quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

JÁ É 2025

 


Eis que de repente eu acordei e me dei conta que já é 2025.  Um quarto do Século 21 já se foi.  Então eu também me dei a liberdade de deixar escorrer as ideias, as noções de tempo, as buscas e lembranças, as proporções e projeções...  e será que não vi o tempo passar?

 

Veja só! 

Em termos matemáticos – números somente – já estamos tão longe do ano 2000 quanto de 2050!  Ou seja, a virada do século já vai ficando distante a ponto de a metade do presente século está bem ali, ao alcance das previsões.

E aplicando o mesmo coeficiente, voltando do ponto do ano 2000, apontaremos ao ano 1975.  Pessoalmente não me lembro de muita coisa: sei que estudava no Americano Batista aqui em Aracaju, fazia o fundamental (na época era chamado de primário).

...  e já se vão 50 anos!

 

E daí eu cresci ouvindo previsões impressionantes sobre o distante ano 2000.  Falavam de carros voadores, computadores inteligentes e outras maravilhas de tecnologia e ciência.  Mas também nos assustavam com expectativas terríveis e apocalipses de fim de mundo – além do bug do milênio.

E tinha os comunistas que comiam criancinhas (o pior é que ainda tem gente, 50 anos depois, que continua acreditando nestas bobagens!).

Eu desconfio que essa geração “redes sociais” nem pode mensurar como foram aqueles anos.

E, aproveitando, eu já postei uma relação de previsões que o Século 20 produziu sobre o fim do mundo – vá lá no link para dar uma conferida.

 

Mas a verdade é que o tempo passou, o ano 2000 chegou e se foi.

Depois dele, vi pela televisão a queda do World Trade Center em 2001 e a operação Tempestade no Deserto sob o pretexto mentiroso de química no Iraque (sobre o 11 de setembro já tinha decidido não falar – confira no link). 

E mais para esse tempo, vivenciei a famigerada COVID-19 (aqui sugiro duas leituras: a. Salmo Fúnebre para 2021 – no link – e b. Ponto Retorno – no link).

 

Novamente: o tempo continuou passando.  E já é 2025!!!

 

O tempo insiste em ter essa característica:  independente de nossa vontade ou expectativa, ele continua passando.  Mais lento ou mais rápido. Com tédio ou adrenalina.  Trazendo boas ou más lembranças.  O tempo continua implacável e passando.  Assim, de 1975, transcorremos para 2000, e agora já é 2025.

Mais uma vez aproveitando: já refleti sobre as instruções de Jesus sobre a ansiedade do tempo, no artigo “O Reino: Ansiedade, Divisão e Soma” – recomendo a leitura no link.

 

Sei que hoje, como sempre no passado, homens e mulheres gostam de se lançar à atividade de imaginar e prever o que será dos próximos 25 anos – logo ali quando chegarmos a 2050. 

Eu realmente não sou desses.

Então, começando mais esse novo ano – agora já é 2025 – quero continuar meu simples projeto cristão de prosseguir mirando em Jesus, pois somente ele é o fundamento e o padrão da minha fé e a garantia que nos chama em direção ao prêmio eterno (mantenho em minha mente as citações de Hb 12:2 e Fl 3:14).

 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

O SACERDÓCIO DE MELQUISEDEQUE


 

O patriarca – ainda chamado de Abrão – empreendeu uma campanha para libertar seu sobrinho Ló e, ao voltar após a vitória, encontrou-se com o rei de Sodoma e com Melquisedeque, descrito como rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo – sem informações genealógicas, ligações etnográficas, nem política ou coisa parecida, mas como um adorador do Deus do Alto.

Aqui, o texto no Livro de Gênesis (14:18-20) é bastante resumido, mas, mesmo assim, pode trazer lições importantes.  Em outras palavras, o fraseado apenas nos oferece “migalhas” de informações, mas podemos segui-las para chegar a verdades e lições relevantes (eu estou me lembrando do conto de “João e Maria”).

Seguindo o texto com suas migalhas de apontamentos:

No Vale do Rei, Melquisedeque recebeu Abrão com pão e vinho.  Segundo as tradições do Oriente, essa seria uma forma honrosa de receber um herói ou guerreiro vitorioso.  Com certeza ali nenhum deles tinha noção de que esse oferecimento poderia servir como um referencial para o pão e vinho que viria a simbolizar a oferta pascal de Jesus na última Ceia (1Co 11:23-29).

