sexta-feira, 28 de maio de 2021

E SE TUDO DER ERRADO?

  


Semanas atrás, sentado numa cadeira de acompanhante de paciente, noite adentro numa sala de acolhimento hospitalar, enquanto observava meu pai sendo cuidado por profissionais e o sono parecia algo fora de cogitação, comecei a fazer um rápido inventário de ideias e observações.

Mas não fui adiante a ponto de construir um texto.  Cheguei a colocar algumas frases no tablet, que ficaram apenas num alinhavo (até porque os cuidados requeriam minha atenção).  Então resolvi fechar a tela.

 

Como disse, isso foi semanas atrás.  Depois, alternei entre intenções de concluir a tarefa e incertezas quanto ao conteúdo (esse tempo é assim!).

 

— É verdade!  Tem texto que é desse jeito.  Difícil de fluir!

 

Agora decidi retomar aquelas linhas para compartilhar finalmente algo que está lá no inventário de ideias e observações.

Assim, aceite meu convite para caminhar um pouco comigo nesse meu edifício mental e visitar alguns diferentes cômodos.

 

Logo de entrada percebo que ansiedade e aperreio são bem marcas que caracterizam esse tempo e momento.

Antes.  Estou lembrando de já ter postado aqui no Escrevinhando vários textos que contornam esse tema.  Depois vou procurar fazer uma relação do que já escrevi.  Por hora, vamos continuar observando.

A modernidade, com suas teorias, ciências e engenhocas tinha prometido estabilidade, segurança, controle e um progresso de tranquilidade e prosperidade.  Tudo falácia!

E esse tempo de pandemia só escancarou o problema.

No mundo moderno, não restaram nem estabilidade, nem segurança e muito menos controle da vida e da existência.  Logo não há nem progresso, nem tranquilidade e nem prosperidade.

 

— E se tudo der errado?

 

Então para os consultórios de psique não faltam pacientes.  Nos hospitais, a angústia da incerteza é somatizada.  E acrescente-se os leitos cheios com doentes de síndromes respiratórias.

Já perdi as contas de quantos eu conheço que, de alguma maneira, estão carecendo de apoio e cuidados por sofrerem com a mente e alma quebrados.  Além dos que realmente se viram contagiados por um vírus pandêmico.

E o pior são aqueles que sofrem com os dois: o pulmão infectado e a alma abafada. Falta ar e falta anima.

Caminhemos mais.

As crises se sucedem e, às vezes, se atropelam.  As famílias se esfarelam.  O emprego e a economia não dão sinais de melhora.  A saúde está sucumbindo diante da morte.  A violência e seus defensores se sobressaem.  A injustiça e insanidade parecem triunfar.  O desgoverno assumiu o caos.

 

— Como manter a esperança e continuar?

— E se tudo der errado?

 

Também há as querelas e queixumes de comunidades de fé.  Mas como sei que não tenho nem o direito nem o cabedal para julgar ninguém, então não vou abrir essa porta do meu edifício mental.

Decididamente vou passar adiante.

Corredor adiante, quero ir direto para o cômodo onde sei que posso encontrar resposta para a questão inicial (até porque já estou achando pesada demais essa caminhada).

Venha comigo abrir a porta certa.  A porta que me abre à palavra do Altíssimo.

No meu edifício mental há um canto especial onde os textos sagrados são referência e fornecem a necessária estabilidade a toda a minha construção existencial.

É aqui o tear onde as linhas se fazem tecidos, onde a carência encontra aconchego, a incerteza conhece a garantia, a ansiedade se desfaz e a vida aporta como um barco num seguro cais.

 

— Não se turbe o vosso coração (gosto do palavreado mais tradicional dessa citação de Jo 14:1 – traz uma certa familiaridade ao texto sem perder significado).

 

— Mas, e se tudo der errado?

 

Diante da ansiedade e aperreio, da incerteza, do desgoverno e do caos, da falta ar e de ânimo; se a perspectiva é tudo dar errado, tudo muda quando eu revejo a carta aos exilados:

 

Porque eu sei o que estou arquitetando para você – é o que diz o Eterno.
Planejo paz e não calamidade – para lhe dar futuro e esperança.

(a carta está transcrita em Jr 29).

 

E como citei lá em cima, aí vai a relação de alguns links que tangenciaram esse tema aqui no Escrevinhando: 

 

O Reino - ansiedade, divisão e somalink 

Apenas hoje link

A ilusão da eternidade - link

Até quando? - uma leitura do Salmo 74 - link

Da ansiosa solicitude - link

Não por enquanto - link

Carga tortalink

Doenças da Alma - links

 

terça-feira, 25 de maio de 2021

A CRIAÇÃO – COMO TUDO COMEÇOU?

  


Há o mundo, a terra, o universo.  Eles estão aí.  São reais.  Existem.  Meus sentidos podem perceber.  E assim como os espaços e coisas, também o tempo com sua flecha, do passado para o futuro.

