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terça-feira, 2 de setembro de 2025

EPAFRAS E DIÓTREFES

 


Durante o período do Novo Testamento, muitos líderes se agregaram ao grupo primitivo.  Alguns foram bem referenciados, enquanto outros, mal são citados.

Por exemplo: o Livro de Atos dos Apóstolos nos informa que, em suas viagens missionárias, Paulo contou com a companhia de cristãos como Priscila e Áquila, Barnabé, Silas, Lucas, João Marcos e Timóteo entre outros.

Dentre esses personagens que pouco – ou quase nada – se sabe estão os dois que você citou.  Mas vamos recolher algumas informações que podemos catar nas páginas bíblicas.

 

EPAFRAS (em grego:  Ἐπαφρᾶς – alguns sugerem que seu nome signifique: “aquele que espuma”).  Pela tradição, diz-se que ele deve ter nascido em Colossos, na Anatólia central e foi alcançado para o Evangelho pelo trabalho do Apóstolo Paulo.  Nesse sentido, é bem provável que ele tenha sido um dos fundadores da comunidade cristã ali.

Ele é citado literalmente em três versos do NT:

& Em Cl 1:7 Paulo o cita como um “amado colaborador, servo fiel de Cristo” e também alguém que tinha ajudado o apóstolo em seu trabalho.  E no verso seguinte ele é dito como testemunha do amor que o Espirito tinha dado aos cristãos colossenses.

& Em Cl 4:12 o texto faz referencia a ele como “um de vocês” (o que pode indicar sua origem étnica).  Ele envia saudação à Igreja ali.  E Paulo completa: “Ele está sempre batalhando por vocês em oração, para que, como pessoas maduras e plenamente convictas, continuem firmes em toda a vontade de Deus”.

& No encaminhamento do bilhete a Filemom, Paulo observa que Epafras era companheiro de prisão em Cristo Jesus (em Fm v. 23).

Essas indicações nos apontam para um líder da igreja, fiel, cooperante, evangelista.  Alguém que foi bastante valoroso para o progresso do Caminho em Colossos, Hierápolis e Laodiceia.  E Paulo o tinha em boa conta.

 

DIÓTREFES (em grego:  Διοτρέφης – seu nome, de origem grega, significa literalmente "nutrido por Zeus").  Um líder da igreja joanina em Éfeso.

& A única citação desse personagem se encontra na terceira carta de João onde é descrito como um líder da comunidade mas que “gosta muito de ser o mais importante” e que usa de sua posição para atrapalhar o contato do apóstolo com a igreja, além de que também “ele se recusa a receber os irmãos, impede os que desejam recebê-los e os expulsa da igreja” (vs. 9-10).

Diante disso, Joao se dispõe a, quando o encontrar, chamar a atenção dele para o que está fazendo com suas palavras maldosas contra os crentes.

 

 

Esses são dois exemplos de homens que se colocam à frente da igreja de Deus, mas que usam de suas prerrogativas de liderança para propósitos bem diferentes.

Epafras era um fiel colaborador do Evangelho, exemplo a ser seguido.  Diótrefes era ambicioso, orgulhoso, desrespeitoso da autoridade apostólica, rebelde e rude.

Enquanto um com certeza, foi canal de bênção para toda a igreja, o outro alguém que se servia da posição hierárquica para proveito próprio, sendo assim bastante prejudicial para o progresso do Evangelho e do Reino de Deus.

 

Oxalá o Senhor da igreja nos dê mais Epafras e menos Diótrefes em nossos ajuntamentos cristãos.

 

terça-feira, 3 de setembro de 2024

JUDEUS E SAMARITANOS – uma história de racismo


Quando da divisão do Reino de Israel, após a morte de Salomão (século IX a.C.), as dez tribos do norte ficaram sob a liderança de Jeroboão, filho de Nebate, com capital em Samaria – em oposição às duas tribos do sul que restaram sob a controle de Roboão, filho de Salomão (a separação está narrada em 1Rs 12). 

Duzentos anos depois, os exércitos da Assíria invadiram Israel e conquistaram Samaria, sob o comando do rei Sargão II, que registrou em seus anais:

 

Cerquei e ocupei a cidade da Samaria, e levei comigo 27 280 dos seus habitantes como cativos.  Tomei-lhes 50 carros, mas deixei-lhes o resto das suas coisas.