Próxima migalha: o sacerdote/rei pronuncia palavras de bênção para Abrão pelo Deus Altíssimo, criador de céus e terra.  O Deus que habita nas alturas e está sobre toda forma de autoridade, entidade, divindade ou crença é quem fecunda as suas bênçãos ao patriarca.

E à bênção seguem as palavras de adoração ao Altíssimo, reconhecendo que todo e qualquer sucesso e vitória se devem unicamente a ação divina.

 

E o Deus das Alturas seja louvado
[pois é ELE] quem entrega em tuas mãos os teus inimigos.
 (Gn 14:20).

 

Depois da bênção, Abrão lhe oferece o dízimo.  Essa também é uma migalha espiritualmente relevante.

Na sequência da leitura do texto, o rei de Sodoma indica que Abrão fique com todos os despojos da guerra.  E, embora fosse do patriarca por direito de guerra, ele se recusa a tomar posse do espólio (Gn 14:21-24).

Então, é com essa percepção que Abrão entrega a décima parte do que seria dele por direito a Melquisedeque.  Tal atitude é um reconhecimento explícito de inferioridade: ao ofertar o dízimo, Abrão estava atestando que o sacerdote do Altíssimo lhe era superior. 

A humildade sempre convém a quem oferta!

 

E essa atitude me leva então ao texto de Hebreus no NT.

 

O tema central do texto aos Hebreus é a superioridade de Cristo – desde as primeiras expressões, quando ele compara as palavras dirigidas aos profetas com o que Deus falou pelo seu Filho (Hb 1:1-4).

Assim é que, comparando o sacerdócio levítico da antiga aliança com a oferta própria e voluntária entregue por Jesus Cristo estabelecendo uma nova aliança (Hb 7:22), essa nova aliança é incomparavelmente maior e melhor.

O argumento é o seguinte:  quem abençoa é mais importante do que aquele que é abençoado (confira Hb 7:7).  Ora, se Melquisedeque abençoou Abraão e dele recebeu o dízimo é porque sua ordem sacerdotal é superior à do patriarca, e, logicamente, dos seus descendentes (os filhos de Levi). 

Da mesma forma, a antiga aliança baseada na Lei mosaica (descendente de Abraão) é inferior à nova aliança feita em Cristo (da ordem de Melquisedeque). 

As ofertas trazidas aos sacerdotes levitas eram transitórias, incompletas e fadadas a se encerrar para serem suplantadas pela oferta definitiva, perfeita e superior apresentada por Cristo.

Compare mais: os levitas da antiga aliança eram filhos de Arão – de onde vem seu sacerdócio.  Jesus, por sua vez, como Filho de Deus, foi estabelecido por Deus mesmo como o Sumo-Sacerdote na ordem de Melquisedeque (Hb 5:10).

E mais: se os pecados na antiga aliança eram lavados periodicamente pelo sangue das ofertas, Hebreus nos diz que Cristo a si mesmo se ofereceu a Deus como sacrifício perfeito.  Assim, o sangue de Cristo – sacerdote da ordem de Melquisedeque – trouxe purificação às pessoas por dentro, tirando as culpas, para que pudessem servir ao Deus vivo (Hb 9:12-22).

Por isso, o Texto Sagrado conclui que Jesus Cristo é digno de maior gloria do que Moises (Hb 3:3).

 

Na imagem lá em cima: um mosaico representando os personagens Abraão e Melquisedeque na Capela de São Marcos em Veneza / Itália (concluída no Século XVII).

 

Você pode ver uma análise exegética rápida sobre o personagem Melquisedeque no artigo MELQUISEDEQUE– o personagem (link aqui).

 




Sugiro a leitura de um ensaio sobre o livro de Hebreus que pode ser encontrado no meu livro ENSAIOS TEOLÓGICOS

 Disponível no:

Clube de Autores
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Conheça também outros livros:
TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
DE ADÃO ATÉ HOJE – Um estudo do Culto Cristão
PARÁBOLA DAS COISAS

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

MELQUISEDEQUE – o personagem

 

Aproveitei sua sugestão para fazer uma pesquisa sobre esse personagem interessante citado na narrativa bíblica.

 

Antes: era uma pessoa real ou não?

A minha resposta direta é que se trata de um personagem bíblico – isso para mim é suficiente para dar crédito a sua narração.  Quantos aos detalhes biográficos e figurativos: esses nem a própria Bíblia nos fornece indicações seguras – o autor aos Hebreus diz que “nada se sabe sobre seu nascimento e morte” (Hb 7:3).

