terça-feira, 23 de julho de 2024

DOMÍNIO E AUTORIDADE

 


Pelo que entendi de sua colocação, você está caminhando pelo que está sendo conhecido ultimamente como Teologia do Domínio

Mas, vamos às questões bíblicas – que é o que realmente importa – lendo os textos um a um:

 

Em Gn 1:26 o texto sagrado diz que Deus decidiu criar o ser humano – macho e fêmea – e dar a ele domínio (creio que a palavra-chave aqui é essa) sobre a criação.  E assim o fez.

A palavra em questão no hebraico é רדה  (pronuncia-se radah) e traz como significado tanto dominar e governar (estar no comando – como no Sl 72:6) como supervisionar ou guiar (dar um direcionamento – como em 1Rs 5:16).

 

Obs. 1.  Não devemos confundir com outro verbo hebraico נחת (pronuncia-se nacheth) que implica em impor, dominar, subjugar (que aparece por exemplo no Sl 38:10 – “ ... e sobre mim a tua mão pesou).

Obs. 2.  Uma sugestão: a partir do texto de Gênesis eu propus uma tradução poética da passagem bíblica que pode ser lida no Escrevinhando – no link.

 

Voltando a exegese do texto de Gênesis.  Entendo que a melhor forma de compreender o mandato da criação está em correlacionar os versos 1:26-28 com 2:15 quando o Senhor Deus atribui ao ser humano a tarefa ecológica de cultivar e tomar conta do jardim.  Ou seja, nossa responsabilidade de domínio sobre a criação é administração (mordomia) da obra criada e não de governo cultural ou político e nem social.

 

Vamos ao segundo texto – Lc 4:6.  Esse texto relata Jesus no deserto e como o diabo o tentou.  Na conversa, o diabo afirma que tem autoridade sobre os reinos do mundo e que a daria a Jesus se ele o adorasse.

Aqui a compreensão bíblico-teológica é de que a frase diabólica é em si uma mentira – ele age assim desde o início, como Jesus afirmou em Jo 8:44.  E mais: mesmo ele sendo tido como o governante desse mundo, a verdade bíblica é que ele não tem agora poder algum e já foi condenado (confira Jo 14:30 e 16:11).

 

Quanto a troca de autoridade?

Vamos considerar:

 

#1. No texto do Gênesis não há referência que, como consequência do pecado, a autoridade administrativa/ecológica dada ao ser humano tenha sido revogada.  Continuamos responsáveis pela mordomia e cuidado com o mundo que nos foi dado. 

 

#2. Quem diz que tem autoridade é o diabo, e ele é mentiroso e usurpador.  Não faz sentido ter como base de minha teologia uma afirmação diabólica.

 

#3. Jesus afirmou que todo o poder (autoridade e domínio) está com ele – Mt 28:18.  E que parte dessa autoridade foi repassada à igreja com o poder do Espírito para serem testemunhas do próprio Cristo – At 1:8.  O poder espiritual da igreja é para cumprir sua missão espiritual de pregar e viver o evangelho.

 

#4. Também Jesus, respondendo a Pilatos, afirmou categoricamente que seu Reino não é deste mundo (leia em Jo 18:36).  E de tal Reino somos súditos.

 

Obs. 3.   Ainda como sugestão: sobre a relação entre o Cristão e o meio ambiente, aqui no Escrevinhando:  A Ordem da Criação – no link0 Pecado e o Meio Ambiente – no linkUm Assunto Profético – no link.

 

  

terça-feira, 16 de julho de 2024

PENSANDO NO LIVRO DAS LAMENTAÇÕES – olhando a esperança

Trouxe uma primeira postagem sobre o Livro das Lamentações de Jeremias (você pode reler no link).  Aqui continuo a reflexão baseada numa lição publicada originalmente na Revista COMPROMISSO da Editora Convicção.  Continue pensando no Livro de Lamentações.

 


OLHANDO A ESPERANÇA –

 

Tendo certeza de que o castigo pelo pecado já se cumpriu (4.22), o lamento pode ser transformado em súplica: “SENHOR, lembra-te do que aconteceu conosco; restaura-nos a ti para que voltemos a ti, SENHOR; renova os nossos dias como antigamente” (5.1,21).

E a súplica sincera diante de Deus faz nascer a esperança.  O que começou como um choro doído e tristeza profunda, quando foi dirigido ao Senhor que é justo mudou em uma canção de esperança na certeza de que as misericórdias “renovam-se a cada manhã” (3.23).

Três fatores basicamente deram sustentação à confiança que veio da lamentação apresentada em forma de invocação ao nome do Senhor.

