terça-feira, 13 de maio de 2025

POR QUE CONHECER ESCATOLOGIA?

 


No final de seu ministério terreno, Jesus ocupou boa parte de seu tempo instruindo seus discípulos sobre os acontecimentos do fim (o evangelista Mateus registra nos capítulos 24 e 25).  O Mestre entendeu que seria importante seus seguidores conhecerem sobre o tema.

Não se tratava de alarmismo, ou curiosidade aleatória, ou teorias de conspirações, ou terrorismo de catástrofe, nem nada parecido.

 

Vamos antes conhecer o contexto evangélico onde o discurso escatológico aconteceu – isso ajuda a entender suas palavras:

Jesus estava com seus discípulos diante da imponência das construções do Templo em Jerusalém e chamou a atenção para o fato de que nada naquilo era eterno:

 

— De forma alguma aqui não será deixada pedra em cima de pedra que não venha a ser demolida (Mt 24:2).  

 

Aquelas palavras ficaram na mente dos discípulos, e quando, mais tarde, Jesus sentou-se para conversar com eles, a curiosidade veio à tona:

 

— Diga-nos, quando acontecerão essas coisas?  E qual será o sinal da sua vinda e do fim dos tempos? (Mt 24:3).

 

Aqui começaram as instruções do Mestre sobre o fim (aquilo que hoje chamamos de Escatologia).  Então, por que, para Jesus se ocupou em falar sobre o fim das coisas?  Por que isso seria importante?  Por que conhecer Escatologia?

 

As únicas respostas confiáveis a questões como essas são as que teremos a partir da compreensão das palavras sagradas e do próprio Cristo.

 

Em primeiro lugar é importante conhecer Escatologia e os assuntos do fim porque a eternidade pertence exclusivamente a Deus (lembro o Sl 90:2).  Logo, por mais imponentes e firmes que sejam nossas construções – inclusive nossas convicções religiosas e intelectuais – o fim vai acontecer.  É certo que céus e terra terão fim, eles passarão.  Apenas as palavras do Cristo são eternas (considere Mt 24:35).

E, seguindo na mesma linha, as coisas e ideias do tempo presente podem até parecer estáveis, mas as aparências enganam.  Mesmo alguns se apresentando e fingindo ser o Messias e ter uma interpretação das palavras divinas, a advertência é clara: “não deixem que ninguém engane vocês” (em Mt 24:4).

 

Também é necessário conhecer Escatologia para não se confundir com as narrativas e sinalizações que são anunciadas como sendo interpretações fatalistas de profecias – e nem se assustar com elas (reconheça a palavra profética de Jr 29:11).  Sobre essa atitude frente ao fim, a recomendação do Mestre é consoladora: “não fique aperreado” (em Mt 24:6).

É certo que, especificamente, Jesus falou sobre tempos de guerras e ameaças, fomes e terremotos, prisão e perseguição e o esfriamento do amor.  A verdade, porém, a se atentar é que isso ainda não é o fim (some as palavras explícitas do Mt 24:6 com as do verso 8 logo adiante).

 

Ainda é essencial conhecer os temas do fim e da Escatologia a fim de estar preparado para quando ele chegar.  O ponto aqui não é prever quando tais e quais coisas vão acontecer e nem as suas sequências, afinal sobre calendários, agendas e cronologias é algo que somente o próprio Deus tem domínio e conhecimento (nas palavras de Jesus em Mt 24:36 em consonância a Dt 29:29).

A parábola das dez virgens contada por Jesus nesse mesmo contexto conclui com uma advertência direta sobre a exigência de estar preparado e vigilante mesmo não sabendo nem o dia nem hora da volta (a narrativa da parábola está em Mt 25 e o verso em destaque é o 13 – e também olhe 24:42-44).

 

O mais significativo, contudo, em se conhecer sobre os estudos de Escatologia é manter a confiança de que, qualquer que seja o desfecho dos acontecimentos do fim, Deus ainda está no controle da história, da igreja e de todas as coisas.  Quando da visão do Apocalipse, após ser anunciado que ELE vem, o próprio Senhor se apresenta como o Todo-Poderoso (em Ap 1:8).  E mais adiante com o livro em mãos ELE é reconhecido como o único digno de o abrir e fazer a história acontecer (em Ap 5:1-5).

 

Sim.  Conhecemos Escatologia por que reconhecemos o Senhorio régio de Cristo e o anunciamos como as suas Boas-novas de amor a todas as nações – e isso é nossa expectativa de sua chegada (nas palavras do Mestre em Mt 24:14 e instruído pelo apostolo como marca de nossas celebrações em 1Co 11:26).