 

— Mas, como tudo isso começo?  Qual sua origem? 

 

A Bíblia, com convicção reverente, afirma categoricamente que em princípio, foi Deus quem criou tanto os céus quanto a terra (Gn 1:1).  E partindo daí tudo é desdobramento dessa verdade inicial.

Do ponto de vista teológico e filosófico, entendo que quem melhor apresentou uma interpretação para a realidade existente – coisas e tempo – foi Agostinho de Hipona (recomendo a leitura).

 

Mas os seres humanos, ao longo de suas trajetórias, tentaram oferecer respostas para esse começo.  Veja algumas de forma resumida:

 

Os gregos antigos diziam que no início só havia o Caos vivendo nas trevas, no nada, então ele resolveu criar Gaia, Eros, Nyx e Tártaro.  Gaia, por sua vez, criou Urano e eles geraram os primeiros deuses.  E daí vieram os humanos.

Na Mesopotâmia eles criam que tudo começou com Apsu e Tiamat que deram origem aos outros deuses.  Um dia, num ataque de fúria, Apsu quis matar seus filhos, mas em um contra-ataque Enki – um dos filhos – matou Apsu e do seu corpo morto criou a terra e o céu.

A crença entre os egípcios era de que tudo começou quando Atum, o primeiro deus, surgiu do Num, o caos aquático primordial, e expeliu Shu e Tefnut que, por sua vez, procriaram gerando Osíris, Isis, Seth e Néftis.  Outra variante do mito afirmava que das águas do Num emergiu uma ilha e ali as divindades masculinas colocaram suas sementes sobre a flor de lótus e a fecundaram. A flor então se fechou durante a noite e quando se abriu de manhã dela saiu o deus na forma de um menino que criou o mundo.

De acordo com a antiga mitologia chinesa Panku, também conhecido como Hoen-Tsin, que representa o caos primordial, cresceu 30 quilômetros por dia durante 11.500 anos e das pequenas criaturas em seu corpo, carregadas pelo vento, nasceram os seres humanos e animais espalhados pelo mundo.

Na cosmogonia guarani tudo que existe nasceu e foi nomeado a partir de um som produzido no mundo superior, o Espírito-Música, o Grande Som Primeiro, esse som desdobrou-se em formas que seriam pais e mães de seus filhos, as palavras-almas.

A mitologia nórdica acreditava que a terra fazia parte de um disco cósmico junto a outros reinos. Asgard, terra dos deuses, Jotunheim, terra dos gigantes, e Niflheim, a terra dos mortos governadas por Hela.  Porém, de modo geral, não se indica com detalhes como tudo surgiu.

 

E hoje, as ciências em suas fronteiras, como a física quântica e a cosmologia, também buscam respostas.  Elas falam sobre coisas como o big bang, probabilidades e singularidades.  E procuram respostas sobre o como aconteceu e acontece (esse é o ofício deles).

Mas algumas perguntas ainda assustam: por que existe algo e não apenas o nada?  Qual o sentido final do cosmo?

E como sei que há complexidades entrelaçadas nessas questões, vou apenas buscar resposta na beleza poética do salmista:

 

Enquanto me encanto com o firmamento, arte dos teus dedos,
a lua e a estrelas que desenhaste,

eu me questiono: que há na humanidade
para que possas lhe dar atenção?
E em um indivíduo para que te importes?

 

Porém a verdade é que os fizeste apenas pouco aquém da divindade,
e de glória e honra os adornaste.

(Salmo 8)

 

sexta-feira, 21 de maio de 2021

FANNY CROSBY – AOS PÉS DA CRUZ


Em qualquer lista que se faça de homens e mulheres que enriqueceram o louvor e a adoração da igreja de Cristo tem que constar indiscutivelmente o nome da norte-americana Fanny Crosby (eu a inclui na relação dos 100 nomes que todo evangélico brasileiro precisa conhecer – veja a lista em duas partes: 1ª parte link e 2ª parte link).

A vida dessa mulher já foi devidamente biografada em textos, livros, filmes e links de internet, mas sempre que a revisitamos a nossa fé e nosso cristianismo são realimentados.

— O que estou fazendo aqui, então?

Coloquei fones nos ouvidos e, enquanto escuto corais cantando versões originais, vou tentar compartilhar algo para aquecer também seu coração.

Alguns detalhes, para contextualizar: Frances Jane Crosby nasceu em 1820 e ainda criança perdeu completamente a visão.  Ele era letrista e poetisa inigualável – tanto em qualidade quanto em quantidade – mas, em geral, não colocava melodia em seus poemas.

Conheceu o evangelho enquanto sua avó lia a Bíblia para ela, vindo a se filiar inicialmente a Igreja Episcopal Metodista. Mas certamente seu legado ultrapassa qualquer fronteira denominacional.  

E ao falecer em 1915, a seu pedido, foi colocado simplesmente em sua lápide: Tia Fanny – Ela fez o que podia (em inglês: Aunt Fanny – She hath done what she could).