Eu já ouvi por aí alguns comentadores falando sobre Melquisedeque não ser um personagem histórico – mas também já li coisa parecida de vários outros.  Repito: é bíblico, e isso quer dizer que olho para ele com filtro teológico e não histórico-científico.

Quanto a tipologia (ou prefiguração): vários rabinos judeus se referem a ele como uma referência a Davi – por ser rei/sacerdote de Salém.

Também diversos autores cristãos o comparam a Jesus – principalmente baseado na interpretação do texto aos Hebreus (embora não esteja explícito ali).

 

Vamos ver o que o texto original tem a nos dizer:

No AT (em Gn 14:18-20), Melquisedeque aparece na narrativa de Abraão quando o patriarca, depois de ter vencido alguns reis canaanitas, encontrou-se com ele, foi saudado com pão e vinho e este o abençoou pelo Deus Altíssimo.

Seu nome em hebraico – מלכי־צדק – significa literalmente Rei de Justiça ou Rei de Retidão.  A LXX em grego transcreveu como Μελχισέδεκ – mesma grafia usada em Hebreus no NT.  E a Vulgata em latim usou Melchisedech.

Ele é citado como sendo rei de Salém (מלך שלם).  Sobre o ponto cartográfico, a cidade também é de localização incerta.  Porém o mais provável, por toda a base tradicional e convergência geográfica, é que se trate de uma forma arcaica do nome da cidade de Jerusalém (ירושלם).  Pista: o Sl 76:2 usa mesma grafia hebraica de Gn 14:18 para se referir à cidade edificada sobre o Monte Sião.

Davi faz outra única referência a ele no AT: no Salmo messiânico que diz do juramento de Deus sobre a “ordem de Melquisedeque” (Sl 110:4).  Entendo que foi daqui a inspiração do autor aos Hebreus no NT, pois esse Salmo é citado em Hb 7:17-21).

Também importante: Melquisedeque é o primeiro personagem bíblico a ser reconhecido como “sacerdote de Deus Altíssimo” (כהן לאל עליון – Gn 14:18).  Mais uma vez, subsídio para o argumento de Hebreus.

No NT, Melquisedeque só é citado pelo autor aos Hebreus, no argumento comparativo entre o sacerdócio levítico e o ministério de Jesus (o argumento começa no final do capítulo quatro, em nossas edições, e a primeira citação do seu nome vai aparecer no verso Hb 5:6).

Detalhe: para o autor aos Hebreus, Melquisedeque não era o próprio Jesus aparecido numa “cristofania” prévia, mas alguém da mesma ordem sacerdotal e parecido com Melquisedeque (confira Hb 7:15).

Mais uma curiosidade: Flavio Josefo faz referência a Melquisedeque em seu livro Antiguidades apenas como “rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo, que viveu nos dias de Abraão” – e nada mais!

 

 

Veja no artigo O SACERDÓCIO DE MELQUISEDEQUE uma leitura bíblico-teológica sobre esse personagem fascinante (link aqui).

 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

SOBRE DONS E MINISTÉRIOS



A distribuição dos dons espirituais é administrada pelo próprio Espírito que os outorga conforme sua vontade e querer.  No estudo dos textos bíblicos, porém, podemos entender que tal distribuição não se dar de forma aleatória e despropositada – como se atendesse apenas ao “capricho” divino.

Primeiramente, contudo, é preciso ser notado que a manifestação de dons não está ligada a graus de santidade.  É obrigação de todo e qualquer cristão buscar ser santo (1Pe 1:16) e que o processo de santificação nos leva à gloriosa experiência de contemplar o Senhor (Hb 12:14) – não ao crédito de dons.

Para explicar sobre como os dons funcionam na igreja, o apóstolo Paulo usou a ilustração do corpo, afirmando que a igreja é o Corpo vivo de Cristo (1Co 12:27).  E assim deve funcionar.

Com esse entendimento, podemos compreender que Deus mesmo começa identificando os problemas específicos da igreja, suas faltas, carências e necessidades sociais, físicas e espirituais que precisam ser sanadas.  Porque Cristo tem profundo amor por sua igreja, ele sempre está cuidando para que seu funcionamento, vida e relacionamentos sejam saudáveis.

Tendo identificado as necessidades da igreja, o Espírito então capacita os seus membros (apóstolos, profetas, mestres etc. – 1Co 12:28) com habilidades espiritualmente distintas. 

