmente em paralelo.  Duas situações limítrofes entre vida e morte estavam para ser decididas.  Duas mulheres usaram de sua feminilidade para conseguir vantagens sobre uma autoridade real.  Dois reis, impressionados, empenharam sua palavra perante testemunhas a oferecer o que lhe fosse pedido: até metade do reino.
Mas as semelhanças param por aí.
Ester, alicerçada pela disciplina piedosa do jejum, pediu para que seu povo fosse poupado e pode celebrar a vida na festa de Purim.
A filha de Herodias, movida pelo pecado e ódio de sua mãe, pediu a cabeça do profeta e recebeu a morte em uma bandeja.

E eu então devo aplicar essas narrativas para nossas vidas e histórias.
Situações de vida e morte nos desafiam todos os dias (considere o Sl 44:22 citado em Rm 8:36).
É preciso usar com propriedade e sabedoria os recursos disponíveis e com os quais Deus nos dotou (posso ver Deus indicando a fórmula a Moisés em Ex 4:2).
Também aproveitar cada oportunidade que nos ocorre para transformar ocasiões de morte em situação que gerem vida (atente para as instruções em Ef 5:15-16 e em Cl 4:5-6).

E por fim, o Rei dos reis nos dará não apenas metade, mas todo o seu reino eterno (promessa registrada em Lc 12:32). 
Para a glória dele.

terça-feira, 19 de maio de 2020

IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS


Considerando os versos de Gn 1:27 e 2:7 onde o texto sagrado narra a criação do ser humano, quero destacar três expressões que se encontram aqui, para no fim comentar.
Antes, veja como a NVI traduz para o português esses versos:

Então disse Deus: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão".

Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.

1. Pó da terra (hebraico - האדמה עפר) - uma boa opção de tradução seria poeira do chão.  Pv 8:26 cita o pó como obra da criação de Deus com o qual formou o mundo e Ec 12:7 lembra que nosso destino físico é voltar ao pó de onde viemos.
2. Fôlego da vida (hebraico - חיים נשמת) - ou respiração e sopro de vida.  O Sl 150:6 instrui a todo ser que tem vida / fôlego / respira louve ao Senhor.  Interessante também observar que na narração do dilúvio, em Gn 7:22, o texto usa essa palavra para se referir a todo ser vivo que pereceu nas águas.
3. Alma vivente (hebraico - חיה לנפש - aqui acrescido de preposição) - a opção da NVI é boa: ser vivente.  Essa mesma palavra pode ser lida no verso 19 adiante quando Deus atribui ao homem (אדם) a função de dar nomes a todos os seres vivos (חיה נפש).  Também no relato do dilúvio em Gn 9:10-16 o texto narra que Deus fez uma aliança com todos os seres vivos (mesma expressão hebraica).

Permita-me então comentar.  É claro que é possível se aprofundar na análise desses termos, mas nessa leitura inicial já dá para perceber que as três expressões são usadas na Bíblia hebraica indistintamente para os seres humanos e para o animais brutos.  Ou seja: , fôlego e alma pertencem tanto a uns como aos outros.
Um parêntese. Só mais uma palavra para ir além no estudo.  O termo hebraico רוח (que traduzimos como Espírito - no grego πνεῦμα) aparece aqui nos capítulos 1 e 2 apenas citado no verso 1:2 como o Espírito de Deus.  Fechando o parêntese.
Então quero destacar duas verdades bíblicas que posso extrair aqui.  Primeiro que claramente no ato da criação em nada somos diferentes dos brutos pois com eles compartilhamos os mesmos elementos.  Mas aqui começamos a perceber um embrião da doutrina da graça que será tão importante para nós cristãos: não há nada no ser humano que mereça termos em nós impresso a imagem de Deus, mas ele, por sua livre e bondosa graça decidiu nos fazer assim.
E isso nos leva a segunda verdade.  Se somos a imagem refletida de Deus e a verdade bíblica é que Deus é uno, então nós também devemos ser assim, indivisíveis.  Só somos imagem quando somos , fôlego e alma - e um nunca existe sem o outro.
Quando fomos criados, fomos feitos , fôlego e alma.  Quando pecamos, decaímos no , fôlego e alma.  Quando somos restaurados em Cristo, somos refeitos , fôlego e alma.
É por isso que nossa confissão de fé insiste: creio na ressurreição do corpo.
Nesse ponto, já que citei a imagem de Deus, é bom lembrar a declaração de fé em Dt 6:4 - אחד יהוה אלהינו יהוה.  Por refletirmos a imagem de um Deus único, não deve haver particionamento em nosso ser.
Que eu possa louvá-lo também por inteiro.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

