sexta-feira, 29 de agosto de 2014

AS MARCAS DE JESUS

A partir de relatos e tradições medievais, alguns homens e mulheres dizem receber em seus próprios corpos marcas genuínas das chagas em Cristo.  Estes, por sua vida de devoção e religiosidade são escolhidos por Deus para trazerem os "estigmas" da cruz – ou no latim: stigmata.
Porém indo à Bíblia procurando nela sobre o tema, o que encontro é Paulo escrevendo aos cristãos da Galácia, já no final da epístola, quando ele diz: trago em meu corpo as marcas de Jesus (em Gl 6:17).  Na leitura da carta sagrada me parece que o apóstolo está falando de outra coisa ou que, pelo menos, aponta outro sentido e direção completamente diferente da tradição.
Paulo fala das cicatrizes no corpo – e na alma – que ele acumulou ao longo de sua vida e ministério apostólico.  Assim sendo, tais marcas não são motivo de vaidade ou arrogância; também não se mostram como peso ou motivo de lamento e nostalgia frustrante.  As marcas de Jesus são sim a evidência concreta e objetiva da alegria na humilde submissão à vontade de Deus.  Desta forma, desdobrando a compreensão das cicatrizes cristãs alegadas aos gálatas, devo entender que:
a. As marcas de Jesus são registro e testemunho da história pessoal do apóstolo.  Ao longo de sua vida e caminhada como missionário desbravador cristão, Paulo foi submetido a diversas situações dolorosas e adversas.  Tudo isso deixou profundos traços no seu próprio corpo (leia o que diz em 2Co 11:23-28).  Olhar para as marcas de Jesus em seu corpo era se lembrar de toda a trajetória por onde teve de passar, o que lhe conferia respaldo para desafiar a igreja a uma vida com Cristo (leia Tt 2:12).
b. Aquelas marcas ainda salientavam os compromissos e prioridades assumidas durante a jornada.  A vida cristã não é simplesmente fácil; exige comprometimento e que se estabeleça hierarquias de valor (note o que ele disse aos líderes de Éfeso em At 20:24).  Cada nuance e cada dobra de cicatriz no corpo gritava por si só sobre o que motivava essencialmente Paulo.  À vista delas o apóstolo tinha autoridade para conclamar a encarnar o desafio cristão (Paulo levou a sério Mt 16:24).
c. E ainda as marcas que Paulo trazia eram a salvaguarda das esperanças que o mantiveram firme – e isso está na base de toda a sua teologia e doutrina (em diversos textos como Rm 8:18; Gl 2:20; Cl 2:20; 1Co 15:14; 1Co 1:22-23; Rm 5:2).  Cada marca trazida era uma garantia que lhe foi gerada de que em Cristo, e somente nele, há verdadeira esperança (compare ainda 1Co 15:58 com Fl 1:6).  Assim, o apóstolo podia com propriedade arregimentar, conclamar e enfileirar cristãos imbuídos de compromisso e viva esperança (a expressão é de 1Pe 1:3, mas está em acordo com Paulo aqui).
Estas são as marcas apostólicas de Jesus que Paulo trazia em seu corpo.  Agora devo com sinceridade me questionar: e eu e você, que marcas trazemos em nossos corpos que testemunham nossa história com Cristo?  Nosso compromisso primário?  Nossa maior esperança?

(Reflexão publicada originalmente no sítio ibsolnascente.blogpsot.com em 19/11/2010.  Quanto a imagem que ilustra esta postagem, ela é uma reprodução de "Christ On The Cross" do italiano Michelangelo Buonarroti desenhado por volta do ano 1541 atualmente exposto no British Museum)

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