 

O registro bíblico afirma que isso aconteceu porque os israelitas adoraram outros deuses, apesar das advertências claras do Senhor contra isso (leia em 2Rs 17:7-12).

Com a deportação dos israelitas de Samaria, e seguindo a política de colonização assíria, a terra foi maciçamente ocupada por outros povos que trouxeram seus costumes, línguas e, principalmente, seus cultos e religião para o norte da região de Israel.

Pouco mais adiante na história, com a queda também do reino do sul – levados para Babilônia no final do século VII – toda a terra ficou sob domínio estrangeiro.

Mas o período de exílio e deportação chegou ao fim com o decreto de Ciro da Pérsia que permitiu a reconstrução de Israel, de Jerusalém e do seu templo (confira 2Cr 36:22-23 e Ed 1:1-2).

Aconteceu que o projeto de reconstrução liderado por homens como Esdras, Neemias, Zorobabel e Ageu – com o expurgo dos estrangeiros, principalmente das mulheres – não teve a adesão dos habitantes do norte, ficando eles isolados em guetos sociais. 

A situação só veio a piorar com o domínio helênico dos selêucidas, ao estabelecer a separação entre judeus (no sul) e samaritanos (ao norte) em províncias distintas.  Chegando à época de Jesus com uma total inimizade entre habitantes das duas províncias.

E ainda sobre o mapa da Palestina no tempo do Novo Testamento, uma observação importante: mais ao norte da província de Samaria, moravam os galileus – um enclave de judeus que ficaram separados dos do sul pela presença dos samaritanos.  Esses eram considerados como um povo pobre e de pouca cultura (em geral o termo galileu era usado como um insulto, ou como marca de desprezo e preconceito).

 

Ainda havia a questão religiosa.  Os judeus sulistas (assim como os galileus) em geral estigmatizavam os samaritanos por os considerar impuros quanto aos rituais da Lei, logo, indignos de frequentaram os ambientes sagrados das sinagogas e do templo central em Jerusalém e, portanto, separados da aliança com o Eterno. 

Os samaritanos do norte, por sua vez, adotavam como livros sagrados apenas os cinco livros de Moisés (o Pentateuco), rejeitando os Profetas e os Escritos Restantes que eram lidos como sagrados entre os judeus.  Eles acusavam os judeus de terem acrescido à Revelação textos não autorizados, e assim defraudado a Palavra do Senhor.

 

Em todo caso, e apesar de viverem política e militarmente subjugados aos romanos, os judeus na época do Novo Testamento se viam como um povo especialmente superior a todos os outros. 

A própria crença generalizada da esperança messiânica entre os judeus do primeiro século demonstrava que aquela situação política desfavorável não fez arrefecer o sentimento de superioridade.  Por essa crença, Deus haveria de enviar um Messias para unificar as diversas facções de judeus (inclusive os impuros samaritanos) e liderar um exército contra os invasores latinos e os levaria à vitória, fazendo com que o povo voltasse a ser a grande nação da terra.

Os judeus se apegavam a herança e descendência de Abraão e a aliança feita com Moisés no Sinai para se jugarem raça escolhida e um povo essencialmente superior a qualquer outro.  Daí alimentar um posicionamento de preconceito racial com qualquer outro povo ou grupo.

E, finalmente, para se ter uma ideia de como esse sentimento era forte entre os judeus, veja duas citações: (1) debatendo com Jesus, os líderes religiosos argumentaram sua posição de superioridade afirmando que, por serem descendentes de Abraão, nunca teriam sido escravos – ou estiveram em posição se inferioridade (leia o diálogo em Jo 8 começando no verso 31 e a frase dos judeus no verso 33).

(2) Também, mesmo já em plena expansão missionária da igreja primitiva, o apóstolo Pedro – judeu de nascimento e tradições – precisou de uma visão especial e sobrenatural para que se livrasse da visão preconceituosa que tinha contra os não-judeus e se dispusesse a pregar na casa do romano Cornélio e aceitasse que o Espírito também estaria sendo derramado a todos os povos da terra (veja toda a narrativa em At 10).

 

 

Sobre o tema do Racismo, leia também:

 

> JESUS E O RACISMO link

> A IGREJA E O RACISMO link

> POR QUE A GALILEIAlink

> ELE NOS FEZ UMlink

 

 

terça-feira, 30 de julho de 2024

A DIETA DE JOÃO BATISTA



Desde criança aprendi na escola bíblica que a dieta de João Batista, no deserto, consistia de gafanhotos e mel silvestre (conforme narrado em Mt 3:4 e Mc 1:6).