A primeira sustentação era a lembrança esperançosa.  Se o cenário não se lhe mostrava nada que inspirasse alento, que sua mente fosse ocupada de lembranças e esperanças (3.21).  Os olhos nas circunstâncias só mostravam desolação e provocavam lamentação, mas a lembrança e a certeza de que “bom é o SENHOR para os que esperam nele, para quem o busca” (v. 25), era sem dúvida um alento para continuar firme confiando naquele que não nos rejeita para sempre (v. 31).

No exercício da lembrança daquele que é grande em fidelidade (3.23) está a disciplina que dá base para suportar o jugo da juventude e, assim, calado e talvez solitário “aguardar tranquilo a salvação do SENHOR” (v. 26).

Distendendo daí, outro fator sustentou a esperança: o conhecimento.   O profeta sabia que o Senhor é bom e por isso ele “não rejeitará para sempre” (3.31) e, embora possa permitir que tristezas sobrevenham sempre “terá compaixão segundo a grandeza da sua misericórdia” (v. 32).

É certo que não é do agrado do Senhor “afligir nem entristecer os filhos dos homens” (3.33).  Por isso o lamento em forma de clamor apresentado ao Senhor voltou-se como esperança e resposta.  Não restou dúvida de que o Senhor atendeu sua prece: “Tu te aproximaste no dia em que te invoquei” (v. 57).

Assim, diante de tanta desgraça, a convicção de que “a bondade do SENHOR é a razão de não sermos consumidos”, certeza essa que se distende na absoluta verdade de que “as suas misericórdias não têm fim” (3.  22), também alicerça seu canto confiante.

Ora, baseado numa lembrança que produz confiança e na fé confiante de um Deus, resta mais uma sustentação da certeza de que o Senhor haveria de ouvir e atender o clamor da lamentação: o perdão. 

A causa principal da queda da cidade foi que “Jerusalém pecou gravemente” (1.8), disso o autor bíblico não tem dúvida.  Mas quando há uma mudança de atitude do povo examinado seus caminhos, levantando o coração e as mãos em direção a Deus e voltando para o Senhor (3.40,41), firma-se a fé: “tu não perdoaste” (v. 42).

Esse lamento que se mostrou inicialmente sofrido pelas desgraças vistas, finalmente foi capaz de ser a expressão da oração confiante: “Restaura-nos a ti para que voltemos a ti, SENHOR; renova os nossos dias como antigamente” (5.21).

(Da revista “COMPROMISSO” – Convicção Editora – Ano CXVII – nº 468)

 

 

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terça-feira, 9 de julho de 2024

PENSANDO NO LIVRO DAS LAMENTAÇÕES – 0 Senhor é justo

 

Trouxe uma primeira postagem sobre o Livro das Lamentações de Jeremias (você pode reler no link).  Aqui continuo a reflexão baseada numa lição publicada originalmente na Revista COMPROMISSO da Convicção Editora.  Continue pensando no Livro de Lamentações.

 


O SENHOR É JUSTO –

 

Aqui se apresenta o grande desafio daquela situação de sofrimento.  Como transformar a dor e o lamento numa experiência e vivência que aproximasse o profeta do seu Senhor?

Depois de reconhecer que a causa do sofrimento era o castigo divino por conta do pecado do povo e que os seus líderes espirituais tinham se desviado do caminho e dos mandamentos do Senhor, o profeta fez seu o clamor da cidade “Olha, SENHOR! Estou angustiada! Estou angustiada no íntimo!” (1.20).

Mas, mesmo em meio a tamanha dor e lamentação sempre será preciso manter a confiança de que “o SENHOR é justo” (1.18), pois somente nessa certeza é que será possível ainda suplicar “SENHOR; julga a minha causa” (3.59).

Em toda e qualquer circunstância essa certeza nunca deve se afastar daqueles que conhecem um Deus que é eterno e cujo trono subsiste de geração em geração (5.19).

Será ali então, diante dessa confiança, que as lágrimas que correm como um ribeiro se transformam de lamentação e tristeza profunda em um clamor confiante (2.18).  E essa invocação, derramada diante do Senhor até que ele atente e veja lá do céu (3.50), será ouvida e trará como resposta: “não temas” (v. 57).

(Da revista “COMPROMISSO” – Convicção Editora – Ano CXVII – nº 468)

 

 

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terça-feira, 2 de julho de 2024

POR QUE A GALILEIA?


Mateus narra em seu Evangelho que, depois de ser tentado no deserto, Jesus voltou do deserto e se estabeleceu na Galileia – sua base seria a cidade de Cafarnaum – para se cumprir o que fora dito pelo profeta Isaías (em Mt 4:12-14).