PROVADO PELO FOGO


Um dos fios que alinhavam a carta de Pedro é a questão: Se Deus é bom e fiel e somos seus filhos amados, por que sofremos?
Para solucionar a essa questão, o texto propõe algumas respostas.  A primeira delas está logo no verso sete do primeiro capítulo:

... a fim de que a genuína comprovação de sua fé [seja] mais honrada e valiosa que o ouro perecível, depois de refinado pelo fogo, [e assim] apareça para o louvor, honra e glória na revelação de Jesus Cristo.

Esse primeiro argumento apostólico diz que o nosso sofrimento se assemelha ao ouro em seu processo de refino.  A comparação é interessante.  Partindo dela, vamos explorar um pouco sua compreensão.
Segundo a ciência, todo ouro existente foi produzido a partir da colisão de estrelas de nêutrons, que, por definição, têm pressão e temperatura cerca de 10 a 20 maior que o nosso sol.
Em nosso planeta, o ouro pode ser encontrado em vários lugares, mas em geral está ligado a outros minerais.  Após a sua mineração, é necessário haver um procedimento de refino para o separar das impurezas.  Mas o refino tem um preço.  O ouro precisa ser aquecido a mais de 1000 °C para que o ouro seja extraído das pepitas encontradas nas jazidas e minas.
A título de comparação, para curiosidade, um forno comum, desses que temos em nossas cozinhas, chega a apenas 250 °C e o óleo na frigideira ferve a não mais que 400 °C.
Após ser submetido a essa provação, o nobre metal pode expor sua beleza singular, sua química única e sua serventia na confecção de joias.
Voltemos ao texto bíblico e suas lições.
As nossas provações e sofrimentos, dores e chagas, angústias e aperreios não significam que o nosso Deus de amor nos abandonou ou esqueceu.  Isso nunca acontece e Pedro tem convicção disso.
Também não significam que Deus está nos punindo ou se vingando por nossas birras.  E nem os infortúnios se impõem como uma cobrança ou pagamento por pecados ou blasfêmias.  Uma atitude assim não condiz com o caráter divino.
Pelo contrário, nosso Deus, como um pai cheio de amor e graça, usa cada uma dessas terríveis circunstâncias para, a partir deles, extrair o que há de melhor em nós.  Será nas provações que o Senhor fará comprovar e aparecer a nossa alma dourada.
Assim Deus, como um ourives bondoso e fiel, nos forja e purifica na fornalha da vida para por fim nos recolher no cadinho de seu louvor, glória e honra.

(Na imagem lá em cima: Cristais de ouro.  Fonte: wikipedia.org)

terça-feira, 12 de maio de 2020

A ROUPA NO NOVO HOMEM


Lá pela altura do capítulo três de sua Cartas à Igreja de Colossos, o apóstolo Paulo usa de uma metáfora para descrever a nova vida do cristão:

... vocês que se despiram do jeito de ser da velha humanidade, agora se revistam da nova que está sendo refeita do jeito do Criador (Cl 3:9-10).

A figura é interessante.  Para se parecer com seu Criador, o novo homem tem que tirar uma velha roupa - uma velha maneira de ser, de viver e comportar - e vestir uma roupa nova - um jeito novo de viver e ser.
Mas como seria essa nova roupa?
Veja como o próprio Paulo a descreve no verso 12:

+ Profunda compaixão (σπλάγχνα οἰκτιρμοῦ) - eu traduziria como "uma compaixão visceral" ou uma atitude que provém das entranhas.  Lucas usa a mesma expressão para se referir ao padrão divino de misericórdia (em Lc 6:36).
+ Bondade (χρηστότητα) - uma boa opção de tradução seria "misericórdia", no sentido de se mostrar prestativo e útil a alguém.  Escrevendo a Tito, o apóstolo  fala dos atos de justiça e misericórdia praticados por Deus a despeito de nossa insensatez (Tt 3:3-6).
+ Humildade (ταπεινοφροσύνην) - a raiz da palavra descreve alguém que se sujeita a fazer qualquer tipo de serviço subalterno - ou inferior -, daí "submissão".  Um bom entendimento deste termo está na expressão: cada um considere o outro superior a si mesmo (escrita por Paulo em Fl 2:3) e que toma como modelo a humilhação de Cristo (no Hino Cristológico descrito logo a seguir a partir do verso cinco).
+ Mansidão (πραΰτητα) - eu diria "gentileza" ou "cortesia" se referindo à qualidade daquele que sabe tratar com polidez e educação a todos, e faz isso de maneira natural e simples.  Essa palavra está na lista do fruto do Espírito em (Gl 5:22-23).
+ Paciência (μακροθυμίαν) - ou, "calmo", no sentido de, literalmente, esticar ou distender suas inclinações e paixões de raiva até além do limite.  Paulo descreve com essa palavra a atitude de Deus em suportar os vasos de sua ira (em Rm 9:22).

Segundo o texto bíblico, esse deve ser o figurino que deve trajar o verdadeiro cristão.  Que nos vista assim o Senhor.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

A EXATA EXPRESSÃO DA GLÓRIA


O texto aos Hebreus em nosso Novo Testamento é um texto fascinante.  Ele consegue mesclar de maneira magistral a rica herança teológica e espiritual judaica com um vocabulário e modo de argumentação helênicos também exuberante.
A quantidade de palavras que o autor usa e que não são encontradas em outra parte do NT é impressionante.  O livro começa, em grego, com dois advérbios que só aparecem aqui.  Na minha tradução seria:

Veja todo o verso primeiro:

De maneira salpicada e repetida
Antigamente Deus tinha falado aos ancestrais pelos profetas.

O verso dois:

Mas nestes últimos dias falou a nós pelo filho
A quem colocou [como] herdeiro de tudo,
Através de quem fez todas as eras.

O verso três:

O qual sendo o reflexo da glória e o caráter da substância dele,
Sustentando então tudo pela fala do seu poder,
Tendo feito a purificação dos pecados,
Tomou assento na direta da majestade, nas alturas.

E o verso quatro:

Nessa dimensão, galgou [uma posição] tão superior aos anjos
Que veio a herdar um nome mais excelente que eles.

Na leitura de todo o texto aos Hebreus fica claro que o seu autor tem uma visão muito bem marcada de quem é Jesus Cristo, sua obra e o lugar que ocupa em nossa crença.  É isso ele dispõe a demonstrar em todo o escrito.
Assim é que já começa com a sua declaração de fé (são esses quatro versos que traduzi acima).
Mas eu quero voltar ao verso três para duas destacar as palavras que expressam bem quem é Jesus para o autor. Eu as versei como reflexo e caráter.  Também elas são palavras que não as acho em nenhum outro lugar no NT grego.
Quero trabalhar um pouco com elas por que creio que podem nos ajudar a entender melhor quem é o Filho de Deus o qual adoramos.
A primeira palavra compõe a expressão reflexo da glória.  Buscando a raiz do termo, encontramos o sentido de que Jesus espelha ou aponta para o brilho de Deus.  O texto bíblico está declarando que no Filho podemos ver todo o brilho, toda a beleza, todo o fulgor, toda a glória de Deus.
E João, lá no início do seu Evangelho, reconhece que na Palavra que se fez carne nós podemos ver a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e verdade (Jo 1:14).
A outra palavra está na expressão caráter da substância.  No grego antigo, caráter indicava a pessoa ou instrumento que entalhava em uma pedra dando-lhe uma forma.  Hebreus diz que o Filho é o entalhe preciso onde posso ver a imagem exata do Pai.  Todos os contornos e detalhes daquilo que o Pai é em sua mais perfeita essência e substância eu percebo no Filho (e somente nele).
E ainda é no quarto Evangelho que eu leio a afirmação categórica de Jesus: "eu e o Pai somos um" (Jo 10:30).
Assim Hebreus nos apresenta Jesus, o Filho que é a perfeição do Pai em essência e que nos apresenta dessa maneira toda sua radiante glória.
A ele eu cantarei louvores no meio da congregação (veja Hb 2:12). 