Depois andei lendo e estudando então cruzei com várias opiniões diferentes:  # se João era um asceta essênio, deveria manter uma dieta vegetariana? # o mel era proveniente de abelhas ou de frutas? # a proteína vinha de inseto ou de alguma planta?  # a tradução tradicional está correta e ele comia realmente gafanhotos?

 

Para qualquer pesquisador honesto, aqui se tem um desafio interessante e que deve ser observado com cuidado e critério.

Qual interpretação aponta para a verdade?  Quem entendeu corretamente a dieta citada no texto bíblico?  E, principalmente, o que isso implica na minha compreensão textual?

 

Ocupei um pouco do meu tempo numa pesquisa sobre o tema.  Aqui vai algo do que descobri:

 

Primeiro a citação grega de Mt 3:4 –

... ἡ δὲ τροφὴ ἦν αὐτοῦ ἀκρίδες καὶ μέλι ἄγριον (NA27).

 

Jeronimo traduziu assim –

... esca autem eius erat lucustae et mel silvestre.

 

O mesmo texto no hebraico –

... ומאכלו חגבים ודבש היער

 

Quanto ao mel silvestre, embora alguns comentadores cheguem a considerar o sumo de frutas (como de tâmaras, por exemplo) como sendo a base do que João bebia, a opinião dos principais estudiosos que consultei aqui não corrobora com essa ideia.

No grego, a expressão é μέλι ἄγριον (pronuncia meli agrion – literalmente: "mel do campo") e no hebraico ודבש היער (pronuncia udëvash hayåar – literalmente "mel da floresta").

 

Já quanto a proteína.

A palavra em destaque é ἀκρίδες em grego (pronuncia akrides), lucustae em latim e חגבים em hebraico (pronuncia gêḇîm) – plural em todas as versões.

Detalhe: o gafanhoto está na lista que os judeus chamam de kosher – alimentos aprovados para a alimentação – conforme Lv 11:22.

Aqui eu encontrei muita discursão sobre o que seria realmente que João comia. 

 

Bem, não quero entrar nos debates linguísticos ou históricos dos detalhes culinários (comecei até a digitar alguma coisa sobre isso, mas desistir: apenas salvei o que já tinha feito e abandonei.  Abri um outro arquivo no computador e decidi ir direto ao ponto).

 

Então, o que os evangelistas nos queriam dizer ao citar a dieta de João Batista?

 

Podemos iniciar nossa compreensão do texto fazendo uma referência ao profeta Elias.  Nos livros dos Reis do AT, o profeta é descrito como alguém que viveu nos desertos de maneira rústica (confira 1Rs 17:2-6 e 2Rs 1:8).  Assim, ao apresentar João dessa forma, os evangelistas dão a entender que queriam fazer uma associação entre a vida e o ministério dos dois profetas.

João seria um herdeiro ministerial do grande profeta Elias – aquele que anunciaria a chegada do Messias (considere Mc 9:11-13).

 

Além do que, como João não é o personagem principal do Evangelho – é apenas o precursor (atente Jo 1:27) – o texto não se ocupa em apresentar detalhes. 

E ainda tem as distinções dos estilos de João e Jesus:  Lucas lembra que João tinha uma vida austera bem diferente da de Jesus, que foi acusado de ser comilão e beberrão (em Lc 7:33-34) e ambos foram censurados pelos religiosos.

 

Sobre o próprio João Batista, ele foi radical em sua vida, ministério e pregação.  Levou sua fidelidade à Lei, à moral e a Revelação que recebeu às últimas consequências.  Como um machado colocado à raiz das árvores (leia Mt 3: 7-10).  E isso ele encarnou em seus trajes e dieta.    

 

Para finalizar, entendo que é bom citar as palavras do zambiano batista Joe Kapolyo no Comentário Bíblico Africano:

 

Sua aparição e seu estilo de vida desafiaram os poderosos da época (...).  Sua mensagem contracultural.  João   mostrou como isso pode ser feito por aquilo que ele pregava e principalmente pela forma em que vivia.  Nós também precisamos ter certeza de que nosso estilo de vida combina com nossas palavras.

 

(Na imagem lá em cima, o quadro "São João Batista pregando no deserto" de Anton Raphael Mengs.  Obra de 1771.  Atualmente exposto no Museu de Belas Artes de Houston / Texas)

 

terça-feira, 2 de julho de 2024

POR QUE A GALILEIA?