A compreensão do ministério de Jesus como cumprimento das profecias também pode ser atestada na narração do Evangelista Lucas, que apresentou Jesus em Nazaré – cidade da Galileia – reconhecendo seu ministério como sendo a realização do predito pelo profeta Isaías (em Lc 4:16-21 citando Is 61:1-3)

 

Mas, por que a Galileia?

 

Além de reconhecer o cumprimento das palavras antigas, veja um pouco mais dessa região da antiga:

 

Confirme: Jesus foi criado em Nazaré – na Galileia – e concentrou seu ministério inicial em Cafarnaum – também na Galileia.

 

Sobre a Galileia: aquele lugar era um enclave de judeus no Norte que ficaram separados dos do Sul pela presença dos samaritanos.  Eles eram considerados como um povo pobre e de pouca cultura (em geral o termo galileu era usado como um insulto, ou como marca de desprezo e preconceito).

Para curiosidade: os judeus chamavam de הגליל (fala-se “Hagalil” – literalmente: “a província”) e os gregos: Γαλιλαία; de onde o latim: Galileia.  Geograficamente a região consistia na área desde o Rio Banias (região de Dã), ao norte, até as bases do Monte Tabor ao sul, o vale do Jordão, a leste, através das planícies do vale de Jizreel, e a planície costeira da Fenícia, a oeste.

 

Jesus claramente decidiu iniciar seu ministério entre aqueles que mais precisavam ser alcançados por sua ação de graça: os marginalizados, os pobres, os excluídos da sociedade, da economia e da fé.  Esse era exatamente o quadro da Galileia e das pessoas que ali viviam.

E o Homem Galileu – o Servo Sofredor – amou e se identificou com essa gente (considere Lc 9:58).

Jesus começou e priorizou seu ministério entre aqueles mais precisavam de seu amor e misericórdia e de lá estendeu sua graça a todo aquele que nele crer (Jo 3:16).

 

E hoje, onde fica nossa Galileia?

 

(Na imagem, lá em cima o mapa das regiões da Palestina na época de Jesus –

 fonte: https://freetaset.best)

 

quarta-feira, 26 de junho de 2024

PENSANDO NO LIVRO DAS LAMENTAÇÕES – Tristeza profunda

Trouxe uma primeira postagem sobre o Livro das Lamentações de Jeremias (você pode reler no link).  Aqui continuo a reflexão baseada numa lição publicada originalmente na Revista COMPROMISSO da Convicção Editora.  Continue pensando no Livro de Lamentações.

 

TRISTEZA PROFUNDA –

 

Por qualquer lado que olhasse, a situação era desesperadora e o profeta reconheceu que ele era “o homem que viu a aflição causada pela vara do seu furor” (3.1).

Constatar que todo o povo andava gemendo procurando até o que comer (1.11) e que “a língua do que mama fica presa ao céu da boca, de tanta sede; as crianças pedem pão, e ninguém lhes dá” (4.4) o levou inclusive a lamentar: “os que morreram na guerra foram mais felizes que os que morreram pela fome, pois estes se esgotavam como feridos, por falta dos frutos dos campos (v. 9). 

E só lhe restava uma alma cheia de amargura (3.15) e sentir que suas próprias forças haviam se esgotado (v. 18).

Com uma tristeza profunda assim, as suas noites ainda lhe eram mais dolorosas com choro de amargura e lágrimas sempre a correr pelo rosto (1.2).

Nas palavras poéticas das Lamentações: “Torrentes de águas correm dos meus olhos, até que o SENHOR atente e veja lá do céu” (3.48,50). 

Então a lamentação se tornou mais profunda quando até Deus pareceu se distanciar, ao percebeu que já “não há lei, nem os seus profetas recebem visão alguma da parte do SENHOR” (2.9). 

São em situações como essas em que a alegria do coração acaba e a dança se converte em lamento (5.15) e quando já não há quem nos console (1.21) que o lamento deve ser o mais sincero, pois ali o Senhor também vai se manifestar.

(Da revista “COMPROMISSO” – Convicção Editora – Ano CXVII – nº 468)

  

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terça-feira, 18 de junho de 2024

PENSANDO NO LIVRO DAS LAMENTAÇÕES – iniciando a leitura

O Livro das Lamentações – que em nossas Bíblias modernas segue ao de Jeremias – é composto de cinco poemas ordenados de forma alfabética na língua original.

O seu autor, provavelmente o próprio profeta Jeremias, escreveu esses versos num estilo poético de canto fúnebre enquanto contemplava a destruição de Jerusalém no sexto século a.C., mas também se lembrando de como havia sido aquela cidade e das causas que levaram à ruina.

