segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O NASCIMENTO HUMILDE


Razões completamente alheias à vontade de José o levaram a Belém (leia em Lc 2:1-5).  Ele morava em Nazaré, mas para cumprir um decreto romano teve de ir com Maria, sua mulher, à cidade de Davi.  E em meio a esta movimentação cumpriram-se os dias de Maria dar à luz (dito no v. 6).
Toda aquela situação era desconfortável e o que Lucas no chama a atenção é a condição humilde já presente desde o nascimento de Jesus.  Narrando o seu nascimento em situação de completo desapego e falta de ostentação para um filho de rei, Lucas está nos dizendo que ele esvaziou-se a si mesmo para se tornar humano com cada um de nós (a frase é de Paulo e está em Fl 2:7).
Não havia uma acomodação adequada na estalagem e o casal teve que agasalhar sua criança recém-nascida numa manjedoura (veja 2:7).  E assim, uma história que começa quase de maneira despretensiosa, irá se moldar para ser a história da redenção do ser humano.
E sobre o nascimento humilde de Jesus conforme narrado por Lucas, completam a cena alguns pastores que cumpriam seu turno de guardar rebanhos nos campos e foram surpreendidos pela notícia maravilhosa (leia 2:8 em diante).
Eles não tinham muito a oferecer, mas tiveram o privilégio de testemunharem aquele evento formidável.  Primeiro ainda lá campo, quando ouviram o coral de anjos glorificando a Deus nas maiores alturas (v. 14) e depois por terem decidido ir até onde estava o menino para poderem ver o que Deus os tinha feito saber (v. 15).
Então, por fim, eles mesmos voltaram glorificando a Deus pelas coisas que tinham visto e ouvido (v. 20).
(Extraído da Revista: "Lucas" – Editora Sabre)

