terça-feira, 25 de abril de 2023

FRIO OU QUENTE



– Como entender a citação da Igreja que não é nem quente nem fria de Apocalipse?

 

Vamos lá, vou tentar explicar:

 

A citação é da sétima e última das cartas às igrejas do Apocalipse – Carta à Igreja de Laodiceia.  Por estar incluída na relação indicada por aquele que é o Alfa e o Ômega entre os destinatários originais a quem deveria ser enviado o texto (Ap 1:11), creio não restarem dúvidas: ali era uma igreja cristã.

Tinha seus problemas – inclusive bem acentuados – mas isso não a excluiu do rol dos cristãos.

Aquela era uma igreja que se achava rica e poderosa (a cidade era assim), mas, aos olhos da fiel testemunha, não passava de uma miserável (Ap 3:17).

Também uma igreja que se sentia auto suficiente e que se bastava a si mesma a ponto de dispensar o próprio Jesus em sua comunhão (Ap 3:20).

 

Mas o Amém não desistiu dela.

 

Assim, nessa conversa, chegamos ao ponto: frio ou quente (Ap 3:15-16).

Como proposta de tradução para essas palavras, a partir do Grego – são adjetivos – eu faria com uma referência a água (talvez facilite na compreensão):

"Já que o copo d'água não está nem refrescante nem fervendo..."

 

Detalhe:

* A palavra para frio/refrescante (no Grego: ψυχρός) aparece aqui e mais na citação de Mt 10:42 apenas – ali sim: um copo de água fria.

* A palavra para quente/fervendo (no Grego: ζεστός) só aparece aqui em Apocalipse.

 

Então vamos entender o problema da Igreja de Laodiceia.

Digo logo: não tem nada a ver com fervor – ou quentura – pentecostal.  Nem com frieza espiritual

Como sempre afirmo: esse tipo de interpretação literal traz mais problemas que soluções hermenêuticas.

A reprimenda feita a Igreja ali é no sentido de eles não fazerem uma opção radical por Cristo, mas viverem uma espécie de Cristianismo insosso, meia boca, relaxado.

 

Lembre-se de que Jesus advertiu que para segui-lo era preciso ser radical em suas decisões (leia Mt 12:30).

 

Os cristãos de Laodiceia queriam um Cristianismo que não fosse nem frio nem quente, nem sim nem não, nem dentro nem fora, nem ajuntando nem espalhando. Como diriam os franceses: " À la vontê mon chéri ".

Um sal que só serviria para ser pisado pelos homens (lembro ainda Mt 5:13).

 

O compromisso com o Cordeiro que esteve morto e com seu sangue comprou para Deus todo tipo de gentes (importante em Ap 5:9) – esse compromisso requer radicalidade.

 

Ou refrescante (pois ele mesmo é nosso refrigério – Sl 23:3).  Ou fervente (sua glória sempre vai nos parecer quente como fogo – Ex 24:17).

 

E vou além.  Chego a entender que para Cristo o ideal é preservar juntas as duas características na caminhada cristã.  Ele próprio foi manso e humilde (Mt 11:29) e se viu tomado pelo zelo da santidade (Jo 2:17).

 

É a tal convite radical que ele nos convida batendo à porta. Pois em sua Ceia há vinho fresco e pão quente (marque aí Ap 3:20).

 


Leia também o livro TU ÉSDIGNO – Uma leitura de Apocalipse.  Texto comovente, onde eu coloco meu coração e vida à serviço do Reino de Deus. Você vai se apaixonar por este belíssimo texto, onde a fidelidade a Palavra de Deus é uma marca registrada. 

Disponível na AD Santos editora

 

Recomendo também que ouça uma reflexão sobre as Cartas as Igrejas no Apocalipse no YouTube


 

terça-feira, 18 de abril de 2023

DEIXA QUE EU TE DEFENDO!

 


O Instagram me sugeriu um cartum de @umsabadoqualquer, do desenhista brasileiro Carlos Ruas (reproduzo aí).  Em geral eu gosto de seu traço mesmo que, algumas vezes, eu ache que ele pega um pouco pesado.  Faz parte! – mas, tudo bem, eu não me sento na cadeira de julgador do trabalho alheio.

 

Bem, desde que vi, ontem, estou com a imagem na mente e vou aqui compartilhar um pouco as ideias que sopraram em minha mente.  Tentarei fazer isso numa certa ordem.

 

Em primeiro lugar, eu consigo enxergar muita alegria e bom humor nas páginas Sagradas da Bíblia.  Talvez alguns de seus autores seriam bons cartunistas.   Inclusive o próprio Jesus foi acusado de ser festeiro e contador de histórias – vez ou outra escancarou quão burlesca pode ser a seriedade grave dos defensores da fé, da tradição e da moral.

