Antes
de refletir um pouco sobre a declaração de Josué e suas
implicações para minha vida e da minha casa e igreja, sou levado a
constatar que, em geral, a expressão bíblica é usada pelo nosso
povo num sentido distinto daquele em que foi proferido inicialmente
em Siquém.
Do
jeito que ouvimos hoje a formulação: "eu e a minha casa
serviremos ao Senhor" como jargão na boca, em adesivos, camisas
ou em outros souvenir e badulaques, beira a uma formulação de
magia (algo como wicca
de crente!) usada para proferir promessa ou profecia autodeclarada.
É como se ao pronunciar as palavras sagradas, Deus – e o próprio
universo – estivesse sendo submetido à obrigação de agregar
todos da minha casa à minha fé.
Parece
absurdo, mas tem sido assim... contudo, deixemos a crítica de lado,
e vamos ao texto, sua análise e às suas lições, pois é o que
realmente nos interessa.
Dando-me
à liberdade de uma tradução mais livre do verso bíblico eu diria:
Eu
já fiz a minha escolha. Eu e os da minha casa nos comprometemos em
servir ao Senhor.
Lendo o contexto, esta opção de tradução se esclarece melhor.
Vejamos.
O
grande Josué tinha consciência que estava no final de sua jornada,
e por isso convocou os chefes nacionais para as últimas tratativas
(confira Js 23:14). E o texto diz que líderes, juízes e oficiais
de Israel compareceram diante de Deus (no primeiro verso do capítulo
24).
Todos
estavam ali não para ouvir um velho a murmurar ou resmungar: no
meu tempo...
pelo contrário, eram os anos de experiência de Josué com o seu
Deus que lhe conferiam os requisitos indispensáveis para conduzir o
povo na presença do Senhor e desafiar a cada um deles a uma tomada
de posição. Afinal, Deus estaria ali em Siquém. Josué o sabia.
Israel também.
O
discurso daquele dia teve como ponto de partida as poderosas ações
de Deus na história do povo. Esta é uma prática que se tornaria
padrão entre os homens e mulheres de Deus na Bíblia. Josué
aprendeu desta maneira com seu mentor Moisés (atente Dt 32:7) e,
depois dele, a história foi repetida em canções e serviu de base
para a palavra profética (por exemplo o Sl 136 e Ez 20). E no NT
Estevão usou o mesmo método (veja At 7).
A
verdade é que nosso Deus sempre intervém e age na história dos
seus, isso é graça e faz toda a diferença! Josué sabia disso por
experiência própria.
Por
ora, preciso confessar que, em nossos ajuntamentos, sinto falta de
narrações que se inspirem na Revelação e transpirem para a
história e não que vagueiem de um extremo da caatinga argumentativa
para o aguaceiro da experiência. Aprendi que Deus está é no
encontro da viração do dia no jardim (como é significativa a
descrição deste encontro em Gn 3:8).
Prosseguindo
com o contexto. Foi exatamente a experiência de Josué em liderar o
povo que indicou que algumas escolhas fundamentais na vida não podem
ser impostas de maneira arbitrária e autoritária. Por isso então
ele apontou caminhos, deu opções. Com base na história, o povo
deveria escolher: o deus dos pais, o deus da terra, ou Deus da
história.
Ainda
hoje ainda uma escolha deve ser feita. Diante de nós está a
necessidade de escolhermos entre o deus estável da tradição (seja
qual a for configuração religiosa ou espiritual com a qual ele se
apresente), o deus sedutor da modernidade (com toda sorte de
promessas ou experiências que descortinem), ou o Emanuel, o Deus que
se fez história e habitou entre nós, cheio de graça e verdade
(compare Mt 1:23 com Jo 1:14).
É
neste ponto que a liderança de Josué se destaca mais uma vez.
Antes que qualquer um dos chefes de família dissesse algo, ele tomou
a dianteira e afirmou com convicção: Eu já fiz a minha escolha.
Eu e os da minha casa nos comprometemos em servir ao Senhor. Ele não
rogou bênção ou maldição (até porque já as tinha ouvido da
boca de Moisés como ainda hoje eu leio em Dt 11:26-28). Também não
apelou para acalantos espirituais ou bradou impropérios. Ele tomou
uma decisão baseada no conhecimento que tinha da revelação de Deus
e sua atuação na história de Israel.
Continua ...
(Da revista "EDUCADOR"
– ano XXII – nº 85 – 2T14)
Nenhum comentário:
Postar um comentário