Assim a distribuição de dons em meio a uma congregação de fé se dá a partir do reconhecimento da necessidade daquela comunidade em suprir as suas carências.  Isso nos leva a entender que uma igreja como a do Corinto – abarrotada de problemas espirituais e morais – precisou ser abastecida de diversos dons para que fosse então restaurada.

Prosseguindo então nessa compreensão: depois de concedidos os dons – que são as capacitações espirituais para as tarefas – o próximo passo é coloca-los em prática para proveito da própria igreja.  Esse é o momento quando o dom se transforma em ministério.  O dom em si, sozinho, tem pouco proveito espiritual, mas quando ele é posto em ação transforma-se em ministério.

Então o Corpo de Cristo é edificado e todos juntos caminham em direção à maturidade, que é atingir a medida da plenitude de Cristo (Ef 4:11-14).

Essa é a sequência: primeiro Deus identifica as carências; depois o Espírito distribui dons como capacitação espiritual para as tarefas; os dons recebidos, uma vez postos em prática para o proveito da igreja, fazem acontecer os ministérios; e então toda a igreja é edificada e cresce em Cristo.

(Da Revista DIDASKAIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)

 

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

QUANTO A NOÉ E SEU TEMPO

 

Começando pela circunstância da história original.  Os capítulos 1 a 11 do Livro de Gênesis narram o que os especialistas chamam de pré-história bíblica.  Ou seja, ali nós temos a narração de fatos e eventos que irão montar a cena para o chamado de Abraão.

Nesse contexto, Noé é apresentado como um personagem que – com sua fidelidade – tornou-se o elo para a recriação da humanidade (uma espécie de "restart").  Então é mais importante compreender suas lições que se apegar a detalhes.

 

Assim, alguns pontos vão me chamar a atenção:

 

# 120 anos – ou três gerações – não deve ser um número a se contabilizar aritmeticamente.  Na Bíblia os números não representam quantidades a serem somadas, mas indicam conceitos a serem compreendidos.  Assim, aqui entendo que o texto se refere a um tempo bastante longo entre o chamado de Noé e as águas caírem, dando bastante oportunidade para que homens e mulheres se reposicionarem em sua relação com Deus e sua criação. 

Isso deve ser também lição para nós.  Deus continua dando bastante tempo para que cada indivíduo – e para a coletividade – se volte para o projeto original do Criador (Pv 23:26 faz um apelo nesse sentido).

 

# Ainda falando sobre o tempo.  Deus é eterno, e nós históricos.  Então, do ponto de vista de Deus, quanto tempo tenha que passar é irrelevante.  O Senhor sempre está no tempo e no momento certo.  Nós é que precisamos nos ajustar a ele.

Deus continua dando oportunidades para todos os seres humanos.  Não se deve confundir o tempo em que Deus estende a sua misericórdia (o texto de Pedro fala em um Deus longânime) com uma inatividade divina (marque aí Is 55:6-7).

 

# Sobre os que foram salvos pela arca:  também não penso em questão de números: foram salvos todos os que creram na mensagem e entraram na arca.

A verdade bíblica é que não é desejo divino que ninguém se perca.  Vou insistir:  Deus não queria que aquela geração rebelde se afogasse, mas que voltasse para ELE (Ez 18:32 me dá base nessa compreensão).

 

#Importante.  Estamos na época da graça.  O apóstolo sabia disso.  Então o texto está dizendo que, se no tempo de Noé Deus deu chance para arrependimento, quanto mais agora, depois que Cristo morreu por nossos pecados, ELE nos dará muito mais oportunidades para o aceitar.

 

# Quanto à por que não se arrependeram.  A humanidade sempre teve inclinação para a maldade.  Infelizmente isso é primazia da agora!   O profeta Jeremias responde com a seguinte reflexão: "O coração humano é mais enganoso que qualquer coisa e é extremamente perverso" (Jr 17:9).

 

# Ainda sobre os tempos de Noé.  O próprio Jesus comparou a sua próxima vinda com os dias do dilúvio que pareceu repentino e inesperado para alguns – embora já se estava predizendo a sua chegada a muito tempo.

Isso deve servir de alerta para todo cristão (leia Lc 17:26-27 e Mt 24:37-39).

 

# E lembre-se: A salvação eterna é questão individual e é verdade que Deus enviou seu Filho Unigênito para todo aquele nele crer tenha a vida eterna (citação explícita de Jo 3:16).