 

quarta-feira, 23 de abril de 2025

SOBRE A EXPIAÇÃO LIMITADA

  


Em primeiro lugar, é complicado falar em “perspectiva batista” quando se trata de qualquer assunto – inclusive teológico.  Um dos nossos postulados principais e mais caros é a nossa liberdade em Cristo para interpretar a Palavra e elaborar nossas formulações teológicas – guiados pelo Espírito Santo.

 

Nunca houve um pensamento unívoco entre os Batistas.  Sendo assim, há Batistas calvinistas, há Batistas arminianos, há Batistas liberais, há Batistas conservadores, há Batistas no domingo, há Batistas no sábado, há Batistas milenaristas, há Batistas amilenistas ... e por aí vai ...

O importante é que mantemos nossa capacidade de divergir e continuar amando e cooperando.

 

Sobre o tema especifico, fui dar uma busca em documentos históricos e oficiais de nossa Convenção e achei pouca coisa – ou quase nada – explícito sobre a “expiação limitada”.

→ Na Confissão de Fé Batista de 1689 (no Capítulo XI) confessamos que “aqueles a quem Deus chama eficazmente, Ele também livremente justifica, não por meio da infusão de justiça neles, mas por perdoar os seus pecados e por considerar e aceitar as suas pessoas como justos”.  Ou seja, não trata diretamente do tema do ato de expiação, mas da justificação que é operada por Cristo.

→ Na Declaração Doutrinária da CBB, também nada é encontrado de modo explícito sobre a expiação.

(Opinião pessoal: penso que por não haver unanimidade, optou-se por declarações genéricas!)

→ Procurei por outras publicações e, em geral, só quem trata especificamente do tema são os autores de linha calvinista.  No mais, o assunto é abordado como parte da doutrina da salvação.

 

Mas sugiro duas leituras rápidas que talvez possam ajudar:

* O Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho publicou uma palestra sobre os Grandes Princípios Batistas, e entre eles, apontou “A Segurança Eterna dos Salvos” (link).

* Respondendo a um outro questionamento que me foi feito, eu analisei sobre os Batistas, Calvinistas e a Doutrina de Deus (link).

 

Ainda:  entendendo o termo –

Segundo o dicionário: expiação é o ato de purificação de crimes ou sofrimento compensatório de culpa.

Sobre a doutrina da “expiação limitada”, ela é de base calvinista e prega que a morte de Jesus foi de efeito limitado apenas aos eleitos – ou seja, aos predestinados.  Porém, como é defendida hoje, não está nos textos originais de Calvino, mas foi elaborada no Sínodo de Dort (1618-19) e tida como uma doutrina do Hipercalvinismo.

Ou seja, o próprio Calvino não tratou do alcance da obra salvífica do Calvário, mas apenas daqueles que efetivamente seriam salvos.  Mas seus seguidores esticaram suas ideias afirmando a incapacidade e ineficácia da expiação para alguns.

 

Em contrapartida a essa posição radical de que a obra da Cruz só pode alcançar alguns e que o próprio Deus não teria interesse em redimir e expiar a culpa de todos os seres humanos eu posso citar o texto sagrado:

 

+ Começo citando o Evangelho de João já no prólogo em que o texto fala que o objetivo do Batista foi dar testemunho da LUZ a fim de que todos cressem (Jo 1:7). E ainda que a todos os que creram foi-lhes dado o direito de virem a ser filhos de Deus (Jo 1:12).

 

+ No clássico Jo 3:16 que sabemos de cor, recitamos que “... todo aquele que não pereça, mas tenha a vida eterna”.  Aqui o verso seguinte ajuda na compreensão: “Deus enviou o Filho ao mundo não para julgá-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3:17).

Pela minha exegese, o argumento de Jesus exposto a Nicodemos é de que a missão do Filho não seria de julgar ou condenar o mundo, mas de que este (o mundo todo) pudesse ser alcançado e salvo.

 

E lendo a partir do próprio Calvino:

+  Comentando o texto de Mt 23:37 onde Jesus diz que “quis reunir os teus filhos”, o teólogo genebrino observou que Deus “chama todos os homens indiscriminadamente para a salvação” e que ele “deseja reunir tudo para si mesmo”.