terça-feira, 5 de maio de 2020

PARA UMA BOA TEOLOGIA


Em todos os momentos, precisamos de uma boa teologia, que nos facilite a respiração e nos torne pessoas melhores.
Para desenvolvermos uma boa teologia, precisamos ler a Bíblia.  Nela está o que Deus pensa.  E o que Deus pensa é o que devemos pensar.  Precisamos meditar no que a Bíblia diz e nela adentrar, para que more em nossas ações e reações, flexões e reflexões.
Nossa teologia se fortalecerá com a companhia de bons livros, cuja informação e argumentação conferiremos com a Bíblia, na qual continuamos sistematicamente pesquisando.  Um bom livro não nos afasta da Palavra de Deus, mas nos faz voltar sempre a ela.
Lúcida será a nossa teologia se for adquirida e pensada junto com a oração, através da qual encontraremos serenidade para continuar exercitando bem a nossa liberdade.
Uma boa teologia se faz com o tempo, sem a pressa preocupada em cravar logo um ponto final.
A teologia não pode ter como fonte as miríades de mensagens curtas compartilhadas, com aparência de beleza e plena de superficialidade.
Uma boa teologia assiste a bons filmes, ouve lindas canções e se alegra com agradáveis encontros presenciais ou virtuais, mas coloca esses ensinos em nota de rodapé das páginas curtidas com o suor do esforço e com o sangue do sofrimento, sempre em busca da perseverante profundidade.
Ouvi esse texto do Pr. Israel Belo de Azevedo num podcast em 22/11/2018
e o encontrei novamente agora no livro
"Bom Dia Amigo - 2020"

sexta-feira, 1 de maio de 2020

É MEU DESCANSO


Música e devoção cristã sempre andaram lado a lado.  E cada geração da igreja soube cantar sua fé com melodias, ritmos e harmonias próprias de sua época e lugar.
Aqui não quero julgar ou avaliar cada música comparando-as com estilos de outras terras e tempos - não tenho nem o direito nem a competência para isso.  Reconheço que música boa e ruim sempre existiu.
Assim é que eu não tenho receio em afirmar que há muita canção boa nessa nova safra música cristã.  Gosto de chamar assim: nova safra de música cristã (e nova nessa frase se refere apenas a um ponto de vista de tempo).
Sim, há um sopro de frescor novo no que se canta agora em nossas celebrações.  E eu pessoalmente acho isso bom.
Entre essas músicas mais recentes, uma me chamou a atenção: a canção de Laura Souguellis Em teus braços é meu descanso.  Eu não tenho aqui muitos dados sobre a composição em si ou a compositora, mas acredito que qualquer boa pesquisa na internet pode fornecer tais informações - também é coisa do nosso tempo! (não vou me ocupar disso aqui).
A letra da canção consta de meia dúzia de frases apenas, as quais, em geral, quando incorporadas em nossas liturgias da nova safra, podem ser cantadas em looping incontáveis vezes.
E eu repito: não tenho nem o direito nem a competência para julgar a adoração de ninguém.
O que me chamou a atenção, porém, na primeira vez que a cantei foi exatamente a forma como a frase-título foi arrumada na métrica.  Confesso que meus ouvidos mais acostumados com os ditames da sintaxe da língua portuguesa estranharam o fraseado.  E foi isso que, curiosamente, me levou a mergulhar com mais atenção no que estávamos cantando.  Então acabei por gostar do cântico.
(Se os gramáticos me permitirem, acho que a inversão da oração com verbo de ligação ficou legal = adjunto adverbial + verbo de ligação + sujeito).
O importante.  Nessa canção eu declaro minha fé e confiança naquele que, com um amor perfeito, nunca me deixou - e nem vai deixar (a promessa de Jesus em Mt 28:20 vai nesse sentido).
E ainda que eu venha a descer ao vale, ainda assim eu não temerei mal algum pois ali eu acharei conforto no amor que me guarda (o Sl 23:4 já afirmava essa certeza).
Com essa certeza firme na mente e na alma eu então sou levado a reconhecer e afirmar que o lugar do meu descanso é bem ali naqueles braços.
Então só me resta adorá-lo - começando agora e se estendendo por toda a eternidade: aconchegado em teus braços está o quinhão do meu descanso.
Em teus braços é meu descanso.  Aleluia!