 

 

Ela certamente fez a igreja Cristo louvar e adorar.  E ainda hoje continuamos cantando as lyrics da F.J. Crosby.

 

A Deus demos glória, ela nos chamou, na certeza de Que segurança! Sou de Jesus! Também nos desafiou a orar: Quero o Salvador comigo pois Meu Senhor, sou teu e meu lugar é sempre Junto a ti.  Por isso eu me entrego e Onde quer que for, irei.

 

E Crosby ainda continua atual quando diz:

 

Não consentir, não consentir,
Que qualquer dor ou tristeza, venha apagar teu amor.
Oh não temer, nunca ceder,
Em teus apertos te lembra, que Cristo é teu Protetor!

 

Mas a cruz de Cristo foi o lugar onde Fanny Crosby encontrou seu lugar:

 

Mais perto da tua cruz
Quero estar, ó Salvador!
Mais perto, para a tua cruz,
Leva-me, ó meu Senhor!

 

Que sejam ainda essa a nossa canção e a oração da igreja de Cristo:

 

Quero estar ao pé da cruz, de onde rica fonte
corre franca, salutar, do calvário monte.

Sim na cruz, sim, na cruz, sempre me glorio
e descanso encontrarei salvo além do rio.

 

quarta-feira, 19 de maio de 2021

VIDA EM COMUNHÃO – resenha – conclusão

 


Já tendo analisado quase toda a obra Vida em Comunhão (reveja a parte 1, a parte 2, e a parte 3 dessa resenha), chegamos a quarta e última parte dessa resenha, onde vamos observar as considerações de Bonhoeffer sobre a confissão e a santa ceia – expressões complementares da vida em comunhão cristã. 

Parte-se da constatação de que todo ser humano traz em si a essência do mal.  O homem natural – numa linguagem calvinista – é um decaído.  Esse mal que habita homens e mulheres, por fim isola-os e os conduz a ruína.  E pior, “quem fica sozinho com o seu mal, fica totalmente só”. 

Para resolver este problema, somente a graça divina expressa em Jesus.  Aqui reconheço este tema central na teologia de Dietrich Bonhoeffer: Jesus Cristo encarnado, crucificado e ressurreto é a razão de ser da Igreja, seu modelo e sua realização. 

Sendo assim, a confissão de pecados que deve ser dirigida a Cristo, pois somente ele enquanto divino perdoa pecados, tem que ser expressa na comunidade fraterna e cristã, lugar onde se manifesta neste tempo presente a graça salvadora de Cristo para este mundo, “assim o chamado à confissão e à absolvição fraterna dentro da comunhão cristã é conclamação à grande graça de Deus na comunidade”.

É a cruz de Cristo a garantia da vitória do projeto cristão sobre qualquer projeto que este mundo possa apresentar; por isto, que o cristão deve se espelhar nela para a sua verdadeira humanização.  E todo este projeto da cruz passa para a igreja através da confissão.  Nas palavras Bonhoeffer:

Na confissão acontece o irrompimento para a cruz.  A raiz de todo pecado é a soberba.  Quero viver para mim mesmo, tenho direito a mim mesmo, a meu ódio e minha cobiça, minha vida e minha morte.  Mente e carne da pessoa estão inflamadas de soberba, pois justamente em seu mal a pessoa quer ser igual a Deus.  A confissão a um irmão é a mais profunda humilhação; machuca, torna-o pequeno, abate a soberba horrivelmente.

Esta humilhação, Bonhoeffer compara à de Jesus, fazendo o sacrifício dele relevante para nós:

Foi o próprio Jesus Cristo que sofreu publicamente em nosso lugar a morte-vergonha do pecador.  Não se envergonhou de ser crucificado como malfeitor.  E não é nada mais que a comunhão com Jesus Cristo que nos conduz à morte vergonhosa da confissão, para que de fato tenhamos comunhão na cruz de Cristo. Essa cruz destrói toda a soberba.  Não encontraremos a cruz de Cristo se não formos até onde ela pode ser encontrada, a saber, na morte pública do pecador.

E finalmente Bonhoeffer nos conduz à conclusão de que “se esta ordem se aplica a cada culto, a cada oração, quanto mais valerá para a celebração da Santa Ceia”. 

Na celebração eucarística cristã está depositada toda a experiência litúrgica que faz com que a vida do cristão seja relevante neste mundo moderno.  A liturgia em comunhão atinge seu alvo.  “A vida em comunhão dos cristãos sob a Palavra atinge seu alvo no sacramento”.

 

 

Para conhecer um pouco mais sobre Dietrich Bonhoeffer, sugiro ainda as seguintes leituras:

§ Bonhoeffer - teólogo e pastor link

§ Bonhoeffer e a andoração brasileiralink

§ Vida em Comunhão - a esperência de Finkenwalde link

§ Bonhoeffer e a graça preciosalink

§ Bonhoeffer: liturgia e comunhãolink