+ Também comentando o texto de Rm 3:22-23, ainda Calvino declarou que Cristo “é oferecido a todos”.  Sobre esse mesmo texto, o congolês D.M. Kasali afirma: “por causa de uma condenação universal, faz-se necessária uma justiça universal que só pode ser obtida por meio da fé em Jesus Cristo” (CBA – grifos meus).

 

terça-feira, 15 de abril de 2025

A CRUZ ESQUECIDA



Dia desses, mexendo num quarto de depósito em casa, eu me deparei com uma velha cruz de madeira, empoeirada e esquecida em meio a outras tantas coisas empilhadas.

Estava procurando algo que depois nem foi mais importante e vi uma ponta da madeira.  A princípio nem percebi do que se tratava, mas, depois, tirando outros itens amontoados de cima, pude vê-la ali.

(A foto está aí para registrar o achado)

Foi fácil então lembrar sua história: aquela cruz de madeira me serviu para uma decoração por ocasião da Páscoa há alguns anos.

Mas o tempo passou e a cruz foi para o depósito. E ali ficou esquecida...

 

Obviamente as engrenagens teológicas de minha mente começaram a se mover!  E enquanto se moviam, quase que por intuição, comecei a cantarolar uma velha canção (é tremendo o poder das antigas melodias):

 

Sim, eu amo a mensagem da cruz
Até morrer eu a vou proclamar
Levarei eu também minha cruz
Até por uma coroa trocar.

 

Uma cruz esquecida! Um paradigma da vida cristã!  Pode ser!

 

Que a cruz é símbolo cristão, hoje não restam dúvidas. E por falar nisso, em 2016 eu escrevi uma reflexão sobre o sinal da cruz na qual eu enfatizei:

 

"A cruz nos identificou, demarcou nossos espaços sagrados, deu-nos sentido histórico e esperança escatológica.  A cruz nos fez o que somos: cristãos."

(Esse texto está no meu livro "Parábola das Coisas".)

 

As engrenagens teológicas continuaram girando...

 

Talvez no começo de nossa caminhada cristã, ou quando algo reacendeu o pavio espiritual, tenhamos atentado para o madeiro do Calvário com significativo olhar de gratidão por ser ele o lugar onde minha maldição foi cravada, minha vergonha exposta e meu pecado perdoado (considere Gl 3:13; Hb 13:13; 1Pe 2:24).

Mas a agenda cheia – inclusive e principalmente eclesiástica –; as prioridades e urgências acumuladas; e talvez o pior de tudo, o desgaste do memorial transformado em rito pelo rito (leio com perplexidade a reprimenda à Igreja de Éfeso em Ap 2:4-5); tudo isso tenha levado a cruz para um depósito empoeirado de minha vida e existência cristã.

Eu sabia que ela estava lá, fui eu mesmo que a pus ali.  Só que, de verdade, eu nem mais pensava nela.  Ela estava esquecida, guardada, entulhada.

E assim tem sido o Cristianismo da cruz esquecida.  A cruz sempre estará lá – mas no depósito do fundo.  Ela teve seu papel e momento na história – mas foi deixada sob outras quinquilharias religiosas.  A cruz já não é nossa referência – ficou guardada.

Negar-se a si mesmo e tornar a cruz teve de ceder a primazia a outras agendas.

 

É aqui que o apóstolo Paulo nos desafia insistentemente:

 

"Para mim, porém, que nada me venha a ser motivo de orgulho, somente a cruz do Nosso Senhor Jesus Cristo; pois foi nessa cruz que o mundo foi crucificado para mim, e eu para ele" (Gl 6:14).

 

E quanto à cruz esquecida no meu depósito?  Esse ano pretendo tirá-la de lá e trazê-la de volta para a porta de entrada de minha sala principal.

 

Antes de finalizar: algumas sugestões de leituras pascais:

 

Sobre a vergonha da cruz – O VITUPÉRIO DE CRISTO link

Sobre a preparação – TEMPO DE QUARESMAlink

Sobre minha relação com a cruz – EU MATEI JESUSlink

 Sobre o Getsêmani – NO JARDIM DO GETSÊMANI – link

 

No YouTube, para ouvir mensagens sobre a Páscoa e a vitória sobre a morte:

 

QUANDO TERMINOU OSÁBADOlink

JESUS DESEJOU COMERlink

 HÁ UM MOMENTO PARA ESTAR SÓ – link

 

quarta-feira, 9 de abril de 2025

NO JARDIM DO GETSÊMANI

 


O evangelista João nos diz que depois de ter dito as instruções finais aos seus discípulos, Jesus foi ao Jardim do Getsêmani, um horto no sopé do Monte das Oliveiras, nas cercanias de Jerusalém, na época famoso pela produção de azeite. 