Mateus narra em seu Evangelho que, depois de ser tentado no deserto, Jesus voltou do deserto e se estabeleceu na Galileia – sua base seria a cidade de Cafarnaum – para se cumprir o que fora dito pelo profeta Isaías (em Mt 4:12-14).

A compreensão do ministério de Jesus como cumprimento das profecias também pode ser atestada na narração do Evangelista Lucas, que apresentou Jesus em Nazaré – cidade da Galileia – reconhecendo seu ministério como sendo a realização do predito pelo profeta Isaías (em Lc 4:16-21 citando Is 61:1-3)

 

Mas, por que a Galileia?

 

Além de reconhecer o cumprimento das palavras antigas, veja um pouco mais dessa região da antiga:

 

Confirme: Jesus foi criado em Nazaré – na Galileia – e concentrou seu ministério inicial em Cafarnaum – também na Galileia.

 

Sobre a Galileia: aquele lugar era um enclave de judeus no Norte que ficaram separados dos do Sul pela presença dos samaritanos.  Eles eram considerados como um povo pobre e de pouca cultura (em geral o termo galileu era usado como um insulto, ou como marca de desprezo e preconceito).

Para curiosidade: os judeus chamavam de הגליל (fala-se “Hagalil” – literalmente: “a província”) e os gregos: Γαλιλαία; de onde o latim: Galileia.  Geograficamente a região consistia na área desde o Rio Banias (região de Dã), ao norte, até as bases do Monte Tabor ao sul, o vale do Jordão, a leste, através das planícies do vale de Jizreel, e a planície costeira da Fenícia, a oeste.

 

Jesus claramente decidiu iniciar seu ministério entre aqueles que mais precisavam ser alcançados por sua ação de graça: os marginalizados, os pobres, os excluídos da sociedade, da economia e da fé.  Esse era exatamente o quadro da Galileia e das pessoas que ali viviam.

E o Homem Galileu – o Servo Sofredor – amou e se identificou com essa gente (considere Lc 9:58).

Jesus começou e priorizou seu ministério entre aqueles mais precisavam de seu amor e misericórdia e de lá estendeu sua graça a todo aquele que nele crer (Jo 3:16).

 

E hoje, onde fica nossa Galileia?

 

(Na imagem, lá em cima o mapa das regiões da Palestina na época de Jesus –

 fonte: https://freetaset.best)

 

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

SERVOS E REMADORES

  

Καθὼς παρέδοσαν ἡμῖν οἱ ἀπ’ ἀρχῆς αὐτόπται καὶ ὑπηρέται γενόμενοι τοῦ λόγου (Lc 1:2).

 


O fraseado do verso de Lc 1:2 em português é: "conforme nos foram transmitidos por (...) servos da Palavra" (NVI).

A palavra usada pelo autor bíblico em Grego é ὑπηρέτης que é bem interessante (a pronúncia huperetes é boa).

A tradução usual como servo é excelente.  Mas vamos enriquecer o significado: o termo é o resultado da soma da preposição ὑπό – em baixo + a raiz ἐρέσσω – remar.  Daí se dizer dos escravos nos barcos antigos que ficavam nos porões remando.

No texto do Evangelho, Lucas se refere aos ministros ou servos que dão testemunho como aqueles que efetivamente se ocupam do trabalho pesado e braçal de fazer as palavras do evangelho seguirem adiante.

 

 

Compartilhei uma boa reflexão escrita pelo Pr. Antônio Sampaio da IB da Graça / Aracaju sobre essa citação bíblica: REMADOR DO ÚLTIMO PORÃO – recomendo a leitura – link.



terça-feira, 15 de agosto de 2023

O RIO JORDÃO

As terras que conhecemos como Canaã – ou Palestina – foram o centro da maioria dos episódios bíblicos.  Olhando a geografia da região, um dos principais problemas dali é sua escassez de águas.  Em linhas gerais pode ser chamado de deserto.

 

Só para comparar: enquanto a previsão de chuva anual no Nordeste brasileiro é entre 1000 e 1750 milímetros no pico do sertão; em Israel atualmente a previsão não chega a 350 milímetros – ou seja lá chove apenas um terço do que chove por aqui.

 

Nesse contexto, o Rio Jordão é certamente o principal curso de água que se encontra por lá. 

