terça-feira, 21 de maio de 2019

UMA PRIMAZIA CRISTÃ - Bonhoeffer e a Graça preciosa


Em dois textos Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) expõe seu conceito fundamental sobre aquilo que é realmente importante para o serviço litúrgico da igreja e para o cristão no mundo: Discipulado (publicado iniciantemente em 1937 – em alemão: Nachfolge) e Ética (obra que não chegou a ser concluída).
Inicialmente, preciso destacar que a percepção de Bonhoeffer vai além de apenas uma vida de devoção pessoal exclusiva, a vida litúrgica do cristão e da igreja no mundo deve partir do contato sagrado com o Jesus encarnado e crucificado para se transformar em ações concretas que façam diferença na sociedade.
Foi neste direcionamento ele escreveu sua teologia opondo dois conceitos a partir do tema da graça como peça fundamental do universo doutrinário cristão: a graça barata e a graça preciosa.
Por graça barata, Bonhoeffer entende como sendo aquele sentimento de relaxamento cristão por se acreditar que em se obter a graça divina isto nada implica na vida cotidiana do cristão. Afirma ainda que este tipo de concepção da graça é fruto de um culto do literalismo que prega um perdão sem arrependimento e um batismo sem disciplina. Esta graça não faz diferença na vida do cristão e, por isto mesmo, não faz nenhuma diferença na atuação da igreja no mundo.
Do outro lado está o conceito de graça preciosa, por ter custado a Deus a vida de seu Filho. Esta graça exige disciplina de um comprometimento exclusivo com a pessoa de Jesus Cristo. Ou seja, a vida litúrgica do cristão e da igreja tem que ser de um comprometimento ético disciplinado que indique o reflexo de um seguir a Jesus Cristo.
Para Bonhoeffer, este conceito de ética deveria ser a expressão exata de experiência de Cristo. Na vida do Jesus encarnado, crucificado e ressurreto está toda demonstração do engajamento cristão que se espera do discípulo.
Na ética do discipulado, que implica seguir a Jesus, está expresso também um dos conceitos mais caros para a teologia de Bonhoeffer: a relação entre o último e o penúltimo. O último é, e sempre deverá ser, o evento justificador da parte de Deus. A palavra justificadora de Deus jamais abandona sua posição de última palavra.
É no processo de justificação oriundo da graça de Deus que o ser humano atinge o seu fim último, fim este em relação ao qual tudo o mais se torna transitório e penúltimo. Daí que a liturgia disciplinada do cristão deve ser sempre na direção e na intenção do último através da concretização de penúltimos.
Nas palavras do próprio Bonhoeffer: Derradeiro e penúltimo estão intimamente ligados. Cabe aqui, pois, reforçar o penúltimo através de uma pregação mais enfática do derradeiro, bem como proteger o derradeiro através da preservação do penúltimo.
Mas, ainda refletindo na obra sobre o discipulado, depois de compreender sobre os conceitos de graça e suas implicações, Bonhoeffer apresenta um estudo sobre o Sermão da Montanha para compreender que a Comunhão dos Santos não é a comunhão ideal de pessoas isentas de pecado e perfeitas (…). Ao contrário, é a comunhão que se mostra digna do Evangelho do perdão.
Ou seja: A disciplina permeia toda a vida da Igreja. Nela existe uma ordem de sequência fundamentada no serviço da misericórdia. A origem de qualquer prática disciplinar é a pregação da Palavra de acordo com as duas chaves. Ela não se restringe à reunião litúrgica, porquanto o oficiante, em nenhuma circunstância, está licenciado de sua missão. “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta como toda longanimidade e doutrina.” (2 Tm 4.2) Esse é o início da disciplina eclesiástica.




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