Jesus foi ali para desfrutar de relativa paz em meio ao barulho da cidade.  Naquele lugar Jesus costumava orar (leia Jo 18:1).

Judas Iscariostes, um dos doze, que também conhecia o lugar e hábitos de Jesus, juntou uma escolta e foi buscá-lo, colocando em execução o plano de traição.  Jesus, porém, por duas vezes se adiantou e perguntou: quem buscais? (veja nos versos 4 e 7).  Apresentando-se em seguida.

Para esta situação, João fornece uma explicação.  Jesus Cristo é o Senhor da história e nada que acontece foge do seu domínio e controle.  Ele mesmo já havia dito isso, inclusive sobre o próprio momento de morte: eu dou a minha vida para reassumir (Jo 10:17). 

Na passagem, o Evangelho enfatiza que o Mestre sabia de tudo o que estava acontecendo (observe Jo 18:4).  E ainda no jardim, Jesus repreendeu Pedro assumindo que seu destino era beber o cálice que o Pai lhe preparou (confira Jo 18:11).  É como se confessasse que foi para aquilo que ele viera, tinha consciência e continuava no comando da situação.

Sobre Pedro inda, neste episódio do Getsêmani, o texto diz que ele, com a própria espada, tentou defender Jesus daqueles que o prendiam, mas foi novamente repreendido pelo Mestre (vá a Jo 18:10-11).  Afinal não seria pelas armas humanas que Jesus passaria por aquela situação nem que chegaria à vitória.

(Na imagem lá em cima: uma foto atual do Horto do Getsêmani.  Fonte: Google Maps)

 

terça-feira, 1 de abril de 2025

HÁ UM MOMENTO PARA ESTAR SÓ


Num tempo cristão de quaresma, quando caminhamos em direção ao Calvário, é importante seguir os passos de Jesus e buscar um momento para estar só.

Reflexão baseada em Jesus no Getsêmani (Lc 22:41). Ali ELE buscou estar só, voluntariamente, onde sua alma aquietou-se na presença do PAI.

 

terça-feira, 25 de março de 2025

BATISMO NO ANTIGO TESTAMENTO?

 


Esse é um tema bastante interessante e abrangente, principalmente para nós batistas que cuidamos do batismo como algo relevante em nossa compreensão cristã.

 

Antes de chegar ao texto aos Coríntios que você citou, penso que é interessante entender o que citamos como batismo.

 

O dicionário define o termo batismo como “ritual de purificação ou iniciação em que se mergulha em água a pessoa a ser batizada” ou ainda “ato ou efeito de ser admitido num grupo, partido, religião” (infopedia).

 

Sobre como nós batistas compreendemos o ritual e a importância do batismo, sugiro a leitura dos artigos escritos pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho: “O Batismo Consciente de Crentes” (link) e “Batismo e Ceia como Ordenanças e não como Sacramentos” (link).  Ainda como sugestão, uma resposta minha sobre esse tema pode ajudar na reflexão: “Sobre a Autoridade no Batismo” (link).

 

Outra informação para enriquecer:  no grego do NT os termos relativos são:

 

+ Βαπτισμός – substantivo que traduz literalmente imersão; descreve o ato de mergulhar.  Em Cl 2:9 Paulo usa essa palavra para se referir ao símbolo do sepultamento contido no ritual do batismo.

+ Βάπτισμα – esse substantivo indica a pessoa que mergulha.  Lucas (em 3:3), usa esse termo para indicar o batismo de João como resultado do arrependimento.

+ Βαπτίζω – o verbo batizar, mergulhar, imergir é usado cerca de 90 vezes no NT.  É esse verbo que Paulo usa no texto de Coríntios.

+ No AT não encontramos nenhuma palavra ou expressão que indique algo assim.  Talvez os regulamentos sobre as lavagens rituais de purificação em Levítico (veja por exemplo Lv 15:27 ou 17:16), mas, com certeza, o contexto e as implicações são diversos. 

 

Também:  no conceito que temos como batistas – a partir da leitura bíblica – não houve batismo no AT.  Tal prática começou no período entre os Testamentos, era praticado por diversos grupos contemporâneos, foi adotado a partir de João, ordenado por Jesus a partir de sua própria interpretação e se tornou padrão na igreja primitiva (sugiro ainda a leitura do artigo: “A Didaqué e o Culto" – link).