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

CARTAS DO TINHOSO – o tempo e a eternidade


Esta já é a terceira postagem que trago como uma resenha das Cartas de um Diabo a seu Aprendiz de C.S. Lewis.  Lá na primeira foi apenas uma primeira olhada (aqui está o link) e na segunda caminhamos com o amor e o prazer (esse é o link).  Agora pretendo direcionar meu olhar para outra ideia que pode ser percebida nas Cartas: o tempo e a eternidade.
A citação a ser feita para início de conversa é que "os seres humanos vivem no tempo, mas o nosso Inimigo os destinou à eternidade".  Ou seja, se por um lado "eles são escravos das pressões do cotidiano", por outro eles estão "constantemente interessados na eternidade", o que significa, por constatação do próprio diabo, "estarem interessados nele".
Isso mesmo, dito de outra forma: "os seres humanos são anfíbios – em parte animais, em parte espíritos.  Como espíritos, eles pertencem à eternidade, mas, como animais, estão fadados à temporalidade".
E nesta dualidade entre o tempo e a eternidade vivemos todos nós.  E pulando aqui e ali, entre um e outro, a vida se desenvolve, as batalhas são travadas, o amor e o prazer nos são oferecidos.  E volto a lembrar que Deus se fez humano, o Eterno se fez Tempo para nos tocar e comungar conosco.  Ao se fazer limitado no tempo, o Amor fez se abrir para nós a imensidão da eternidade.
Assim, considerando o tempo sob o ponto de vista humano, como um vetor que, se iniciando no passado, se dirige sempre para o futuro – e nunca num sentido contrário – é nesse fluir histórico-temporal que a vida, as decisões, as escolhas acontecem, bem como as batalhas espirituais e seus desdobramentos.
Mas, já estou me perdendo numa digressão de pensamentos e ideias, deixe-me voltar às Cartas.
Observemos o passado, o presente e o futuro como aspectos do tempo e da eternidade.  Comecemos lá atrás. 
Ainda que sejam possíveis novas interpretações e revisões, mas "o passado está congelado e não flui mais" logo, isso não passa de arranjos mentais.  Na verdade, só há duas atitudes reais a serem mantidas em relação ao passado: ou com gratidão ou sob o peso dos pecados cometidos.  E apenas uma nos afasta do tinhoso. 
Acontece que, quanto ao peso da culpa do passado, "nem sobre os próprios pecados cometidos pelo homem o Inimigo sequer deseja que ele pense em demasia: uma vez que ele tenha se arrependido, quanto antes ele deixar de prestar atenção em si mesmo, mais satisfeito fica com o Inimigo".  Penso que as colocações do profeta Miqueias vão exatamente nesta direção (Mq 7:18-19).
Na outra ponta dessa linha está o futuro.  E é aí que o tentador investe o melhor de suas artimanhas.  Como o seu sucesso é avaliado na capacidade de confundir, de dissimular e parecer com o Criador, então, como constata o Screwtape, "o pecado, que é a nossa contribuição, tem os olhos no futuro" pois "o medo, a avareza, a luxuria e a ambição têm os olhos no que está por vir".
É claro que Deus não incentiva o ser humano a se alienar do futuro, e o próprio diabo reconhece sua derrota nesse campo quando atesta que "o ideal dele é um homem que, tendo trabalhado o dia todo para o bem da posteridade, em seguida esquece todo o assunto e confia-o ao Céu".
Excluindo assim passado e futuro, resta-nos o presente como dádiva.  Exatamente no presente encontramos "o ponto que o tempo toca a eternidade", porque "o presente está todo iluminado por raios eternos".  É no tempo presente que o Eterno se manifesta.  Nesse agora divino, sua vitória é alcançada e o diabo reconhece sua derrota sobre os seres humanos.  É inevitável: "uma vez que o homem entregar-se à Presença completamente real, externa, invisível, que estará com ele no quarto e nunca será conhecido dele, como ele é conhecido por ela – então, meu amigo, é que tudo poderá acontecer".
E tem mais: "o Inimigo não ficará de braços cruzados nesse meio tempo.   Sempre que houver oração, haverá o perigo de sua ação imediata". 
E sobre esta ondulação constante na qual vivem os seres humanos as Cartas teriam muitas vírgulas a acrescentar.  Então quero novamente manter meu compromisso de continuar refletindo sobre o texto de C.S. Lewis.  Vou escrever mais uma postagem, agora especificamente sobre a Carta VIII.


Continuo depois...

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

OS LEVITAS NA IGREJA




A questão inicial que me leva a essa reflexão é: as instruções, tarefas e comissionamentos exclusivos dos levitas no Antigo Testamento e da lei ainda estariam em voga na igreja no tempo da graça? Também: os ritos e processos ainda são válidos?
Começando a pensar, vou ler o que diz o apóstolo Pedro: "Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz" (1Pe 2:9).
Reflito a partir daí.  Na igreja de Cristo Jesus, conforme preceitua o texto bíblico, já não há mais uma classe distinta de obreiros ou oficiais destinados a uma santificação diferenciada ou um ministério privilegiado.  Todos são igualmente parte de um mesmo povo.
Segundo o estabelecido pela norma da nova aliança, todos na igreja têm os privilégios e as responsabilidades do ministério, não somente pastores, ministros ou músicos.
Vou acrescentar o conceito de Corpo de Cristo proposto por Paulo (está em 1Co 12).  Segundo o apóstolo todos, e cada um, na igreja têm um dom e um ministério definido.  Pessoas diferentes exercem funções diferentes.  Mas na igreja todas as atividades distintas são igualmente ministérios distintos e a todos cabem, sem exceção, as implicações levíticas.
Desta forma, o pastor exerce funções de levita e o músico é um levita.  Mas também o professor da Escola Bíblica é levita, o tesoureiro da igreja deve entender sua função espiritual como levita e o zelador nada mais é que levita na casa de Deus, bem como todas as demais atividades eclesiásticas (considere mais Rm 12:4-8).
Ou seja, todo crente é um levita.  Sim: somos todos levitas na igreja de Cristo
Então, respondendo as questões iniciais.  Instruções, tarefas e comissionamentos não são mais exclusivos de levitas, como grupo distinto, mas agora recaem sobre toda a igreja.  Repito: os levitas somos todos nós.
E também.  Ritos e processos foram superados em Cristo, mas agora somos todos escolhidos, designados e santificados pelo próprio Senhor para ministérios diversos no seu Reino – ele mesmo disse: "eu vos escolhi" (em Jo 15:16).
Então, todo e cada crente, no desenvolvimento do seu dom e ministério, dentro do Corpo de Cristo – a igreja – deve aplicar os mesmos critérios dos levitas antigos:  Santificação, pureza e comprometimento.
Lembre-se: "Sede santos, porque eu sou santo" (1Pe 1:16).