 

terça-feira, 26 de novembro de 2024

DIVERSIDADES DE CRENÇAS E CRISTIANISMO PLURAL

  


A modernidade trouxe diversas mudanças nos padrões humanos e sociais, mas não fez refrear o espírito religioso.  Homens e mulheres continuam na busca pelo encontro com o transcendente que lhe dê sentido à existência.

Uma das características que o tempo da modernidade nos trouxe foi a valorização das liberdades individuais, inclusive religiosas.  Liberdade de poder escolher de modo individual, responsável e desimpedido a religião que se pretenda abraçar – e seguir seus preceitos e ditames – sem que ninguém lhe imponha e nem que isso cause constrangimento de qualquer espécie.

Distendendo essa compreensão, a religião moderna pode ser pessoal ou social, institucional ou intuitiva, moral ou libertina, animista ou racionalista, tradicional ou inovadora, materialista ou espiritualista (inclusive podendo mesclar e somar fatores diferentes num mesmo conjunto de culto e reverência).

Já não há mais a busca pela verdade única, universal e inquestionável – verdade essencial – uma vez que nesse contexto toda possibilidade pessoal de verdade deve ser aceita e não sofrer discriminação.  Todas a verdades e crenças passam a ser válidas, não cabendo a nenhuma autoridade estatal ou eclesiástica, normatizar sobre o que se pode crer ou a quem se cultuar.

Mais: nesse contexto de pluralismo religioso e de fé fluida em que qualquer doutrina pode ser aceitável e ajustável, a troca de doutrina passa ser visto como algo natural e socialmente aceito – e pode-se mudar de fé quantas vezes julgar adequado.

Assim, agora migra-se de religião e de comunidade de fé como quem troca o recheio do sanduíche na lanchonete da esquina.  Adere-se a nova formulação espiritual como quem opina sobre o último modismo ou tendência.  Negocia-se com a doutrina como quem escolhe um produto no supermercado.  Fala-se de sacerdotes como quem fofoca sobre um pop star. 

 

Quando olhamos para nossa fé cristã hoje, a situação não parece ser muito diferente.  É verdade que nunca existiu um cristianismo unificado – nem nos tempos da igreja primitiva.  A igreja sempre soube preservar as suas verdades e doutrinas essenciais e deixar as questões secundárias abertas à pluralidade.  Lembre-se da reprimenda do apóstolo aos coríntios sobre as divisões na igreja e que eles deveriam reconhecer que, mesmo com as diferenças, seria imperioso todos seguirem a Cristo (em 1Co 3:1-9).

É importante também aqui lembrar que entre os grandes princípios batistas que nos norteiam desde o nosso início está a defesa da liberdade de opinião e de culto.  Nas palavras do Pr. Isaltino Coelho: “toda e qualquer intolerância, seja racial, social, religiosa, ideológica ou política deve ser rejeitada por nós”.

Então seria natural que diversas igrejas cristãs fossem estabelecidas com ênfases distintas.  Há denominações mais conservadoras, autoritárias e hierárquicas como também grupo mais liberais e comunitários.  Grupos cristãos dão mais atenção ao estudo bíblico, outros buscam experiências místicas, ainda outros priorizam as expressões de louvor e culto, e outros focam seu ministério nas inserções e cuidados sociais.  Todos, porém, devem reconhecer os valores e princípios básicos que nos fazem seguidores de Cristo.

Mas o tempo em que vivemos tem levado essa liberdade a um ponto de ruptura dentro do cristianismo.  Hoje qualquer líder ou influencer prega seus conceitos e interpretações e se apresentam como os paladinos da verdade e defensores da liberdade de expressão e culto, fundando suas comunidades (locais ou virtuais) e se oferecendo como mais uma opção de fé dentre as demais modalidades de vida e fé cristã.  E o que seria uma virtude cristã – a capacidade de dialogar com o diferente buscando os valores essenciais – passa a se conformar como uma quebra da unidade.

 

Nesse contexto, que nossa oração e desejo possam ser expressos na prece de Desmond Tutu:

Oxalá vejam o impacto que o Cristianismo exerce sobre o caráter e sobre a vida de seus adeptos, de modo que os não cristãos queiram, por sua vez, se tornar cristãos, assim como os pagãos dos tempos primevos foram atraídos para a igreja não tanto pelas pregações quanto pelo que enxergavam na vida dos cristãos, o que os fazia exclamar, espantados: "Como esses cristãos amam uns aos outros!"

