terça-feira, 30 de julho de 2019

BONHOEFFER E A ADORAÇÃO BRASILEIRA – uma comparação


Em 1939, Dietrich Bonhoeffer esteve nos Estados Unidos, tinha sido levado por seus irmãos com o intuito de poupar-lhe das agruras que o regime nazista haveria de impor sobre seus oponentes. De lá, o próprio Bonhoeffer escreveu sobre a sua situação, perspectiva de futuro e compromissos:

Sentado no jardim do seminário, tive tempo de pensar e orar no que se refere à minha situação e a da minha nação, obtendo algumas luzes sobre a vontade de Deus. Cheguei a conclusão que cometi um erro em vir para os Estados Unidos. Nesse período difícil da história da minha pátria, devo viver junto com o meu povo. Não terei o direito de participar da reconstrução da vida cristã na Alemanha depois da guerra se não tiver compartilhado com meu povo as provas desse período. Os cristãos alemães terão que enfrentar a terrível alternativa de desejarem a derrota de sua pátria para a salvação da civilização cristã ou de desejarem a vitória de sua pátria e, consequentemente, a destruição de nossa civilização.

Estas palavras demonstram o profundo sentimento de compromisso que Bonhoeffer demonstrou com o seu povo e que o fez se sentir copartícipe dos destinos dele. Ainda merece citação a observação que ele escreveu numa carta a E. Bethge em 02/08/1936 quando enfatizou “que não nos podemos libertar jamais de nossa condição de cristãos e teólogos”. Para Bonhoeffer ser cristão e ser teólogo eram condições das quais ele não se podia furtar em momento algum, e diante de tais condições era necessário que ele estivesse ao lado do seu povo fazendo de sua experiência cristã e práticas litúrgicas instrumentos para uma transformação social.
Ser cristão e ser teólogo era o que ele tinha a oferecer à sociedade alemã naquele momento de incertezas, e deveria oferecer-se assim naquele momento exato para que sua participação histórica fosse válida quando tivesse passado as turbulências. Se não posso ser cristão nas adversidades da sociedade moderna, como posso querer sê-lo em outros tempos?
Essa visão e compreensão de uma celebração e liturgia comprometido com o Reino de Deus e com os destinos de seu povo, Bonhoeffer deixou impregnado em mais de uma dezena de livros que escreveu (em especial no texto “Vida em Comunhão” – em alemão: Gemeinsames Leben, publicado em 1939). E é com este modelo da adoração e comunhão cristã proposta por Dietrich Bonhoeffer que pretendo comparar a liturgia das igrejas evangélicas brasileiras de hoje.
Uma primeira observação, parece demonstrar que a maior ênfase litúrgica da igreja brasileira está na celebração em si, como momento de contato espiritual e devocional com Deus. Neste aspecto a produção teológica brasileira parece se encaminhar em paralelo com a teologia de Bonhoeffer. A devoção começa e se desenvolve quando a comunidade de fé se entrega na busca do encontro sagrado. Orações, leituras bíblicas e cânticos conduzem a congregação a uma reflexão sobre a palavra de Deus a ser explanada pelo oficiante que busca trazer às mentes e corações dos cultuantes a verdade e os propósitos de Deus para suas vidas.
Contudo há uma distância entre as visões de culto e adoração de Bonhoeffer e as evangélicas brasileiras observadas e ela está, com certeza, na ênfase dada ao transbordar desta liturgia na vida cotidiana dos cristãos.
Está muito claro na teologia litúrgica de Dietrich Bonhoeffer que o momento devocional de encontro com o sagrado tanto comunitário e principalmente pessoal é apenas uma parte da existência cristã. Este momento é necessário e fundamental e em hipótese alguma deve ser negligenciado. Mas a existência cristã não se dá apenas no lugar sagrado da liturgia devocional, ela tem que se transbordar para toda a vida e fazer do momento de encontro sagrado com Cristo a recarga de energia suficiente para que o cristão viva a sua vida no mundo secularizado de modo significativa e influente.
Em terras brasileiras, pouco se vê uma adoração que vá além dos cânticos e orações, uma adoração que transborde para vida cotidiana e concreta, que ofereça uma influência transformadora dos valores sociais, num projeto de reconstrução nacional abrangente. Embora não se negue que a experiência cristã do culto deva influir na vida do crente, contudo na igreja brasileira, em geral pouca se busca experiências cristãs que possam ir além das vivências eclesiásticas.
E assim, concluo apontando a crítica de Russel Shedd ao constatar que há uma dicotomia existente entre a adoração e a vivência cotidiana dos cristãos evangélicos brasileiros e isto porque ela não reflete a certeza que o objetivo da adoração bíblica deve ser produzir vidas dignas do mundo moderno e secularizado. Em suas palavras: “a adoração em espírito e em verdade exige o temor de Deus, o qual deve se fazer acompanhar de religiosidade externa”.
(Na imagem lá em cima, a reprodução de uma placa comemorativa para Dietrich Bonhoeffer ao lado da entrada da Zionskirche em Berlim onde por ser lida: “Nesta Igreja pregou e foi Confirmado em 1932 o combatente da resistência Pastor Dietrich Bonhoeffer – nascido em 02/04/1906 e assassinado no Campo de Concentração Flossenbürg em 09/04/1945 – fonte: wikipedia.com)



2 comentários:

  1. Saudações pastor Jabes. Eis a questão. Como ser/ter essa religiosidade externa no cotidiano, nas relações ordinarias, de trabalho, convivio social, consumo?!? Acho interessante esse tema, e desafiador

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  2. Bom dia querido. Realmente o mundo de hoje é bastante desafiador para o nosso cristianismo, mas foi para um tempo como este que fomos colocados (atento para Et 4:14). Infelizmente muitos têm se vendido e a sua mensagem à política, à moral, à economia e à sociedade de ética e graça baratas. Mas, graças a Deus ainda temos exemplos como o de Bonhoeffer a nos inspirar a uma vida cristã comprometida com o Reino e seus valores, encarnando-os no dia-a-dia, mesmo que isso nos custe a vida (lembro Mc 8:36).
    Abr

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