Porém, mais que apenas uma sequência de lamúrias, choro e dor, o texto bíblico apresenta um modelo de devoção que reconhece as causas das desgraças e confia na esperança de um Deus sempre presente junto aos que lhe apresentam seu lamento.

 


CASTIGO E SOFRIMENTO – 

O Livro das Lamentações se abre com uma dura constatação: “Como está solitária a cidade que era tão populosa! A que era grande entre as nações tornou-se como viúva!” (1.1).  Aquela que um dia tinha sido bela e brilhante como uma princesa agora chorava inconsolavelmente.

E foi diante de tanta dor que o lamento se conduziu a uma busca que desse sentido ao seu sofrimento e profundidade a sua relação com seu Senhor.  As tragedias da vida nunca podem impedir ou sequer ofuscar a vida com Deus.

A razão daquele estado de calamidade era um só: a queda e o cativeiro aconteceram “por causa das suas muitas transgressões” (1.5).  Especificamente, por que “Jerusalém pecou gravemente, por isso tornou-se impura” (1.8).  Não havia outra causa para o que se via naquele momento.

Assim, de maneira a enfatizar a causa do sofrimento cuja “ferida é tão grande como o mar” (2.13), o texto ressalta que “maior é a maldade do meu povo do que o pecado de Sodoma” (4.6).  Ora, se para Sodoma, Deus não poupou o castigo pelos seus pecados, da mesma forma estaria naquele momento ascendendo seu fogo contra Sião para consumir os fundamentos daquela cidade pecaminosa (v. 11).

A causa do sofrimento e da lamentação não era, de maneira alguma, uma atitude de maldade por parte do Senhor ou que ele tivesse se esquecido de seu povo.  Pelo contrário, mesmo diante daquela situação era preciso reconhecer que “isso aconteceu por causa dos pecados dos seus profetas e das maldades dos seus sacerdotes, que derramaram o sangue dos justos no meio dela” (4.13) e que foi a rebelião contra os mandamentos divinos a razão do cativeiro.

Num momento assim, o mais duro era constatar que “os teus profetas te anunciaram visões falsas e insensatas e não denunciaram o teu pecado para evitar o teu cativeiro; mas anunciaram profecias inúteis e palavras que te levaram ao exílio” (2.14). 

Quando aqueles que teriam a obrigação espiritual de serem os portadores fieis da mensagem divina se deixam ser enganados, as consequências são desastrosas para o povo e restando expressar seu lamento: “Caiu a coroa da nossa cabeça.  Ai de nós, porque pecamos!” (5.16).

(Da revista “COMPROMISSO” – Convicção Editora – Ano CXVII – nº 468)

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terça-feira, 11 de junho de 2024

AS PALAVRAS DE VIDA ETERNA



Numa resposta rápida e direta:  o advérbio "" não está no original. 

Mas, vamos enriquecer a exegese.

 

+ No grego bíblico da NA27 –

(...) ῥήματα ζωῆς αἰωνίου ἔχεις.

 

+ No grego moderno –

(...) λογους ζωης αιωνιου εχεις

 

+ Na Vulgata Latina –

(...) verba vitae aeternae habes

 

+ No alemão de Lutero –

(...) Du hast Worte des ewigen Lebens;

 

+ Em Português (NVI) –

(…) Tu tens as palavras de vida eterna.

 

 

Vejamos palavra por palavra do fraseado –

+ ῥήματα (o grego moderno troca essa palavra por λογους) – do substantivo ῥῆμα (no plural) – literalmente no dicionário: palavra; declaração.

# Já fiz um post no Escrevinhando sobre a relação entre essas duas palavras em grego – veja nesse link.

 

+ ζωῆς – do substantivo ζωή – no dicionário: vida (tanto num sentido físico quando espiritual ou sobrenatural.  daí: a existência – diferente do grego βίος: vida; subsistência.)

 

+ αἰωνίου – do adjetivo grego αἰώνιος – literalmente no dicionário: de longa data; interminável

# Sobre os usos dos termos gregos para o tempo, também no Escrevinhando, tem um post onde os analisei a partir da compreensão no Apocalipse – veja nesse link.

 

+ ἔχεις – do verbo grego ἔχω (presente do indicativo ativo / 2ª pessoa singular) – no dicionário: ter; possuir; segurar.

 

 

E uma citação do Comentário Bíblico Africano sobre essa passagem –

 

Para Pedro, “Jesus tinha as palavras de vida eterna.  Outros mestres podiam transmitir a seus discípulos aquilo que haviam aprendido de outros mestres, mas as palavras de Jesus eram especiais.  Elas concediam a vida eterna, uma vida de comunhão com Deus”.