 

(Da Revista DIDASKALIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)

 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

O LOGOS – SOBRE O FAZER TEOLÓGICO



Um cosmólogo encontra uma pequena luz no firmamento, logo aponta seus instrumentos naquela direção, faz suas observações, seus cálculos matemáticos e astronômicos, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Um biólogo encontra uma pequena manifestação de vida, logo traz a cultura para seu laboratório, faz suas observações, suas análises comparativas e testes de amostragem, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Um antropólogo encontra uma manifestação humana e cultural distinta, logo faz suas pesquisas de campo e suas observações, identifica variantes, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Com o teólogo tudo se faz diferente.  Ele não encontra seu objeto de pesquisa, nem aponta seus próprios instrumentos, nem o coloca em um laboratório, nem identifica variantes... pode até publicar seus argumentos e debater com seus pares e ajustar suas posições.  Assim, nesse sentido técnico, não faz ciência.

Quando elaboramos nossa Teologia Sistemática, fazemos nossa lista com o que atribuímos ao Deus Cristão – por isso a chamamos de atributos – o reconhecemos como Onipotente, Criador, Onisciente e Amoroso.  Mas minha pretensão de estabelecer um perfil divino é prontamente questionado pelo suíço Karl Barth que insiste em se referir a esse Deus como o “totalmente outro”.  Ou seja, qualquer definição que eu possa vir a fazer sobre a divindade, em minha Teologia eu preciso sempre lembrar que ele escapa a qualquer definição.

Então: o que é a Teologia? Qual o seu escopo de trabalho? Onde buscar suas fontes? Qual o seu locus? Como se relaciona com as ciências? O que implica o fazer teológico?

Para cada um desses questionamentos não há uma resposta simples, direta e óbvia.  O que me leva à própria tarefa teológica. 

Sobre a definição do que chamo de Teologia: a palavra TEOLOGIA tem sua origem nas raízes da língua grega (mesma língua em que o NT foi escrito) e aponta para os radicais: Teos – Deus, divindade + Logos – palavra, estudo, discurso, argumento.  Assim, mais além do logos científico, posso compreender inicialmente Teologia como o discurso – ou diálogo – sobre Deus e com ELE.

Na mesma linha, devo estabelecer o escopo de trabalho da Teologia Cristã, tomando como ponto de partida o primeiro princípio citado na Declaração Doutrinaria da CBB, que se refere textualmente à “aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta”.  Ou seja: todo fazer teológico tem que ser referenciado a partir da Revelação, dela tomar seus fundamentos e com ela estabelecer um diálogo.

Nessa perspectiva, vou me achegar ao texto bíblico para buscar ali a fonte de meu argumento.  As palavras do Quarto Evangelho falam do Logos que, no princípio, não apenas estava com Deus, mas era o Deus em si (confira Jo 1:1).  E, mais, o Logos divino é o Criador da luz vista pelo cosmólogo, da vida detectada pelo biólogo e dos seres humanos estudados pelo antropólogo (nos versos 3 e 4).   Aqui eu encontro o verdadeiro logos da Teologia cristã. 

Aqui está também o locus do fazer teológico – o lugar existencial onde devo encontrar o discurso.  Será sempre com homens e mulheres, de ontem e de hoje, daqui e de todo lugar, que, por crerem em seu nome, aconteceram de se tornarem filhos de Deus, onde vou estabelecer meu diálogo teológico (indo a Jo 1:12).  Em outras palavras, será em meio à comunhão dos santos – a igreja – que a verdadeira teologia cristã vai acontecer e encontrar sua essência.

Ouso parafrasear o dogma e tomá-lo como verdadeiro: extra Ecclesiam nulla Theologia – “fora da igreja não há Teologia”.

Mas esse diálogo teológico pode, e deve, também se estabelecer com outros saberes humanos.  Enquanto o salmista reconhece que “os céus declaram a glória de Deus” (no Sl 19:1), Isaac Newton dizia: “Do meu telescópio, eu via Deus caminhar!”.  Sem dúvida, cosmólogos, biólogos e antropólogos – assim como, historiadores, linguistas, arqueólogos, físicos e matemáticos podem enriquecer minha Teologia e compreensão bíblicas.

Quero, porém, voltar as palavras evangélicas.  O Logos divino encarnou para viver entre nós e assim nos fez conhecer a glória única do Pai, e ele estava cheio de graça e verdade (leia Jo 1:14).  E essa é exatamente a implicação de todo o fazer teológico: um diálogo que nos toque com a graça e a verdade e, nisso tudo, se manifeste a glória do Pai.


(Publicado originalmente em “O Jornal Batista” – ano CXXIII – Edição 46 – 17/11/2024)