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

CARTAS DO TINHOSO – o amor e o prazer


Escrevi um início de resenha do livro de C.S. Lewis que em nossa língua veio a ser conhecido como Cartas de um Diabo a seu Aprendiz (releia aqui).  Ali fiquei devendo uma reflexão sobre algumas ideias e conceitos que podem ser lidos naquelas Cartas.  Pretendo aqui começar a pagar a dívida.
Percorrendo a leitura, o texto de Lewis se mostra rico e profundo – ele desafia, instiga, questiona e confronta.  É impressionante o suficiente para permanecer atual e relevante, mesmo já tendo quase um século.  C.S. Lewis continua sendo leitura obrigatória para qualquer um que se pretenda comprometido com o Reino de Deus e queira ir além das águas rasas da fé.
Considerando isso, vou aqui fazer apenas alguns destaques de suas ideias.  E para começar, preciso identificar mais uma vez os personagens, e como são tratados pelo missivista (vou tentar não dar spoiler).
As cartas escritas pelo diabo sênior visam instruir um tentador aprendiz como fazer seu paciente perder a sua alma eternamente.  E perceba que a avaliação da empreitada é feita nos seguintes termos: "O sucesso consiste em confundi-lo ao máximo".  Mas, embora diretamente as cartas queiram tratar de um caso específico, as lições ali servem para todo e qualquer um dos "bípedes desprovidos de cabelos" criados pelo Inimigo.
Nesta batalha, estão, de um lado, as hostes diabólicas que demonstram estar organizadas com hierarquia e burocracia bem distribuída e funcionando, e do outro o Inimigo que, "não fica satisfeito, nem mesmo em si, em ser uma simples unidade aritmética, pois alega ser três e, ao mesmo tempo, um, a fim de que sua bobagem sobre o Amor possa apoiar-se na sua própria natureza".
Aqui está o detalhe principal: um Amor que se baseia na própria natureza divina, porque "Deus é amor" (1Jo 4:8).  E é isso que o diabo não pode conceber.  Não há como ele absorver o conceito de que "o bem de um ser é o bem de outro". 
O que leva a uma conclusão diabólica e esquisita: "O Inimigo ama os seres humanos de verdade.  Isso, é claro, é algo impossível.  Ele é um ser único e eles são distintos dele.  O bem deles não pode ser o dele.  Toda a conversa dele sobre amor deve ser um disfarce para alguma outra coisa".
E nós que o amamos porque ele nos amou primeiro (1Jo 4:19), conhecemos a extensão da manifestação máxima desse amor na própria encarnação divina.  Ele – o próprio Deus em Cristo Jesus – se tornou humano, vivenciou nossas dores e temores, mas também degustou nossas alegrias, esperanças e prazeres.  Ao que o Screwtape deixa escapar: "ah, que vantagem abominável a do Inimigo!".
Ora, essa intimidade moldada no amor se mostra no quarto fechado quando "os animais humanos que se colocam de joelhos", pois será ali que o Amor "não ficará de braços cruzados" mas haverá de derramar "quantidades enormes de autoconhecimento sem o menor pudor".
Ao diabo, que anseia a alma humana para lhe servir apenas de alimento, sem dar nada em troca, restam apenas a curiosidade e a inveja desse relacionamento amoroso.  E o diabo lamenta com seu pupilo: "Você sabia que não é possível entreouvir exatamente o que o Inimigo diz a eles?".
Há ainda uma outra dimensão desse amor dispensado pelo Criador às suas criaturas prediletas: o "prazer real" (cuidado: não confundir com aquele corrompido pelo diabo!).
Observe que, sobre o prazer na vida humana, até o diabo reconhece que "trata-se de uma invenção dele, não nossa.  Ele criou os prazeres".  Coisa que o diabo não pode sequer criar ou copiar, apenas tentar distorcer e corromper!  O prazer é criação e dádiva do amor de Deus para nós – é fruto e demonstração de sua graça.
Mesmo nas pequenas coisas e detalhes, o diabo reconhece que "Ele encheu o mundo dele de prazeres.  Há coisas para as pessoas fazerem o dia todo sem que ele dê a mínima bola – dormir, tomar banho, comer, beber, fazer amor, brincar, orar, trabalhar".
É então que o velho diabo recrimina seu aprendiz: "você lhe permitiu andar até o velho moinho e tomar um chá ali – uma caminhada pelo campo, coisa de que ele realmente gosta, e isso, a sós".  Pois até o tinhoso sabe que é possível encontrar Deus nos pequenos prazeres e alegrias do cotidiano.
Mas, citando o tempo e o cotidiano, já abrimos uma nova janela para compreensões mais amplas, e outra vez, como já vão ficando longas as linhas, mantenho o compromisso de continuar refletindo sobre as ideias contidas nas Cartas.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