 

Quanto ao "pegar pesado", o humor tem mesmo essa função social e infantil de denunciar que o rei está nu (como na história de Hans Cristian Andersen).  Ao expor quão ridículas são nossas certezas e frágeis nossos pressupostos, o cômico nos força a reavaliar nossos fundamentos.

 

Detalhe UM – só se ri do que é sério!

Detalhe DOIS – não é por acaso que humor e graça sejam conceitos correlatos!

Detalhe TRÊS – em 2017 eu declarei que permaneço no fundamento.  Reli agora o que escrevi e continuo permanecendo.  Click no link para ler o texto – Escrevinhando.

 

Mas estou fugindo da charge.  E como não sei desenhar (bem que gostaria!), vou voltar às palavras:

 

Um fiel engravatado e convicto de suas convicções (ô redundância boa!) determina que Deus se recolha para trás para que ele – o paladino – possa defendê-lo (É verdade: uma imagem pode valer mil palavras).

 

E o interessante é a cara divina de espanto:

– Hein!?!?!?

 

Desde quando Deus precisa ser defendido?

E vai ser defendido de quê?

Quem deu procuração para o engravatado religioso?

A defesa inclui dogmas? Lógica? Apologética? Tribunal? Inquérito Santo?  Cruzada? Jihad? Guerra? Excomunhão?

 

Ufa!!! Até cansei!!!

 

Mas, vamos continuar pensando:

Um deus que precisa ser defendido não vale sequer assentar entre outras divindades.

Em verdade: eu não sei o que seria tão ofensivo que me exigiria ter que pugnar em defesa do meu Deus.

Também.  Se esse deus atribuiu garantias religiosas exclusivas aos engravatados religiosos de cabelo escovado, então um Deus Encarnado que come com bufões não pode compartilhar dos mesmos atributos.

 

É hilário que ainda tem uns engravatados que se prestam a esse papel.

 

E ridículo também é a diferença de tamanho entre o defensor e o defendido (e olhe que é só um cartum!)

 

Mas estou achando que o Vento que sopra como quer – e apenas se faz ouvir a sua voz – está fazendo um vendaval em minhas ideias.

 

Então, antes que me tenham por provocador, vou deixar que Deus mesmo se defenda por Sua Palavra.

E ali eu leio que a alegria do Senhor é a nossa força pois o Reino de Deus é feito exatamente dessa alegria (em Ne 8:10 e Rm 14:17).

Também vejo Jesus dando prioridade a crianças que brincam no seu Reino (compare Mc 10:14 com Zc 8:5).

No Salmo Real o poeta sacro até percebe que gentes se levantam para pelejar contra o Senhor, mas a resposta divina consiste em rir e caçoar deles (no Sl 2:4).

 

E eu não preciso defender um Deus que ri.

 

segunda-feira, 10 de abril de 2023

JESUS RESSUSCITOU

 


A encarnação, a morte e a ressurreição do Filho Unigênito de Deus são marcas característica de toda a fé cristã.  Nenhuma outra manifestação religiosa da humanidade tem em seus postulados a crença que a divindade em pessoa veio habitar entre os seres humanos, passou pela paixão, esvaziando-se até a morte para só depois retornar ao seu estado de glória eterna e devida (Paulo canta isso em Fl 2:6-11).

Na encarnação e morte Jesus se assemelhou a cada um de nós; mas será na sua ressurreição que fará toda a diferença: Ele demonstra e atesta o seu senhorio (atente para o texto de Rm 1:4).  Mas o que podemos dizer hoje sobre a ressurreição de Jesus?

Em primeiro lugar que a ressurreição é desde o princípio o tema central da mensagem cristã.  Vejamos que Paulo aos coríntios relata que o importante para os judeus era perceber sinais miraculosos, enquanto que para os gregos se fazia necessário apontar conhecimento.  Mas em nada disso está a centralidade da mensagem cristã.  O aspecto mais importante do cristianismo não está nos milagres que decorrem da fé, nem no tesouro de conhecimento social e humano que guardamos.  O principal distintivo de nossa doutrina é a afirmação e convicção de que Cristo ressuscitou (o texto aos coríntios é 1Co 1:22-23).

Observe ainda que no cristianismo primitivo, embora o fenômeno de pentecoste tenha gerado um impulso evangelístico ímpar na comunidade, o centro da pregação sempre esteve no anúncio da ressurreição.  Confira uma amostra no livro de Atos: Pedro em Pentecoste (At 2:24), Pedro do templo (At 3:15), Pedro e João diante do Sinédrio (At 4:10), Paulo em Atenas (At 17:31).