Considerando o rio, vamos listar algumas curiosidades sobre ele:

 

§ Em hebraico o nome é נהר הירדן (nehar hayarden) e em árabe نهر الاردن (nahr al-urdun).  Os gregos o chamavam de Ποταμός Ιορδάνης e os latinos de Flumen Iordanis. 

§ O nome Jordão significa aquele que desce ou também lugar onde se desce para beber (bebedouro).

§ O rio nasce no Monte Hermon (hoje sul da Síria), segue atravessando o Lago da Galileia e deságua no Mar Morto.  Suas águas são orginalmente doces, aumentando o grau de salinidade a medida que segue rumo ao sul (o Mar Morto é dez vezes mais salgado que o Atlântico).

§ Sua profundidade máxima chega a cinco metros e a distância de suas margens podem chegar a 18 metros de um lado a outro.

§ A primeira citação bíblica do Jordão está em Gn 13, no episódio em que Ló se separa de seu tio Abraão, escolhendo as terras a leste do rio.

§ Alguns episódios importantes da narrativa do AT também se passaram nas margens do Jordão.  Josué atravessou suas águas para conquistar a terra prometida (Js 3:17).  Naamã se banhou ali e foi curado (2Rs 5:17). E ali Elizeu fez flutuar a cabeça de ferro de um machado (2Rs 6:6).

§ No NT a principal citação é o batismo de João que acontecia nas águas do Jordão e, nesse contexto, o próprio Jesus foi batizado.

§ Atualmente o rio funciona como fronteira entre Israel/Palestina e o Reino da Jordânia e suas águas irrigam a agricultura da região beneficiando uma população de mais de cem mil pessoas nos dois lados da fronteira.

 

(Na imagem lá em cima: o Vale do Jordão – fonte: wikipedia.org)

 

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Testando Deus – INVESTIGAÇÃO DE PALAVRAS

 

 

Recentemente postei uma reflexão sobre TESTANDO DEUS (veja no link).  Ali para fundamentar aquela reflexão eu fiz uma busca nas palavras dos originais das frases mais relevantes – em geral faço sempre assim).

Então resolvi aqui compartilhar um pouco da pesquisa.  Penso que pode enriquecer a exegese dos textos.  Aí vai.

 

O primeiro texto é o da tentação de Jesus no deserto – no Evangelho de Mateus.

Mt 4:7 – Jesus lhe respondeu: “Também está escrito: ‘Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus’” (NVI).

A frase no destaque em Grego –

Οὐκ ἐκπειράσεις Κύριον τὸν Θεόν σου.

O verbo grego é ἐκπειράζω – formado da preposição ἐκ + verbo πειράζω – no futuro indicativo ativo, 2ª pessoa do singular. 

Na forma sem preposição, o NT usa mais de quarenta vezes e a LXX outras 55.

Nessa forma preposicionada aparece no NT Grego em apenas quatro citações:

Aqui em Mt 4:7

Em Lc 4:12 – o sinótico paralelo

Em Lc 10:25 – quando um perito decide investigar Jesus

E em 1Co 10:9 – onde Paulo, numa série de recomendações, instrui a não pôr o Senhor à prova.

Essa é a opção que a LXX usou para traduzir Dt 6:16 – de onde o próprio Jesus foi buscar a citação de Mateus – inclusive a inflexão verbal.

No clássico helênico antigo, a palavra era usada para descrever a ação de um teste completo feito no intuito de se conhecer algo.

 

Há outros verbos gregos com sentidos próximos usados no Novo Testamento, como por exemplo: ἐξαπατάω – em Rm 16:18 e 2Co 11:3.  Mas aqui o sentido é de sedução e traz a conotação de ação maliciosa para induzir o erro.

 

Vamos a citação no Antigo Testamento.  O texto é Dt 6:16, onde a instrução é não repetir o erro de Massá e Meribá (numa referência retroativa ao episódio citado em Êx 17).

Em hebraico as palavras do Deuteronômio são:

לא תנסו את־יהוה אלהיכם כאשר נסיתם במסה׃

O verbo em destaque é נסה que nesse versículo está no piel imperfeito – 2ª pessoa masculino plural.

Esse verbo ocorre cerca de 36 vezes no texto hebraico em textos como 1Sm 17:39; 1Rs 10:1; Sl 26:2 e Dn 1:12 (aqui no imperativo), por exemplo.

Um detalhe é que, em todas as citações, o sujeito é sempre um agente humano ou o próprio Deus.