A GLÓRIA ENCHE A IGREJA



O profeta Ezequiel abre a última visão do livro de profecias com a expressão: “olhei, e eis que a glória do Senhor encheu o templo do Senhor” (Ez 44:4).  Aqui o profeta é conclamado a olhar e perceber a glória futura que o Senhor haveria de executar no seu novo templo.  E esta visão enche a vida do profeta fazendo-o suspirar pelos novos tempos de Deus.
Hoje deve ser assim também – a glória de Deus enche o templo!
Porém o templo de pedra e tijolo que Deus enche com sua glória é apenas uma pequena faísca de tudo o que ele tem reservado para o seu povo.  A glória do Senhor que enche o templo, enche também – e principalmente – a sua igreja e as nossas vidas.
Então, vamos dizer melhor: hoje deve ser assim também – a glória de Deus enche a sua igreja!
Deus haverá de realizar ainda muito maiores coisas no meio dos seus fazendo-nos crescer e sermos bênçãos para as nossas próprias vidas e para aqueles que nós alcançaremos pela graça de Cristo.
É Cristo ainda quem nos convida para nos dar a visão desta glória.  A igreja de Cristo é desafiada a ver já hoje pela fé tudo o que Deus tem a realizar aqui, e que certamente veremos acontecer no poder do nome de Jesus.
São estas as palavras de Pedro no dia de Pentecostes, repetindo a profecia de Joel: “os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos mancebos terão visões, os vossos anciãos terão sonhos” (At 2:17). 
Vivamos na esperança de que o próprio Deus fará realizar as suas promessas em nós.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

