terça-feira, 14 de maio de 2024

O CRISTÃO E O MEIO AMBIENTE – O pecado e o meio ambiente



Em meio a todo aquele esplendor da criação, do jardim plantado pelo próprio Deus, a da responsabilidade estabelecida graciosamente ao ser humano, havia uma interdição: “não coma da arvore daquela árvore, para não morrer” (Gn 2:17).

E é importante logo compreender que a interdição divina não seria apenas uma implicação aleatória de Deus: há uma razão.  No meio daquele jardim de delícias, suprimentos e belezas, estava demarcada a limitação especial da criação.  Limitação essa que se, por ousadia, a criatura ultrapassasse recairia sobre si as consequências de sua arrogância.

A criação, embora bela e abundante, tem suas limitações – e tais limitações precisam ser respeitadas para que não se produza a morte.  Se do nada Deus criou um jardim, a arrogância humana em dispor dos recursos a ele ofertados desfaz o jardim e nos recola no caos e no nada.

A árvore do conhecimento do bem e do mal foi colocada no jardim para que o ser humano sempre estivesse atento para suas próprias limitações e para que sempre também se atentasse que os recursos naturais disponíveis não são infinitos.  E quando a humanidade rompe esse limite e tenta usar de recursos além de seus limites naturais, estará se opondo ao que Deus lhe concedeu. 

Essa arrogância no uso dos recursos naturais chamamos de pecado.  Logo, como interpretação cristã do meio ambiente, podemos afirmar que sempre que não cumprimos nossa responsabilidade como administradores do jardim, ou quando usamos dos recursos como se fossem ilimitados, estamos cometendo pecado contra Deus e seus planos.

O casal humano, contudo, cedeu à tentação e comeu do fruto proibido, desejou ir além de seus limites e usar de todos os recursos como se fossem seus, sem se atentar para as limitações (a trágica história está narrada no capítulo três de Genesis).  Então se escondeu de Deus, com se isso pudesse minimizar os efeitos de seu pecado e arrogância.

E o castigo veio de maneira inevitável: “maldita será a terra por sua causa” (Gn 3:17).  A narrativa bíblica não deixa margem para dúvidas ao reconhecer que há uma consequência ecológica dos pecados humanos, bem como ao alinhar as catástrofes no meio ambiente e no clima com resultado das ações pecaminosas de humanidade.

Mesmo que venhamos a entender que os desdobramentos do meio ambiente no planeta não possam ser atribuídos a nenhum ser humano em particular, mas a verdade bíblica é que os desmandos humanos (de toda espécie humana), em usar os recursos da natureza de maneira irresponsável é pecado e que, por isso mesmo, fere a criação dada pela graça e produz consequências para todos (entendo que Rm 3:23 pode ser lido nesse sentido).

Chegando ao Novo Testamento, lemos o apóstolo Paulo confirmando que a natureza foi submetida a inutilidade por conta das ações humana e por isso “geme até agora, como em dores de parto” (em Rm 8:19-22).  Isto é: há sempre um desdobramento no meio ambiente que reflete nossas ações, decisões e omissões pecaminosas.  E todos sofremos.

(Da Revista DIDASKAIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)

 

terça-feira, 7 de maio de 2024

O CRISTÃO E O MEIO AMBIENTE – A ordem da criação



O primeiro capítulo da Bíblia narra de maneira poética como céus e terra foram criados.  De um início sem forma e vazio, Deus foi falando e intervindo na obra recém-criada.  Assim – começando pela própria luz – toda a existência foi moldada até que nela, em meio a todo o esplendor da criação, a obra prima foi forjada: o homem e a mulher.

Então o poema conclui com a expressão do próprio Deus contemplando sua criação.  No final do sexto dia a exclamação divina poderia ser dita assim, usando nossa maneira de dizer:

– E não é que ficou muito bom!?  Ficou do jeito que eu queria!!! (Gn 1:31)

Então veio o sétimo dia, o dia sagrado, dia que o Criador reservou para si mesmo.  E “abençoou Deus o sétimo dia e o santificou, porque nele descansou de toda a obra que realizara na criação” (Gn 2:3).

Mas é a partir do capítulo dois de Gênesis que os parâmetros para a existência são formulados.  A leitura do texto nos mostra que o Senhor Deus cuidou de todo e cada detalhe para que o ser humano ali colocado desfrutasse de uma vida abundante, digna e plena de significados.  Nas palavras bíblicas: “o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, e ali colocou o homem que formara” (Gn 2:8).

No Jardim plantado por Deus, havia água e vida.  E lá se podia encontrar árvores agradáveis aos olhos e boas para o alimento (Gn 2:9).

Ou seja, na natureza criada cuidadosamente por Deus está toda a beleza e todo o sustento necessário que a humanidade precisa para viver com saúde e dignidade. 