O sentido implícito que os dicionários nos oferecem para o entendimento do verbo é: “usar um objeto para verificar o resultado ou para testar sua aptidão”.

 

Assim, ligando os sentidos indicados nas expressões em hebraico e grego podemos compreender a instrução bíblica de não levar Deus – usando linguagem moderna – a um laboratório na tentativa de fazê-lo objeto frio de estudo isento de relacionamentos.

 

terça-feira, 16 de maio de 2023

DIVERSOS INFERNOS – termos

 

Em 1945, o filosofo francês Jean-Paul Sartre escreveu uma peça de teatro intitulada Huis Clos (Entre Quatro Paredes, na versão brasileira) na qual duas mulheres e um homem são condenados a permanecerem para sempre juntos.  É nessa peça que uma das personagens profere a frase: “O inferno são os outros”.

 

Mas: o que seria realmente o inferno?

Onde ele fica?

 

Para procurar respostas a essa questão humana, vou me ater aqui a termos e expressões que a tradição judaico-cristã consagrou para se referir ao mundo pós vida.

 

IMPORTANTE:  Esse NÃO é um artigo de doutrina cristã, ensaio teológico, ou coisa parecida.  É apenas um post de curiosidade linguística!

 

Inferno – termo de origem latina: infernum – derivados de inferus, que significa "as profundezas" ou o "mundo inferior". 
Detalhe: os romanos usavam a palavra no cotidiano como referência a um lugar abaixo, ou posto sob algo.

Sheol – transliteração do hebraico שאול.  Literalmente o lugar dos mortos, sepultura ou câmara sepulcral.
Ocorre cerca de 65 vezes no Antigo Testamento Hebraico (como no Sl 6:5).  Em geral, a versão grega dos LXX traduz por ᾅδης (Hades) e a Vulgata Latina por infernum.
Em Português, tanto Almeida como a NVI traduzem sepultura.
Em alemão, Lutero usou Hölle (inferno).  Em inglês, a KJV fala grave (cova).  E a Reina Valera em espanhol se refere a sepulcro.

Geena (AT) – da expressão hebraica גיא בן־הנם ou גיא הנם – o Vale [do Filho] de Hinom.  Um desfiladeiro em torno da Cidade Antiga de Jerusalém usado como um depósito onde o lixo era incinerado.  Atualmente o lugar é chamado de Uádi er-Rababi.
Aparece em cerca de 13 citações no Antigo Testamento Hebraico (como em Jr 7:31-32).  Sempre com referência ao ponto geográfico de Jerusalém.
Em geral, em tais textos, a versão grega dos LXX traduz a expressão como ἐν φάραγγι υἱοῦ Ἑννόμ (no desfiladeiro do filho de Hennom) e a Vulgata Latina por in valle Benennom.

Geena (NT) – no grego do Novo Testamento: γέεννα.  Há 12 ocorrências nos Evangelhos Sinóticos e mais uma em Tg 3:6 (com essa grafia não ocorre na versão grega dos LXX).
O fraseado do Evangelho (Mt 5:22), em grego bíblico, é: ... εἰς τὴν γέενναν τοῦ πυρός.  Na versão em grego moderno: ... στη φωτιά της κόλασης (aqui a palavra γέεννα é atualizada para κόλαση – inferno).
Na Vulgata Latina, as palavras são gehennae ignis.
Lutero traduziu a expressão para o alemão como: höllischen Feuers.  Em inglês lê-se na KJV: hell fire.  E em espanhol na Reina Valera: infierno de fuego.

Hades – na mitologia grega, Άͅδης era um dos irmãos de Zeus e deus do mundo inferior e dos mortos (os romanos chamavam de Plutão). 
No Novo Testamento grego o termo implica em um lugar de habitação dos mortos, ou o mundo invisível (como em Ap 20:14).
Para essa passagem, nas versões: a Vulgata Latina: infernus; a NVI em português: Hades; Lutero em alemão: Hölle; a KJV em inglês: hell; e, também em inglês, a NIV: Hades.

Tártaro – no texto de 2Pe 2:4 aparece o verbo grego ταρταρόω (somente nesse texto no NT) – "prender no tártaro".  Na mitologia grega, Tártaro era um deus primordial que personificava o mundo inferior, o lugar mais profundo e sombrio do Hades.
Na versão moderna do grego o verbo é distendido: έριξε στα τάρταρα (jogar no tártaro).  Para a Vulgata Latina: tartarum.  Lutero usou: Finsternis zur Hölle (cadeias de escuridão).

