Um
cosmólogo encontra uma pequena luz no firmamento, logo aponta seus instrumentos
naquela direção, faz suas observações, seus cálculos matemáticos e
astronômicos, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e
ajustam os resultados. E assim faz
ciência.
Um biólogo encontra uma pequena manifestação de
vida, logo traz a cultura para seu laboratório, faz suas observações, suas
análises comparativas e testes de amostragem, elabora uma teoria, publica argumentos,
seus pares debatem e ajustam os resultados.
E assim faz ciência.
Um antropólogo encontra uma manifestação humana e
cultural distinta, logo faz suas pesquisas de campo e suas observações,
identifica variantes, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares
debatem e ajustam os resultados. E assim
faz ciência.
Com o teólogo tudo se faz diferente. Ele não encontra seu objeto de pesquisa, nem
aponta seus próprios instrumentos, nem o coloca em um laboratório, nem
identifica variantes... pode até publicar seus argumentos e debater com seus
pares e ajustar suas posições. Assim,
nesse sentido técnico, não faz ciência.
Quando elaboramos nossa Teologia Sistemática,
fazemos nossa lista com o que atribuímos ao Deus Cristão – por isso a chamamos
de atributos – o reconhecemos como Onipotente, Criador, Onisciente e
Amoroso. Mas minha pretensão de
estabelecer um perfil divino é prontamente questionado pelo suíço Karl Barth
que insiste em se referir a esse Deus como o “totalmente outro”. Ou seja, qualquer definição que eu possa vir
a fazer sobre a divindade, em minha Teologia eu preciso sempre lembrar que ele
escapa a qualquer definição.
Então: o que é a Teologia? Qual o seu escopo de
trabalho? Onde buscar suas fontes? Qual o seu locus? Como se relaciona
com as ciências? O que implica o fazer teológico?
Para cada um desses questionamentos não há uma
resposta simples, direta e óbvia. O que me
leva à própria tarefa teológica.
Sobre a definição do que chamo de Teologia: a
palavra TEOLOGIA tem sua origem nas raízes da língua grega (mesma língua em que
o NT foi escrito) e aponta para os radicais: Teos – Deus, divindade + Logos
– palavra, estudo, discurso, argumento.
Assim, mais além do logos científico, posso compreender inicialmente
Teologia como o discurso – ou diálogo – sobre Deus e com ELE.
Na mesma linha, devo estabelecer o escopo de
trabalho da Teologia Cristã, tomando como ponto de partida o primeiro princípio
citado na Declaração Doutrinaria da CBB, que se refere textualmente à “aceitação
das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta”. Ou seja: todo fazer teológico tem que ser
referenciado a partir da Revelação, dela tomar seus fundamentos e com ela
estabelecer um diálogo.
Nessa perspectiva, vou me achegar ao texto bíblico
para buscar ali a fonte de meu argumento.
As palavras do Quarto Evangelho falam do Logos que, no princípio, não
apenas estava com Deus, mas era o Deus em si (confira Jo 1:1). E, mais, o Logos divino é o Criador da luz
vista pelo cosmólogo, da vida detectada pelo biólogo e dos seres humanos
estudados pelo antropólogo (nos versos 3 e 4). Aqui eu encontro o verdadeiro logos da
Teologia cristã.
Aqui está também o locus do fazer teológico
– o lugar existencial onde devo encontrar o discurso. Será sempre com homens e mulheres, de ontem e
de hoje, daqui e de todo lugar, que, por crerem em seu nome, aconteceram de se
tornarem filhos de Deus, onde vou estabelecer meu diálogo teológico (indo a Jo
1:12). Em outras palavras, será em meio
à comunhão dos santos – a igreja – que a verdadeira teologia cristã vai
acontecer e encontrar sua essência.
Ouso parafrasear o dogma e tomá-lo como
verdadeiro: extra Ecclesiam nulla Theologia – “fora da igreja não há
Teologia”.
Mas esse diálogo teológico pode, e deve, também se
estabelecer com outros saberes humanos.
Enquanto o salmista reconhece que “os céus declaram a glória de Deus”
(no Sl 19:1), Isaac Newton dizia: “Do meu telescópio, eu via Deus caminhar!”. Sem dúvida, cosmólogos, biólogos e
antropólogos – assim como, historiadores, linguistas, arqueólogos, físicos e
matemáticos podem enriquecer minha Teologia e compreensão bíblicas.
Quero, porém, voltar as palavras evangélicas. O Logos divino encarnou para viver entre nós
e assim nos fez conhecer a glória única do Pai, e ele estava cheio de graça e
verdade (leia Jo 1:14). E essa é
exatamente a implicação de todo o fazer teológico: um diálogo que nos toque com
a graça e a verdade e, nisso tudo, se manifeste a glória do Pai.
(Publicado
originalmente em “O Jornal Batista” – ano CXXIII – Edição 46 – 17/11/2024)