sexta-feira, 26 de junho de 2020

SABEDORIA E INTELIGÊNCIA

 

O livro da profecia de Daniel narra, nos sete primeiros capítulos, a trajetória de quatro jovens judeus na corte da Babilônia - Daniel (chamado em língua local de Beltessazar), Hananias (Sadraque), Misael (Mesaque) e Azarias (Abede-Nego).

Logo no começo da narrativa os garotos são apresentados como nobres exilados, levados de Jerusalém depois que o rei Joaquim sucumbiu diante do exército de Nabucodonozor.

Mas o rei conquistador tinha planos para os deportados: incutir neles a cultura, a religião e os hábitos babilônico, fazer deles típicos colonizados - uma recorrente relação de dominação cultural e etnocentrismo, de metrópole e colônia, de racismo e subjugação ideológica.

Aconteceu porém que os quatro heróis decidiram não se conformar com as práticas impostas.  Criado o impasse, os jovens conseguiram uma brecha de dez dias para provar que seu modus vivendi - ou Jewish way of life - apresentaria resultados mais expressivos.

Com um prazo tão curto, a intervenção divina fez toda a diferença.  E o texto sagrado diz: "A esses quatro jovens Deus deu sabedoria e inteligência para conhecerem todos os aspectos da cultura e da ciência" (Dn 1:17 - é interessante continuar lendo até o verso 20).

Se a intenção era capacitar os jovens com as artes e ciências daquela terra, foi-lhes concedida sabedoria e inteligência celeste.  Perspicácia, tirocínio, razão, ciência, intelecto; tudo isso e muito mais cedido de graça por aquele que tudo sabe e tudo conhece (lembro o hino de louvor em Rm 11:33-36 que louva o Onisciente).

Agora, me permita descrever a sabedoria e inteligência que foi dada aos jovens nobres, vinte e quatro séculos atrás, com modos de hoje.  Acho que assim fique melhor de entender.

Depois de se submeterem não ao capricho de um governante temporário, mas àquele que eternamente tudo define, os jovens passaram a dominar também o método, os critérios, os pressupostos e ditames de todo conhecimento científico.

Eles se tornaram versados em ciência pura.  Matemática, física, astronomia, mecânica quântica, química.  A formação e interação de elementos e forças.  Os tempos, os espaços e as sequências.  O Cosmo e o átomo.  O macro e o micro.

Eles dissecaram as ciências da vida.  Bioquímica, botânica, farmacologia, anatomia, ecologia, genética.  As enzimas, os ácidos e as células.  A fotossíntese, os instintos e a reprodução. A bio, a gaia e o zoo.

Eles compreenderam os meandros das ciências humanas.  Psicologia, sociologia, linguística, história, direito, geopolítica, antropologia.  A mente, a alma e seus contornos e cores.  As sociedades e seus mecanismos.  Os impulsos individuais e as pressões coletivas.  O meu e o nosso.

Mas também percorreram as trilhas do saber.  Filosofia, arte, epistemologia, literatura, metafísica, ontologia.  O pensamento e a lógica.  A sabedoria e a erudição.  A ética e a estética.  O belo e o correto.

Então eu, olhando aqueles doutos jovens, posso me ver chegando a duas conclusões.

Primeiro.  A verdadeira piedade cristã se opõe diametralmente ao obscurantismo intelectual.  John Stott já dizia que crer é também pensar.  Fé e ciências precisam ser parceiras e nunca adversárias.

É claro que sempre haverá aqueles momentos nos quais vou concordar com Agostinho que dizia: crede, ut intelligas - "creia para que possa entender".

Segundo.  Quando não consigo entender um determinado postulado ou enunciado eu não devo simplesmente relegá-lo a ignorância nem a detratação.  O entendimento joanino de investigar os espíritos, entendo que pode ser estendido para aqui (cito 1Jo 4:1).

Também é bom observar que Tiago instrui a quem não tem sabedoria que peça a Deus que ele dá liberalmente - como fez com os jovens judeus (a referência é Tg 1:5).

E acrescento uma terceira mais, fazendo minhas as palavras de Paulo: comam, bebam, creiam e aprendam; mas façam tudo para a glória de Deus (1Co 10:31).

 

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