Aqui está um princípio bíblico que o cristão precisa compreender em seu relacionamento com o meio ambiente.  Deus é o criador de tudo o que existe, e o fez com todo cuidado e atenção para que o ser humano possa viver bem.  Todos os recursos necessários para o bem estar da vida estão disponíveis na obra criada, bastando apenas se saber usar e usufruir de maneira útil e responsável.

(Da Revista DIDASKAIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)

 

quinta-feira, 2 de maio de 2024

A MORTE DOS FIÉIS



Para Deus, é como perder um olho quando um dos seus piedosos morre.
(Sl 116:15)

 

Não faz muito tempo a COVID nos fez encarar de frente o problema da morte.  Até sei que em outras épocas e culturas a morte pode ser encarada de formas distinta, mas entre nós...

De repente, se foram...

Tanta gente perto, conhecida, querida, amada, pais e filhos.

Os números no Brasil ultrapassaram a casa das sete centenas de milhares de óbitos.

O luto e a dor da perda então se mostraram tão presentes e cruéis como parece que nunca tínhamos experimentado – pelo menos em minha geração.

E entre tantos, ainda vimos partir servos leais cristãos que o vírus não poupou.

 

— Mas, como Deus deixou falecer os seus fiéis?

 

Então levei minha atenção ao texto sagrado em busca de respostas.  Só ali o próprio Altíssimo poderia oferecer explicação para uma dor tão sem sentido!

 

A citação foi quase direta: recordo de ler em quase todo obituário cristão a citação do Sl 116:15 – e geralmente na versão mais tradicional de Almeida que diz ser preciosa à vista de SENHOR a morte dos seus santos.  Como se a morte de um fiel cristão fosse algo que Deus valorizasse, e até gostasse!

 

— Será isso mesmo? Será que Deus tem prazer na morte de seus fiéis?

 

Vamos ler juntos o texto do Salmo para entendê-lo melhor.

 

Em primeiro lugar considere que esse verso é poesia, e da boa!  Então ele precisa ser lido nessa perspectiva.

No Salmo 116 o salmista começa afirmando que ama o Senhor por que ele ouve a sua voz (verso 1) e também reconhece que somente o Senhor é misericordioso para livrar a sua alma aflita (verso 5).  E se questiona como retribuir por bênçãos sem medida (verso 12).

Então, ele se dispõe a celebrar e cumprir seus votos (versos 13-14).

Mas tem um problema: a morte me envolveu com suas cordas (verso 3).  Ora, se os mortos não cantam louvores ao Senhor (considere o Sl 115:17), como louvar a Deus no silêncio da sepultura?

Aqui entra o entendimento do verso 15.  De maneira poética o salmista faz a exclamação: para Deus, perder um dos seus fiéis piedosos é como prejuízo (custa caro!) – seria como perder um olho!

 

É isso mesmo.  Na compreensão poética do salmista, para Deus, quando um fiel morre, é como se ele perdesse um adorador valioso.

Bem, posso entender que a visão do salmista sobre o Deus eterno ainda era limitada, e que na eternidade também haverá louvor ao Criador (Apocalipse é cheio dessas citações).  Mas, ele está salmodiando a certeza que, desse lado da existência, a morte de um fiel é uma perda lastimável – e o Senhor não fica indiferente a isso.

 

Ora, sobre a morte dos santos, ainda é bom citar o texto da profecia de Ezequiel onde Deus diz, literalmente: Eu não tenho prazer na morte de ninguém (Ez 38:32).

Ou seja, numa compreensão bíblica, não faz sentido Deus ter interesse na morte de seus servos, nem que isso lhe seja computado como ganho.  Pelo contrário, Deus nos criou para a vida e para isso foi que ele veio: para nos dar vida em abundância (estou citando Jo 10:10).

E mais.  Se por um lado Deus é o autor e doador da vida (vá a Gn 2:7), por outro, a morte é resultado exclusivo do pecado (considere Rm 6:23).  Como ele teria qualquer satisfação no resultado de algo que o aviltou e separou de si mesmo suas criaturas?

 

Eu creio num Deus que sofreu e chorou cada luto do COVID junto àqueles que sofreram como uma perda irreparável.  Ele recolheu tais lágrimas no seu odre (poesia maravilhosa do Sl 56:8) e os convidou de maneira amável a se acalentar em seu descanso consolador – mesmo em meio a dor – confiando que ele continua sendo bom (termino voltando ao Sl 116:7).

 

 

#1. A versão do Sl 116:15 que está lá no cabeçalho desse texto é minha, feita a partir do hebraico (sem compromisso linguístico), apenas compreendendo o seu sentido poético.

#2. Para dar base a essa reflexão, eu preparei uma Exegese rápida do Sl 116:15 que postei e pode ser acessada nesse link.