CARTAS DO TINHOSO – numa primeira olhada


Entrei em contato pela primeira vez com a obra de C.S. Lewis quando ainda era seminarista, lá pela segunda metade da década de 1980.  Na época não havia disponível muita coisa em língua portuguesa, mas na biblioteca do Seminário do Norte em Recife podia encontrar alguns volumes em inglês e nos esforçávamos para ler e compreender assim mesmo.
Já se dizia então que os textos de Lewis eram leitura obrigatória, mas, confesso: não aproveitei o quanto deveria da oportunidade.
E, só para citar e saber de quem estamos falando, Clive Staples Lewis (1898-1963), professor, ensaísta e romancista britânico foi, sem dúvida, uma das mentes mais brilhantes e influentes que o cristianismo ofereceu à humanidade no século XX.   Entre as suas obras mais conhecidas está a série As Crônicas de Nárnia – popularizada inclusive a partir de produções cinematográficas.
(Nárnia mereceria reflexões à parte pelo seu simbolismo e riqueza – O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa é uma impressionante representação da história cristã da salvação!)
Outros títulos que merecem citação são Cristianismo Puro e Simples e Surpreendido pela Alegria (também cada um deles valeria uma resenha própria – prometo pensar na possibilidade).
Bem, resolvi retomar a leitura de C.S. Lewis – acho que atualizar seria um bom verbo para expressar o sentido – e o fiz começando com Cartas de um Diabo a seu Aprendiz.
Quanto às Cartas propriamente ditas, elas apareceram pela primeira vez publicadas no The Guardian e depois já sob a forma de livro em 1942.  São 31 correspondências envidas por Screwtape – um diabo sênior (na edição que tenho em mãos o nome dele é traduzido como Maldanado) – a seu afilhado e pupilo Wormwood (chamado de Vermelindo), um aprendiz de tentador.
A primeira coisa que chama a atenção na obra, ao olhá-la na estante da livraria é o seu título.  E acho que o impacto da versão em português acaba sendo maior que o original em inglês.  Ao invés do nome próprio (em inglês é The Screwtape Letters), aqui ficou mais explícita sua designação: Cartas de um Diabo...
Vencida esta primeira impressão, mesmo porque dizem que não se deve julgar um livro pela capa – e nem pelo seu título – vamos à sua leitura.   E logo o estilo direto nos traz para dentro do seu enredo.
Então, é fácil constatar que, dotado de uma sagacidade e capacidade intelectual inigualável, Lewis consegue imprimir nas Cartas além da petulância, uma irreverência que seria típica do diabo.  As Cartas são também recheadas de ironia sutil, algumas vezes bem disfarçadas, mas capaz de nos fazer transitar, quase que de maneira subliminar, nas zonas sombrias e cinzentas da alma humana e na batalha cotidiana e espiritual pela posse e controle dela.
O contexto geral das Cartas é a Grande Guerra europeia de 1939-1945, mas ela – a guerra – somente lhe serve de pano de fundo para o que realmente importa: o diabo não está interessado em quantos vão morrer ou sofrer os horrores de bombardeios, mas em como a alma do paciente pode ser desviada e afastada dos braços do Inimigo.
E aqui também está um pouco da boa engenhosidade da obra.  Nas Cartas, as citações são em geral indiretas: o paciente é tratado apenas como objeto a ser conquistado; a noiva dele e demais circundantes como despersonalizados meios para se chegar ao fim desejado; a mãe como ocasião de querelas; o chefe do mundo inferior como Nosso Pai; e o Outro também nunca é reconhecido com nome e personalidade, mas apenas como o Inimigo.
Assim Lewis constrói um quadro em que nem tudo o que é prescrito pelo diabo instrutor em suas epístolas "deve ser tomado como verdadeiro, nem mesmo a partir do seu ponto de vista", afinal, como diz C.S. Lewis no prefácio, "os leitores são aconselhados a lembrar que o diabo é um mentiroso".
Acho que devo dar uma pausa por aqui.  Pensei originalmente em anotar uma simples resenha sobre o texto, mas já percebo que as minhas linhas vão se estendendo... Então vamos combinar o seguinte: já acrescentei ao título deste a indicação: numa primeira olhada e me comprometo a depois continuar a refletir sobre algumas ideias e conceitos que encontrei na leitura das Cartas.
Por hora vou apenas enfatizar: C.S. Lewis é leitura obrigatória!

