sexta-feira, 30 de setembro de 2022

POSSO TUDO

 


 

Em grego ele diz:

 

Πάντα ἰσχύω ἐν τῷ ἐνδυναμοῦντί με.

 

Numa análise dos principais termos:

 

πάντα – pronome acusativo neutro plural (πᾶς, πᾶσα, πᾶν) –
tradução literal – tudo

 

ἰσχύω – verbo – 1ª pessoa – presente indicativo ativo (ἰσχύω) –
tradução literal – eu posso, sou capaz

 

ἐνδυναμοῦντί – particípio presente ativo – dativo masculino singular – (ἐνδυναμόω)
tradução literal – eu fortaleço, faço forte

 

Então a tradução de forma rigorosamente literal (palavra por palavra) seria:

 

Tudo eu sou capaz no que me faz forte”.

 

Mas, uma boa tradução não se faz apenas assim: pingando uma palavra numa língua e respingando em outra – isso empobrece o texto, trunca o argumento e mata o sentido.

 

Então é importante observar todo o contexto em que o apóstolo Paulo disse a citação – e como ele chegou a essa conclusão.  Aqui eu chego a sua proposta de tradução.  E de início posso ver que ela é boa pois respeita o original, tanto do ponto vista linguístico como exegético.

Faria apenas uma dupla ressalva.  O termo “vencer” que você usou não está no original (embora possa chegar a ele por inferência do contexto da perícope).  Então eu o colocaria entre colchetes para preservar essa característica.

O mesmo caso se dá com o termo “circunstâncias”.

 

Então ficaria assim seu fraseado:

 

"Posso [vencer] todas [as circunstâncias] com aquele que me dá forças."

 

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

HELWYS – DEUS E O REI

 

Estava revendo aqui alguns escritos e me deparei com uma citação de Thomas Helwys (1550-1616), um advogado inglês que consideramos como um dos fundadores do que hoje chamamos de Igreja Batista.

 

... men’s religion to God is between God and themselves. The king shall not answer for it. Neither may the king be judge between God and man. Let them be heretics, Turks [that is, Muslims], Jews, or whatsoever, it appertains not to the earthly power to punish them in the least measure.

 

... a religião do homem está entre Deus e ele.  O rei não tem que responder por ela e nem pode o rei ser juiz entre Deus e o homem. Que haja, pois, heréticos, turcos ou judeus, ou outros mais, não cabe ao poder terreno puni-los de maneira nenhuma.

 

Essas palavras escritas no livro "A short Declaration of the mystery of iniquity" (publicado em 1612) expressam o posicionamento de Helwys contra a Igreja estatal na Inglaterra e o consequente poder do rei sobre a fé de seus súditos.

Na época esse era um problema sério a ser enfrentado e o texto sobre o Mistério da Iniquidade foi um dos primeiros a advogar: (1) liberdade religiosa; (2) liberdade de consciência e (3) separação Igreja/Estado – princípios que depois seriam adotados como fundamentais pelos batistas mundo afora.

 

Realmente minha pesquisa inicial – a que me levou a citação de Helwys – tinha como mote a relação atual da Igreja na Inglaterra com a mudança na coroa britânica depois de sete décadas.  Ora, o mundo agora é outro, as mentalidades e demandas são diferentes, mas tradição inglesa ...

 

E uma coisa leva a outra.

 

Então comecei a tentar dialogar com Helwys, trazendo-o do seu século XVII inglês para nosso Brasil do século XXI.

Citei inicialmente a ele que, sob sua inspiração inicial, nós batistas “compramos essa briga” e conseguimos incutir o conceito que hoje pertence ao mundo civilizado.

Eu me vi expondo a ele que depois de tanto tempo e tanta luta para fincar a bandeira da separação Igreja/Estado como causa pétrea das democracias modernas (inclusive o Brasil) ainda há tanta escaramuça.

 

Acho que ele ficou abismado quando lhe falei a que ponto chegamos!

 

Mas ele, como advogado, me trouxe a argumentação a partir de sua convicção. 

A fé de um homem é questão exclusiva dele e ninguem, nem o Estado, nem o Congresso, nem o presidente, nem fundamentalismo de direita ou esquerda cristã, nem patrulha ideológica podem determinar o que eu devo crer ou confessar.

Que haja heréticos, blasfemos, apóstatas entre os cidadãos.  Mas que ninguem seja julgado pela fé – nem pela minha fé.  Pois a nenhum poder dessa terra foi dado o direito de julgar a doutrina e o culto alheio.

 

Foi assim que Helwys observou que ele encaminhou uma cópia de sua obra sobre o Mistério da Iniquidade ao Rei James I – com dedicatória e tudo – mas, mesmo assim, acabou preso por suas convicções.

É sempre assim: “o profeta nunca ceia na mesa do rei!

 

Para então finalmente trazer a memória o que pode dar esperança.  E nas palavras do Mestre Jesus:

 

Se o Filho libertar vocês, só assim vocês vão experimentar liberdade verdadeira.
(Jo 8:36)

 

Na imagem lá em cima,
o frontispício da obra
A short Declaration of the mystery of iniquity de 1612.
Fonte: wikipedia.org

terça-feira, 13 de setembro de 2022

POR AMOR DO SEU NOME

 

No final do Século VI a.C., a ascensão do Império Babilônico derrubou o Reino de Judá e dominou toda a região.  Cinco anos depois da primeira leva, Ezequiel, filho de Buzi, o sacerdote, iniciou seu ministério profético com uma bela visão da Glória de Javé nas margens do rio Quebar onde estava exilado.   

E o que impulsionou o profeta-sacerdote Ezequiel a cumprir fielmente a missão que lhe foi imposta foi uma firme convicção de possuir a Palavra de Deus viva e eficaz em sua boca. 