 

 

Assim, vamos ao texto citado.

 

A partir do capítulo 10, o apóstolo Paulo está argumentando que não se deve tentar a Deus, duvidando dele e nem desconsiderando suas manifestações.  E para isso ele usa dos exemplos históricos dos israelitas.

Aqui a figura do batismo serve de exemplo.  Os filhos de Israel estiveram cobertos pelas manifestações divina – como nos casos da passagem do mar ou da nuvem que os cobriu (mergulhados nas águas divinas!), bem como comeram do pão espiritual e beberam da água da pedra.

Ora, apesar de todas essas sinalizações, os israelitas provocaram o desagrado de Deus com suas murmurações e, por isso, foram prostrados no deserto.

 E tudo isso, na argumentação apostólica, deveria servir como exemplo e aviso para nós cristãos que, mesmo tendo sido batizados em Cristo, não devemos tentar o Senhor com nossas murmurações e incredulidade.

 

Ao que Paulo conclui:

 

“Quem pensa que está firme em pé, fique atento para não cair”
(1Co 10:12)

 

 

terça-feira, 18 de março de 2025

MISOGINIA – os judeus e Jesus



Definindo o termo misoginia: segundo o Dicionário, misoginia significa “ódio ou aversão às mulheres”.  Eu uso aqui com uma extensão a qualquer postura ou atitude que desconsidere a mulher ou a menospreze como ser inferior em sua humanidade.

 

Em relação às perspectivas e papéis femininos na sociedade contemporânea de Jesus, é importante conhecer como as ideias se formaram em meio àquela gente.  O preconceito contra a mulher entre os judeus passou a se tornar um problema a partir do exílio babilônico, e em especial na sua volta para Jerusalém (século V a.C.).  Ali eles desenvolveram uma mentalidade extremamente machista, relegando à mulher apenas uma situação subalterna.

Sob a liderança da casta levítico-sacerdotal, os judeus refizeram os termos da aliança feita com Deus, reinterpretaram os textos antigos e desconsideraram as mulheres enquanto agentes sociais e religiosos (considere Ed 10:1-5 – e lembre que Esdras era sacerdote). 

Começando nesse período, e se intensificando no período entre os testamentos, a produção de exegese e comentários rabínicos passou a dar justificativa religiosa e jurídica a uma série de comportamentos e atitudes contrários, e até ofensivos, à mulher.  Com isso, a mulher findou sendo tratada apenas como um produto ou objeto a ser possuída, comprada e vendida (um bem para reprodução), sem qualquer direito diante dos homens, que poderiam dispor delas como bem entendessem.

 

Um parêntese para ajudar a entender essa mentalidade.  Ao narrar a ocorrência da mulher apanhada em flagrante adultério (em Jo 8:1-11), os acusadores da pecadora omitem – propositadamente ou não(!) – a presença do homem com quem a mulher estaria adulterando, pois os mestres da Lei, além de terem a intenção de apanhar Jesus numa armadilha, mantinham uma atitude de desprezo em relação à mulher, baseada nas suas interpretações próprias da Lei.  E essa compreensão parece dar um contexto compreensivo ao episódio.

 

No caso da samaritana, diante do poço de Jacó, tanto Jesus como a mulher conheciam bem os preconceitos que estavam inseridos nos padrões sociais em que eles viviam.  Padrões sociais assim fazem parte de uma espécie de subconsciente comum que estabelece como deve funcionar a coletividade “normal” dando a cada indivíduo o seu lugar, posição e papel a desempenhar na sociedade. 

Independentemente de haver leis escritas que rejam tais atitudes e práticas, esses preconceitos se tornam tão arraigados numa cultura que se comportam como um ethos – um padrão de moralidade esperado de todos e pelo quais todos na comunidade são julgados e avaliados.

 

Aqui então destaco o posicionamento de Jesus.  Enquanto a mulher samaritana apenas aceitou com resignação seu lugar e papel na sociedade – por isso ficou perplexa com a atitude do estranho judeu –; Jesus desconsiderou e até rejeitou toda e qualquer atitude preconceituosa que ofendesse a dignidade humana da mulher.

Para Jesus, um padrão social que despreze, torne-a indigna ou descaracterize a mulher, por afrontá-la enquanto ser humano, qualquer que seja a manifestação, justificativa jurídica ou religiosa ou forma de preconceito, afronta também o Criador que as ama de tal maneira, logo é pecado.