Lago de fogo – Apocalipse usa cinco vezes a expressão ἡ λίμνη τοῦ πυρός (no NT grego apenas no Livro da Revelação).  No grego moderno: λίμνη που ήταν από φωτιά (um lago que era de fogo).  A Vulgata Latina traduziu: in stagnum ignis.  Lutero também traduziu:  in den feurigen Pfuhl.  A versão em hebraico moderno diz: באגם אש (no lago de fogo).

 

Esses sãos alguns dos termos mais usados na tradição judaico-cristã para se referir ao mundo pós vida.  Num próximo post, quero explorar o que dizem crenças, culturas e mitologias de outros lugares e origens (veja no link).

 

Mas antes: não devo terminar sem citar as palavras do Evangelho:

 

“TU ÉS O CRISTO, O FILHO DO DEUS VIVO.”
... sobre esta pedra edificarei a minha igreja,
e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
(Mt 16:16-18)

 

terça-feira, 4 de abril de 2023

A DINASTIA DE HERODES

 


Uma figura importante no desenrolar das narrativas do Novo Testamento é o rei Herodes.  O nome dele, associado a eventos diversos e em datas distintas, muitas vezes causa ambiguidade nos estudantes das narrativas bíblicas, e por isso é importante fazer algumas distinções.

Considerando o século I a.C. e o seguinte na história dos hebreus (que vai do período anterior ao nascimento de Jesus até ao final do primeiro século cristão), o nome de Herodes está ligado a uma dinastia de reis que governaram em Jerusalém sob a tutela de imperadores romanos.

 

Curiosidade: O nome Herodes (em hebraico: הורדוס – em grego: Ἡρῴδης – em latim: Herodus) provavelmente deve significar "heroico" (do grego: ἥρως).

 

O primeiro deles, conhecido como Herodes, o Grande era de origem edomita e reinou entre os anos 37 e 4 a.C.  Depois de ganhar a confiança do imperador romano Augusto César, este primeiro Herodes se notabilizou por suas obras de construção (incluindo o Templo de Jerusalém) e exerceu seu reinado banhado de muito sangue e crueldade, não tendo poupado sequer filhos, mulher e outros parentes próximos (foi sob suas ordens que aconteceu a matança em Belém citada em Mt 2:16).

 

Seu primeiro filho, Herodes Arquelau esteve no trono por apenas dez anos (de 4 a.C. a 6 d.C.) e pelas suas crueldades foi levado ao exílio dando lugar ao seu irmão no trono.  No Novo Testamento ele é citado quando da volta de Jesus do exílio egípcio (em Mt 2:22).

 

O segundo filho de Herodes, conhecido como Herodes Antipas reinou entre os anos 6 e 39 d.C.  Era casado com Herodias e foi sob a influência desta que João, o Batista foi executado (confira em Mc 6:14-29).  Foi ele também que participou do julgamento e condenação de Jesus (conforme Lc 23:7).

 

O quarto nome da dinastia de Herodes foi seu neto Herodes Agripa I, que se assentou no trono no ano 41 ocupando-o até o ano 44 d.C.  Este é o rei que mandou matar Tiago, o irmão de João (no verso At 12:2) e foi ele quem morreu por não ter dado glória a Deus (conforme diz At 12:23 – só para citar: a historiografia oficial diz apenas que ele morreu de complicações abdominais).

 

Concluindo a dinastia herodiana, com a morte de Agripa I assumiu seu filho Herodes Agripa II e reinou até o ano 70 d.C., quando o general Tito, à frente de tropas romanas, invadiu Jerusalém e o destronou (foi perante ele que Paulo fez sua defesa em At 25 e 26).

 

* Em 2012 eu escrevi uma reflexão sobre o episódio da morte de Herodes Agripa (narrado em At 12) onde chego à seguinte conclusão:

 

Do embate entre Herodes e Deus, aprendo então que convém depositar minha confiança no Senhor, e não nos poderosos deste mundo, pois todos passarão enquanto a Palavra de Deus permanece para sempre.

 

Você pode ler toda a reflexão no seguinte linkEscrevinhando


Na imagem, fragmento de uma ânfora descoberta na adega do Herodium 

declara que foi comprada pelo rei Herodes.  Fotografia de Alamy/ACI. 
Fonte: nationalgeographic.pt