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

TENDO EM VISTA A EDIFICAÇÃO



Catando alguns fragmentos da carta paulina aos Efésios eu posso encontrar:

E ele mesmo deu dons à igreja, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, tendo em vista a edificação do Corpo de Cristo, para sua edificação em amor.  E isso para que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo.
(a partir do texto de Ef 4:8-16)

Aqui, as palavras bíblicas me chamam a atenção: elas dizem da certeza de que Cristo deu capacitações aos seus servos para que desempenhem funções específicas dentro do corpo de Cristo. 
Ou seja, cada cristão recebeu um dom para que possa exercê-lo no intuito da igreja. 
Assim, é fácil constatar que para o apóstolo uma igreja que se mantém fiel a sua missão e chamado no mundo de hoje é uma igreja que reconhece e exerce todos os dons individuais que o Espírito colocou a sua disposição para que todo o corpo seja edificado (fiz questão de dar ênfase a "todo").
Aqui faço o primeiro destaque: individualmente a distribuição de dons na igreja deve levar cada um dos seus membros a crescer no desempenho de suas funções com constante disciplina, compromisso e responsabilidade espiritual.  O objetivo deve ser sempre o aperfeiçoamento dos santos.
O outro destaque é: coletivamente este exercício de dons deve ser o instrumental para que toda a comunidade cristã cresça num processo educativo e formativo que conduza a todos ao modelo apresentado – a estatura completa de Cristo.
Desta forma, tendo em vista a edificação do Corpo de Cristo – e em amor – toda a igreja deve desenvolver os dons recebidos e só assim, com todo o corpo em unidade, chegará cada vez mais perto de conhecer o Filho de Deus.
Para a glória dele.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

SOBRE O PECADO PARA MORTE


Bom dia querido.  Veja o que podemos aprender com ele
1. Todo texto para ser melhor entendido precisa de seu contexto.  1Jo 5:16 que fala sobre "pecado para morte" segue o argumento que a carta já vem expondo.  No verso 13 há a afirmação de que em Cristo temos vida eterna.  Isso é garantido aos que crêem no nome do Filho de Deus.  Penso que aqui tem uma importante chave de compreensão do texto.
2. Mas há diferentes tipos de pecado: uns levam à morte enquanto outros não.  Aqui comentadores propõem interpretações diversas.  Só para citação: a) a Igreja Católica lista pecados capitais – para a morte – e veniais; b) outros falam em pecados que levam diretamente à morte física e citam episódios como o dos filhos de Arão (Lv 10:1-7) ou de Ananias e Safira (At 5-1-11).  Não vou comentá-los por que acho que estas interpretações não condizem com as doutrinas bíblicas que abraçamos e ao contexto geral da própria Bíblia.
3. Voltando ao contexto.  É sempre preciso reafirmar que todo pecado gera morte (dito tanto em Rm 6:23 como em Ez 18:4).  Então, como diferenciar os pecados mortais?
4. No texto.  O argumento de João é que a vida só nos é ofertada por obra de Cristo. Veja o que diz o verso 12: "Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida".  Ou seja, no texto bíblico, a morte e a vida estão ligadas à adesão ao Filho e a sua obra de graça.  Logo um pecado que nos aliene desta aliança leva necessariamente à morte.
5. Nesta lógica está a interpretação do versículo 16.  Qualquer pecado pessoal, consciente e voluntário que me afaste de Cristo – o nome disso é apostasia – não tem como ser absorvido, pois é em si a recusa do próprio perdão!
6. Esse é o pecado para morte, e por ele nenhuma oração será eficaz, pois implica em rejeição – apostasia deliberada.  E nesse sentido também está a conclusão do verso 18: "todo aquele que é nascido de Deus não peca".  Quem nasceu de novo em Cristo o fez exatamente por aceitar seu sacrifício, esse não peca, isto é, não abraça a apostasia e o "maligno não lhe toca".
7. Para fechar, pois já está ficando grande.  Bons intérpretes da Bíblia como J. Calvino, J. Stott e Augustus Nicodemos caminham por essa linha de entendimento.

