Na contestação que Jesus fez da interpretação da
Lei dada por fariseus e homens religiosos de seu tempo e de como as tradições tinham
modificado o sentido real dos Mandamentos divinos, o Mestre apontou para uma
questão central: tanto as leis morais quando as leis rituais antigas foram
dadas por Deus, mas cada uma deveria ter seu enfoque e abrangência – isso que
eu aqui chamo de o princípio da abrangência.
No episódio que estou tomando como referência (Mc
7), os fariseus tinham questionado Jesus sobre os hábitos de pureza ritual
praticado pelos discípulos e, como resposta, Jesus aproveitou para criticar o
argumento fariseu da Corban que, segundo eles, daria direito ao fiel de negligenciar
os devereis sociais e familiares se fosse para cumprir um voto a Deus.
Assim então, de acordo com esse posicionamento
fariseu, leis e rituais cerimoniais antigos moldados segundo a tradição própria,
teriam o mesmo valor sagrado diante de Deus que as Leis morais e espirituais
que regulavam a essência do relacionamento divino-humano – bem como o
humano-humano.
Vamos entender melhor esse princípio da abrangência.
Embora as leis cerimoniais tenham sido dadas por
Deus aos antigos durante sua constituição – isso é inegável – elas deveriam
cumprir apenas um papel ritual de configuração de “como” se fazer
determinadas abordagens de culto e cerimônia e não serem o “fundamento”
da celebração e culto em si.
Ou seja, a essência estava no fundamento do
relacionamento santo entre Deus e seres humanos – entre o que deveria ser
cultuado e seus servos cultuantes – e não nos ritos de aproximação e coreografia
do culto.
E para piorar, a esse conjunto de ritos instituídos
por Deus, à tradição os judeus agregaram uma série quase intermináveis de pequenos
penduricalhos legais que apenas sobrecarregavam o fiel sem nada acrescentar em
santidade e relacionamento sincero com Deus.
Essa era o Corban alegado pelos fariseus,
como conjunto de leis e tradições que atalhavam seus ofícios religiosos e
sociais.
Jesus se opôs veementemente contra tudo isso. Regras e tradições religiosas poderiam até
ser eventualmente boas – o próprio Deus se ocupou delas – mais nunca tiveram a abrangência
suficiente para trazer de volta homens e mulheres para a comunhão com o
Senhor. E esse sempre foi o objetivo das
Leis dadas por Deus aos antigos.
E nesse mesmo sentido de interpretação legal
contida na crítica de Jesus estava também a advertência sobre a preocupação de
manter a pureza exterior – visível aos homens – e descuidar do interior puro –
que é visto por Deus. Jesus chamou isso
de hipocrisia ritual de adoração (confira as duras palavras em Mt 23:25-27).
O ritual tem apenas uma abrangência exterior e, por
isso, pouco proveito espiritual (Paulo também se referiu a essa ideia em 1Tm
4:8), enquanto um coração quebrantado é sempre acolhido por Deus (leia o Sl
51:17).
O Corban e os ritos e disciplinas espirituais
não são ruins em si, mas têm uma abrangência limitada quando se tem por meta o
encontro verdadeiro e santo com o Senhor.
Que possamos focar nossa vida e experiências espirituais
não apenas nos sinais e ritos exteriores de santidade, mas naquilo que
realmente é abrangente o suficiente para nos aproximar de Deus.
Nas palavras do próprio Jesus:
‒ Bem-aventurados os que são limpos de
coração, porque serão esses que verão a Deus.
(Mt 5:8)
§ Leia toda a série
de reflexões que escrevi sobre o tema do Corban – baseada na passagem de
Mc 7.
+ CORBAN – JESUS E OS RELIGIOSOS – link
+ CORBAN E O PRINCÍPIO DA AUTORIDADE – link
+ CORBAN E O PRINCÍPIO DA COERÊNCIA – link
+ CORBAN E O PRINCÍPIO DA COMPAIXÃO – link
+ CORBAN E O PRINCÍPIO DA INTENCIONALIDADE – link
§ Se quiser ainda
estudar mais sobre o termo Corban, eu fiz uma pequena
análise exegética e ofereço no link:
+ CORBAN – SANCTUM DONUM DEI – link
Nenhum comentário:
Postar um comentário