Ainda trabalhando as lições que podem ser aprendidas
a partir dos embates entre Jesus e os doutores da lei de seu tempo, é necessário
observar que o foco da intepretação dada por Jesus à Lei sempre mantinha um viés
específico: a observância às regras divinas e religiosas nunca devem se
sobrepor ao clamor pela vida humana e sua dignidade. A isso eu chamo de o princípio da
compaixão.
No episódio narrado no capítulo sete do Evangelho
de Marcos, quando os doutores da lei argumentaram pelo Corban como justificativa
para negligenciar os ditames sociais da lei – julgados por eles como secundários
– Jesus os confrontou alertando sobre o que realmente importa e quais os princípios
que devem prevalecer nas práticas piedosas.
Pessoalmente, eu entendo que nesse princípio da
aplicação da Lei divina está o cerne e o ponto mais importante daquilo que Deus
deixou normatizado para a vida humana.
Mas, vamos ler nos Evangelhos como Jesus deixou
claro esse princípio da compaixão durante seu ministério.
Certa feita, questionado por que seus discípulos
colhiam espigas num sábado, Jesus usou desse princípio da compaixão, que o Corban
fariseu não era capaz de abarcar, lembrando da narrativa do grande Davi que,
quando com fome, comeu dos pães da propiciação os quais lhe eram interditos
pela Lei divina e, mesmo assim Deus o acolheu (a narrativa original está em 1Sm
21:1-9 e a citação de Jesus em Lc 6:3-4).
Noutra vez, foi mais duro ao criticar o casuísmo
fariseus sem compaixão:
– Coitado de vocês, Escribas e Fariseus cínicos! Vocês pagam o dízimo até dos temperos, mas
negligenciam o mais importante na Lei: a justiça, a compaixão e a fidelidade. É necessário fazer isso sem esquecer o resto.
(Mt
23:23)
Ainda outra ocasião, quando questionado sobre a hierarquia
dos mandamentos, Jesus comparou o amor a Deus ao amor ao próximo (leia em Mt
22:34-40). E ainda disse mais: do cumprimento
desses dois depende toda a interpretação da Revelação Bíblica.
Destaque pode ser dado também ao sermão escatológico
que Mateus registra quando Jesus define quem estará ao seu lado no Reino citando
atitudes de compaixão aos mais necessitados em diversas circunstâncias e não por
terem praticado atos de piedade espiritual ou aderindo a ritos e credos (em Mt
25:34-40).
E é enriquecedor pontuar o argumento lembrando as palavras
proféticas de Oseias quando diz que para Deus é melhor ter misericórdia e
compaixão que oferecer culto (em Os 6:6).
Sem dúvida, fazer votos e os cumprir diante de
Deus é importante – e o Senhor valoriza.
É correto se comprometer com a sã doutrina. Obrigatório também é prestar um culto ao que
é unicamente digno. Mas o que realmente importa para se estabelecer
um relacionamento com Deus é vivenciar a compaixão por todos e cada um ser
humano: alvo preferencial do amor divino.
E que nosso compromisso com o Senhor se coadune
com o princípio divino da compaixão e nos faça amar aqueles que vemos como
demonstração sincera do amor por aquele que não vemos (faço referência a 1Jo 4:20-21).
§ Leia toda a série
de reflexões que escrevi sobre o tema do Corban – baseada na passagem de
Mc 7.
+ CORBAN – JESUS E OS RELIGIOSOS – link
+ CORBAN E O PRINCÍPIO DA ABRANGÊNCIA – link
+ CORBAN E O PRINCÍPIO DA AUTORIDADE – link
+ CORBAN E O PRINCÍPIO DA COERÊNCIA – link
+ CORBAN E O PRINCÍPIO DA INTENCIONALIDADE – link
§ Se quiser ainda
estudar mais sobre o termo Corban, eu fiz uma pequena
análise exegética e ofereço no link:
+ CORBAN – SANCTUM DONUM DEI – link