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

MEMÓRIA E EXPECTATIVA


A Celebração da Ceia do Senhor na Igreja está entre as celebrações mais bonitas e mais significativas na vida do povo de Deus.  Isto não somente pelo caráter memorial em que está revestida a cerimônia, mas também pela expectativa que ela deve gerar nos servos de Cristo.  Ao celebrar a última páscoa com seus discípulos Jesus afirmou: “... não mais a comereis, até que ela se cumpra no Reino de Deus” (Lc 22:16).
Vivemos hoje em ardente expectativa (confira Rm 8:19) e celebramos a Ceia do Senhor para reafirmar a nossa esperança de que “não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a vindoura” (Hb 13:14).  A Ceia do Senhor é a celebração da promessa de que Cristo voltaria para buscar a sua Igreja – vivemos nesta esperança e a celebrando periodicamente quando comenos deste pão e bebemos deste vinho. 
Reafirmamos nossa fé na inabalável Palavra de Cristo que não falha e por isto esta cerimônia deve ser de celebração.  Cristo virá para por fim a esta era de domínio do mal e iniciar um novo tempo sob a supremacia de Cristo e de suas hostes.  Na Ceia do Senhor eu o celebro desde já.
Agora temos esta certeza e a festejamos.  Mas, por outro lado, esta expectativa celebrada deve nos trazer a consciência da necessidade de vigilância.  Paulo aos Tessalonicenses exortou sobre isso: “não durmamos, pois, como os demais, antes vigiemos e sejamos sóbrios” (1Ts 5:6).  E na segunda carta a Timóteo é dito: “Nenhum soldado em serviço se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra” (2Tm 2:4). 
Celebramos a Ceia do Senhor e com ela devemos reafirmar nossos compromissos de fidelidade com o nosso General que nos recrutou para a batalha. 
É esta celebração da Ceia do Senhor que fazemos hoje: afirmamos que vivemos na expectativa e esperança do irromper do novo dia em Cristo Jesus, e desde já vivemos e nos comprometemos com este Reino que “nos está preparada desde a fundação dos tempos” (Mt 25:34). 
Glória a Cristo.     

terça-feira, 19 de novembro de 2019

GILBERTO FREYRE E O PROTESTANTISMO BRASILEIRO


Gilberto Freyre, natural de Recife – Pernambuco, foi um dos intelectuais mais brilhantes que o Brasil conheceu no século XX.  Iniciou sua educação formal no Colégio Americano Batista do Recife e depois concluiu seus estudos superiores nos Estados Unidos, onde passou a estudar e publicar sobre o Brasil a partir do ponto de vista sociológico e antropológico.
Em sua palestra na Conferência do Nordeste, proferida em 1962 no Recife e intitulada: “O artista: servo dos que sofrem”, Gilberto Freyre assim analisou o protestantismo brasileiro:

É curioso que até agora o cristianismo evangélico só tenha concorrido salientemente para enriquecer a cultura brasileira com insignes gramáticos (...).  É tempo de o cristianismo brasileiro evangélico ir além e concorrer para esse enriquecimento com um escritor do porte e da fama revolucionária, eu diria também, de Euclides da Cunha; com um poeta da grandeza de Manuel Bandeira; com um compositor que seja outro Villa-Lobos, que componha baquianas brasileiras que sejam a interpretação ao mesmo tempo evangélica e brasileira de Bach.  Também um caricaturista ou teatrólogo revolucionariamente evangélico que pela caricatura ou pelo teatro denuncie os abusos dos ricos que para conservarem um privilégio de classe pretende se fazer passar por defensores ou conservadores de tradições religiosas ou mesmo do que se intitula às vezes, pomposa e hipocritamente, civilização cristã (...).  Acompanharei desde agora com maior simpatia aquelas suas atividades cristocêntricas que se desenvolvam em benefício do Brasil, e adaptando-se ao Brasil.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