A cidade haverá de cair – esta foi a ênfase da mensagem do profeta até que sua profecia finalmente se cumpriu em 587 a.C.   

Depois da queda, porém, ele ainda retomou a ênfase e voltou a falar da ruína de Jerusalém, só que então a tonalidade foi outra: o mesmo Deus que pode destruir é o mesmo Deus que sempre está pronto para reconstruir, e assim se faria com Jerusalém.   

Finalmente a Glória de Javé voltou ao Templo, e em sua conclusão apocalíptica do livro Ezequiel continuou trazendo uma mensagem e um desafio bem vivos. 

Nem as adversidades do exílio, nem a aparente incompatibilidade das funções sacerdotais e proféticas, nem o descrédito do povo, nada conseguiu afastar o homem Ezequiel de seu alvo, seu objetivo.   

Este é o principal desafio que ele lança a nós, cristãos do século XXI.  Devemos ter em mente sempre a ideia de que o Deus que em seu zelo traz punição é principalmente movido para restaurar seu povo, e o faz por amor de seu nome

 

sábado, 10 de setembro de 2022

OS 144 MIL

Para entender os 144 mil selados do Apocalipse (citados nos capítulos 7 e 14) é interessante antes dar atenção ao número em si.

A indicação do número doze aponta para eleição e mil, multidão. Daí: 12 x 12 x 1000 = 144.000.  A multidão da multidão dos eleitos.

Sobre quem seriam eles.  Inicialmente os versos de Ap 7:3-4 já apontam para os 144 mil como os selados para serem servos de Deus.  E depois do detalhamento da lista, no verso 9, lemos que a multidão é composta de "uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, de pé, diante do trono e do Cordeiro".

Sei que tem muita teoria sugerida por aí sobre essa relação dos versos 5 a 8.  Em geral eu não comento interpretações (principalmente quando elas não se baseiam numa Teologia Bíblica muito sadia).  Mas, considerando que estamos lendo Apocalipse, entendo que uma boa e coerente exegese me leva a entender a lista como sendo apenas um simbolismo espiritual que representa todo o Israel de Deus.

Assim, numa leitura mais ampla do texto, temos aqui uma marcação no Apocalipse daqueles que Deus tem separado e selado para ele mesmo: os que foram comprados pelo Cordeiro.  Isso será sempre nossa garantia.  E por isso os 144 mil selados participam do coro celestial em adoração (Ap 14:3).

 

Aproveitando: duas sugestões para ajudar nessa compreensão –
Um texto aqui do Escrevinhando link
Um vídeo do YouTube link

 


Leia também o livro TU ÉSDIGNO – Uma leitura de Apocalipse.  Texto comovente, onde eu coloco meu coração e vida à serviço do Reino de Deus. Você vai se apaixonar por este belíssimo texto, onde a fidelidade a Palavra de Deus é uma marca registrada.

 

Disponível na:
AD Santos Editora

 

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

ESCRITO NA PAREDE

No início de sua regência, o rei Belsazar (neto do grande Nabucodonosor II), resolveu dar uma festa, provavelmente para demonstrar maior glória e poder que seu antecessor, e para isso mandou buscar os utensílios que seu avô havia trazido do templo em Jerusalém, na deportação dos judeus, para neles servir o vinho (a história está narrada em Dn 5).

Enquanto a festa rolava, o inusitado aconteceu: o rei viu uma mão que escrevia umas palavras estranhas na parede!

 

‒ Que coisa será essa aí!?

 

Consultados os sábios da corte, nenhum deles foi capaz de decifrar aquele enigma.

Então, por curiosidade, aí vai o que estava escrito em aramaico, segundo o relato:

 

 

Mene (palavra duplicada no original) – com a grafia aramaica מנא (no grego da LXX: ΜΑΝΗ; e no latim da Vulgata: MANE).  Esse termo provavelmente deriva da palavra מָנֶה – uma porção ou dose; medida de peso ou monetária – geralmente em torno de 50 shekels

 

Tequel – com a grafia aramaica תקל (no grego da LXX: ΘΕΚΕΛ; e no latim da Vulgata: THECEL).  O significado exato do termo provém da expressão שקל – pesar em balança, equilibrar.

 

Parsim – com a grafia aramaica ופרסין (no grego da LXX: ΦΑΡΕΣ; e no latim da Vulgata: PHARES).  Aqui o verbo פרס (precedido da conjunção ו) que significa partir, quebrar, dividir em dois.

 

Voltando ao episódio bíblico.

O problema, contudo, dos sábios não foi linguístico.  Então essas explicações daí só servem para curiosidade mesmo.

O problema foi espiritual.  Ali estava exposta uma sentença divina e somente Daniel seria capaz de decifrar – e isso porque a ele tinha sido dada uma aptidão sobrenatural (relembre Dn 1:17).

Então o profeta do Senhor foi trazido à presença do rei e se prontificou em apresentar a compreensão espiritual daquelas palavras.  E elas eram duras:

 

‒ Ó rei Belsazar, Deus já avaliou o teu reinado e determinou o fim dele.  Porque fostes achado em falta, perderás já teu reino para teus inimigos (Dn 5:26-28).

 

E o texto bíblico conclui a narrativa do capítulo afirmando que naquela mesma noite o rei dos babilônios foi morto e o rei Dario, o medo, apoderou-se de seu reino.

 

A verdade bíblica é séria.  Deus não se deixa escarnecer (Gl 6:7).  Quando qualquer um zomba do que é sagrado, trazendo para um profano palácio aquilo que deveria estar no santuário, o próprio Senhor da história escreve sua sentença na parede.