Tendo estabelecido esta constatação histórica, podemos afirmar que a certeza da ressurreição de Cristo configura-se para o crente a razão central de esperança.  E esta perspectiva é embasada no seguinte:

 

a)    A ressurreição de Cristo nos traz perdão e nos aproxima de Deus (leia 1Co 15:17).  O pecado, que nos afasta de Deus e de sua vontade e traz como consequência a morte, só é extirpado de nossa existência pelo poder da ressurreição.  Porque Cristo ressuscitou nossos pecados estão perdoados e a nossa fé e pregação é relevante.

b)    Nossa esperança também está garantida na ressurreição.  Sendo Cristo o primeiro, podemos confiar que o acompanharemos na ressurreição (continue lendo 1Co 15:20).  A morte, nosso maior e principal adversário, foi vencida por Cristo e com isso ele conquistou para nós a mesma vitória.

c)    É na ressurreição que temos enfim a razão e justificativa de nossa caminhada cristã (ainda 1Co 15:57-58).  Por que cremos na ressurreição de Cristo, podemos continuar vivendo e trabalhando como cristão em meio a este mundo porque sabemos que no fim os frutos serão colhidos para a eternidade.

 

Com esta convicção devemos então trazer sempre em nossos lábios o canto da eternidade: “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor!” (Ap 5:12).

 

terça-feira, 4 de abril de 2023

A DINASTIA DE HERODES

 


Uma figura importante no desenrolar das narrativas do Novo Testamento é o rei Herodes.  O nome dele, associado a eventos diversos e em datas distintas, muitas vezes causa ambiguidade nos estudantes das narrativas bíblicas, e por isso é importante fazer algumas distinções.

Considerando o século I a.C. e o seguinte na história dos hebreus (que vai do período anterior ao nascimento de Jesus até ao final do primeiro século cristão), o nome de Herodes está ligado a uma dinastia de reis que governaram em Jerusalém sob a tutela de imperadores romanos.

 

Curiosidade: O nome Herodes (em hebraico: הורדוס – em grego: Ἡρῴδης – em latim: Herodus) provavelmente deve significar "heroico" (do grego: ἥρως).

 

O primeiro deles, conhecido como Herodes, o Grande era de origem edomita e reinou entre os anos 37 e 4 a.C.  Depois de ganhar a confiança do imperador romano Augusto César, este primeiro Herodes se notabilizou por suas obras de construção (incluindo o Templo de Jerusalém) e exerceu seu reinado banhado de muito sangue e crueldade, não tendo poupado sequer filhos, mulher e outros parentes próximos (foi sob suas ordens que aconteceu a matança em Belém citada em Mt 2:16).

 

Seu primeiro filho, Herodes Arquelau esteve no trono por apenas dez anos (de 4 a.C. a 6 d.C.) e pelas suas crueldades foi levado ao exílio dando lugar ao seu irmão no trono.  No Novo Testamento ele é citado quando da volta de Jesus do exílio egípcio (em Mt 2:22).

 

O segundo filho de Herodes, conhecido como Herodes Antipas reinou entre os anos 6 e 39 d.C.  Era casado com Herodias e foi sob a influência desta que João, o Batista foi executado (confira em Mc 6:14-29).  Foi ele também que participou do julgamento e condenação de Jesus (conforme Lc 23:7).

 

O quarto nome da dinastia de Herodes foi seu neto Herodes Agripa I, que se assentou no trono no ano 41 ocupando-o até o ano 44 d.C.  Este é o rei que mandou matar Tiago, o irmão de João (no verso At 12:2) e foi ele quem morreu por não ter dado glória a Deus (conforme diz At 12:23 – só para citar: a historiografia oficial diz apenas que ele morreu de complicações abdominais).

 

Concluindo a dinastia herodiana, com a morte de Agripa I assumiu seu filho Herodes Agripa II e reinou até o ano 70 d.C., quando o general Tito, à frente de tropas romanas, invadiu Jerusalém e o destronou (foi perante ele que Paulo fez sua defesa em At 25 e 26).

 

* Em 2012 eu escrevi uma reflexão sobre o episódio da morte de Herodes Agripa (narrado em At 12) onde chego à seguinte conclusão:

 

Do embate entre Herodes e Deus, aprendo então que convém depositar minha confiança no Senhor, e não nos poderosos deste mundo, pois todos passarão enquanto a Palavra de Deus permanece para sempre.

 

Você pode ler toda a reflexão no seguinte linkEscrevinhando


Na imagem, fragmento de uma ânfora descoberta na adega do Herodium 

declara que foi comprada pelo rei Herodes.  Fotografia de Alamy/ACI. 
Fonte: nationalgeographic.pt