Desde o
início, os batistas partilharam com os vários grupos insatisfeitos com o
protestantismo e com os separatistas, os insatisfeitos da Igreja da Inglaterra,
a rejeição de um clero. Isto é o que se
chama “a doutrina do sacerdócio universal de todos os salvos”. Num certo sentido, não temos sacerdotes entre
nós. Isto no sentido de alguém com mais
acesso a Deus do que os demais. Noutro
sentido, todos somos sacerdotes porque todos temos acesso a Deus, sem
necessidade um mediador humano.
O
pastor não é um sacerdote. Sua oração
vale tanto, aos olhos de Deus, como a oração do zelador da igreja, desde que
este seja crente. A oração do crente é
ouvida por causa da graça de Deus, da mediação de Jesus e da intercessão que o
Espírito faz por nós, junto à Trindade. A
identidade batista é fortemente marcada por esta concepção teológica: o
sacerdócio universal de todos os salvos, em conseqüência do livre acesso que todos
nós temos à presença divina.
No
entanto, esta doutrina tão valiosa está sendo diluída em nosso meio. Isto sucede por causa do entendimento de que
temos um clero e um laicato. Todos nós
somos ministros, pois todos somos servos.
E todos somos leigos, porque todos somos povo (é este o sentido da
palavra “leigo”, alguém do povo). Não
temos clero nem laicato, como batistas. Somos
todos ministros e somos, todos, povo. Mas
isto tem sido esquecido, porque, cada vez mais, a igreja mergulha no Antigo
Testamento e não no Novo. Usamos os
termos do Novo com a conotação do Antigo.
Muita gente prega o Antigo Testamento sem analisá-lo pelo Novo
Testamento. Assim, o pastor do Novo
Testamento passa a ter a conotação do sacerdote do Antigo Testamento. É o “ungido”, o detentor de relação especial
com Deus que os outros não têm. Só ele
pode realizar certos atos litúrgicos, como se fosse o sacerdote do Antigo
Testamento. Por exemplo, batismo e ceia
só podem ser celebrados por ele. Assumimos
isto, mas não é uma exigência bíblica. Convencionamos
isto.
No meio
carismático isto é mais forte. Os
pastores tornam a igreja dependente deles.
Só eles têm a oração poderosa, a corrente de libertação só pode ser
feita por eles e na igreja, só eles quebram as maldições, etc. O sentido teológico do sacerdote hebreu
permeia o sentido teológico do pastor neotestamentário. Isto convém ao pastor neopentecostal. Ele se torna um homem acima dos outros,
incontestável, líder que deve ser acatado.
Tem uma autoridade espiritual que os outros não têm. Ele tem uma linha vermelha com Deus. Ora, se há algo que aprendemos sobre a
liderança nos dois Testamentos, é que o Antigo elitiza a liderança e o Novo a
democratiza. Para o neopentecostal, o
Novo Testamento, a mensagem da graça e a eclesiologia simples, despida de
objetos, palavras e gestual sagrados não são interessantes. Assim, ele se refugia no Antigo Testamento. Por isso há igrejas evangélicas com castiçais
de sete braços e estrelas de Davi no lugar da cruz. Outras desfraldam a bandeira de Israel (e
omitem a brasileira), guardam festas judaicas, e têm incensários em seus salões
de cultos. Há evangélicos que parecem
frustrados por não serem judeus. A
liturgia pomposa do judaísmo é mais atraente e permite mais manobra ao líder que
se põe acima dos outros. E com isso, os
membros da igreja são os ajudantes do obreiro.
Em
Portugal, um diácono, conversando comigo, queixou-se da mentalidade católica
infiltrada nas igrejas batistas. O
pastor era um sacerdote e os diáconos, seus coroinhas. No meio neopentecostal, parece que o pastor é
um executivo espiritual e os membros, os pagadores de contas. Lutero tentou apagar o conceito católico de
que a Igreja era a liderança, o clero. Para
ele, igreja era o povo e não a instituição, representado por seu clero. Ele não gostava da palavra kirche para
igreja, porque enfatizava a instituição.
Preferia gemeinde, que dá a idéia de comunidade. Ele queria a ênfase no povo. O povo é a igreja e o povo é sacerdote. Não há pessoas credenciadas para terem mais
acesso a Deus, em detrimento de outras. Não
há sangue azul espiritual nem uma plebe espiritual. Deus trata seus filhos por igual, por causa
da pessoa de Jesus Cristo
Tudo
isto pode ser resumido no expediente de um boletim de uma igreja batista dos
Estados Unidos. Lá constava: “Ministros
da Igreja: todos os crentes. Auxiliar
dos ministros: o Pastor da Igreja”. Deus
não deu a tarefa de fazer a obra aos pastores, a não ser a tarefa de serem
pastores. A tarefa de fazer a obra foi
dada à Igreja como um todo. E o Espírito
foi dado a todos e não apenas aos pastores.
Extraído de uma palestra preparada pelo
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013)
para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.
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