Depois da primeira parte de nossa resenha do livro Vida em Comunhão (veja aqui - link), prossigo com a leitura.
A comunhão diária continua com a entoação de cânticos pela Igreja. O canto comunitário é a expressão da Igreja que louva a Deus como corpo de Cristo, ou seja, “no canto conjunto ouve-se a voz da Igreja. Não sou eu que canto, mas a Igreja; mas como membro da Igreja posso participar em seu canto”. Para isso, Bonhoeffer enfatiza neste ponto que o canto congregacional deve ser primariamente uníssono já que o canto artístico polifônico tende a valorizar as vozes individuais com os seus dotes e não o conjunto dos cultuantes que procuram com isso achegar-se mais perto de Cristo em suas vidas.
Vale mais a ênfase na comunidade como expressão de um único Corpo de Cristo do que qualquer outra manifestação que possa haver na comunhão diária. Além do mais, o canto em uníssono na comunidade antecipa o derradeiro canto da Igreja, já que “Deus preparou para si um único grande cântico de louvor na eternidade, e quem se junta à comunidade de Deus unirá sua voz a esse canto”.
A devoção diária matinal da comunidade irá terminar com uma oração. Será buscando a Deus em oração que o crente estará pronto para enfrentar os labores da vida cotidiana. Mas deve-se lembrar que, ainda aqui, a oração não é fruto de um individualismo, a vida em comunhão exige que sempre quem tome a palavra o faça como interlocutor de toda a fraternidade. Mesmo uma oração livre e espontânea “dentro da devoção conjunta deve ser a oração da comunidade e não da pessoa que ora”.
Agora o cristão fará diferença na vida moderna. Somente quem se encontra com Deus na devoção comunitária pode viver a vida na sociedade secularizada sem que isso lhe seja alienante e pesado.
Aqui cabem mais duas longas citações da Vida em Comunhão. Considerando que o dia do cristão será envolvido em seu trabalho secular, Bonhoeffer considera que a liturgia cristã será o único instrumental de que o fiel poderá dispor na sua lida diária, sem se perder nela. Ou seja, devoção e trabalho se somam na vida secularizada do cristão, nestas palavras:
Depois da primeira hora do dia até o entardecer, o dia do cristão é dedicado ao trabalho (...) Orar e trabalhar são coisas distintas. O trabalho não deve prejudicar a oração, nem a oração o trabalho (...) A oração também requer tempo. A maior parte do dia, porém, é dedicado ao trabalho. Sem o fardo e o trabalho do dia, a oração não é oração, e sem a oração, o trabalho não é trabalho. Isso só o cristão sabe. Assim, é na distinção clara entre ambos que se evidencia na unidade.
E pouco adiante, compreendendo o sentido de 1Ts 5:17 que diz “orar sem cessar”, ele se expressa:
Assim a oração da pessoa crente prolonga-se para além do tempo que lhe é reservado, para dentro do trabalho. Abrange o dia todo, não prejudica o trabalho, antes fomenta-o, aceita-o, empresta-lhe seriedade e alegria. Dessa maneira, qualquer palavra, tarefa ou trabalho do cristão se transforma em oração; não no sentido irreal de estar sempre com os pensamentos longe da tarefa a ser cumprida, mas no sentido real de se romper através do duro mundo das coisas para encontrar o gracioso Deus pessoal.
E Bonhoeffer conclui este capítulo acrescentando um pouco de poesia litúrgica ao dia do cristão: “o trabalho do dia chega ao fim (...) uma vez mais se reúne a família cristã. A comunhão de mesa à noite e a última devoção se unem. (...) Quando cai a noite, a verdadeira luz da Palavra de Deus resplandece com brilho tanto maior para a comunidade”.
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