Gostaria
de pensar um pouco sobre a relação entre a Bíblia e a Filosofia em
Tertuliano. Serão considerações
rápidas. Tertuliano teve uma formação
acadêmica e filosófica invejável na cidade de Roma e mesmo quando aceitou o
cristianismo manteve sua mente filosófica, quer na maneira de argumentar, quer
aproveitando as citações da Filosofia.
Tertuliano foi por formação advogado mas em nenhum momento descuidou do
mundo filosófico. Se ele pôde ser um árduo
defensor da verdade cristã, ele o foi porque usou todos os recursos que tinha à
mão, inclusive da Filosofia da sua época.
Em dois
momentos específicos Tertuliano demonstra conhecer profundamente a Filosofia e
a cultura latina clássica e contemporânea sua.
Em De Præsc. XXXIX ele cita
Virgílio e Ovídio, mas o faz como uma espécie de ponte entre as idéias dos seus
adversários e as das Escrituras. Nesta
passagem, para Tertuliano, o que os hereges fizeram foi apenas mutilar as
Sagradas Escrituras como o fizeram os remendões poéticos com os autores
clássicos. O outro exemplo é na
exortação aos mártires, que Tertuliano faz um paralelo entre os preceitos do
Senhor em Mateus e os fatos da história recente e da Filosofia
greco-romana. Aqui o objetivo é
claramente fazer sobressair o texto bíblico sobre a própria Filosofia (cf. Ad. Mart. IV : 1). Em ambos os casos Tertuliano usa a Filosofia
somente com o objetivo de fazer provar seu ponto de vista. Não vendo assim um valor normativo de
verdade, Tertuliano usa a Filosofia
somente por ser rica em exemplos que podem ser usados para ilustrar seus
argumentos.
Mesmo
usando do recurso da Filosofia, Tertuliano não consegue aceitar a hermenêutica
filosófica pois ela é a mãe das heresias
(De Præsc. VII). Em todos os seus argumentos contra os hereges
este ponto se mantém inalterado para Tertuliano: os hereges apresentam uma
leitura diferente do texto bíblico exatamente porque deixaram o caminho da
igreja e deram ouvidos aos filósofos, ou seja, ouvir Platão, Epicuro ou
Aristóteles implica em não ouvir Jesus e Paulo.
A questão levantada por Tertuliano é a seguinte: que haverá de comum entre Atenas e Jerusalém? entre a Academia e a
Igreja? entre os hereges e os cristãos?
Para Tertuliano, Filosofia e cristianismo sempre que se casaram tiveram
como resultado a heresia.
Mas
Tertuliano não tem como negar que alguns pressupostos filosóficos se alinham
com as verdades cristãs. Por mais que a
Filosofia esteja na gênese da heresia, na própria Filosofia encontramos muitos
pontos em concordância com os princípios cristãos. Para Tertuliano, neste caso, mesmo que assim fosse, as divinas Escrituras
são muito anteriores aos livros profanos (De Test. Animæ V). A
comparação aqui é especificamente entre os textos do Antigo Testamento e dos
gregos clássicos. O motivo alegado para
a superioridade dos primeiros sobre os últimos é simplesmente cronológico. Se há alguma concordância entre a Bíblia e a
Filosofia é porque os gregos copiaram algumas verdades dos judeus e
reproduziram-nas na sua Filosofia. Sendo
assim a Filosofia só vem comprovar posteriormente o valor da verdade cristã já
provado a princípio pelos judeus.
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