NÃO TENHO PRATA NEM OURO


Depois da narrativa dos eventos acontecidos na manhã de Pentecostes (Atos capítulo 2), o capítulo seguinte se inicia afirmando que certo dia Pedro e João estavam subindo ao templo na hora da oração, às três horas da tarde (At 3:1 – NVI).
A referência ao templo nesse capítulo de Atos dos Apóstolos (e em todo o livro) é certamente ao templo judaico em Jerusalém e não a uma construção destinada ao culto cristão.  Mas o fato de os discípulos de Jesus o frequentarem e manterem sua piedade pessoal buscando aquele local de culto para suas orações é significativo, pois nos indica que mesmo tendo experiências íntimas e profundas com Deus, o local de adoração comunitária e pública não deveria ser esquecido pelos fieis (lembre Hb 10:25).
Vejamos o que diz o texto.
Numa destas idas ao templo, Pedro e João se encontraram com um aleijado de nascença que estava ali para mendigar (confira At 3:1-2).  Embora aquela fosse uma cena corriqueira e que após a descida do Espírito o grupo de seguidores de Cristo assumisse uma atitude coletiva de cuidado em relação aos necessitados, os apóstolos pararam e deram atenção especial àquele suplicante.
Como o próprio Jesus tinha feito no seu ministério terreno, ainda que visando atingir a coletividade dos seres humanos, ele sempre encontrou tempo e parou para dar atenção individualizada a quem necessitava.  Da mesma forma, os apóstolos pararam para oferecer auxílio particular ao mendigo aleijado na porta do templo.
O mais importante deste episódio, contudo, é a sequência que vem a seguir.
No verso seis: os apóstolos ofereceram a solução para o problema do aleijado – não uma solução paliativa ou uma simples esmola.  Não seria a prata ou o ouro que mudaria aquela situação.  O que Pedro e João ofereceram foi a transformação radical, a cura e solução definitiva, por que trataria da causa e não da consequência.  Se aquele homem mendigava por que era aleijado e não podia trabalhar, então agora ele ficaria livre de sua deficiência e poderia trabalhar para seu próprio sustento (o texto de Ef 4:28 opõe trabalho a furto, mas a instrução do sustento pode ser aplicada aqui).
Disse Pedro: "Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isso lhe dou.  Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande"  (At 3:6).
No nome de Jesus a cura foi operada (veja ainda o verso 16 pouco adiante).  De forma objetiva e prática, Pedro anunciou que todo poder pertence ao Senhor e somente no nome dele seus discípulos realizam a obra (Jesus garantiu isso em Jo 14:12-14).  A cura foi operada – o milagre aconteceu somente no poder que há no nome de Jesus.  E isso deve nos ensinar que o mesmo poder ainda está ao alcance da igreja quando ela age na autoridade do mesmo nome (confira ainda Cl 3:17).
O que aconteceu a seguir (leia o verso oito) foi que o antes mendigo aleijado, agora curado, de um salto começou a andar e principalmente, entrou no templo saltando e louvando a Deus.  O resultado da manifestação poderosa através do nome do Senhor Jesus deve ser sempre a glorificação de Deus (Paulo diz isso em 1Co 10:31).  E mais: toda a vida e ação, bem como a pregação e o exercício de todo e qualquer dom ou manifestação espiritual no meio da igreja deve levar necessariamente à exaltação e à glória do Senhor (veja que na profecia de Isaías o Senhor já anunciava que não repartiria sua glória com ninguém – Is 42:8 e 48:11).
E um último destaque é que Pedro e João, diante da admiração do povo no pátio no templo, não perderam a oportunidade de anunciar o evangelho: Arrependam-se, pois, e voltem-se para Deus, para que os seus pecados sejam cancelados (At 3:19).
Este exemplo precisa ser seguido por todo discípulo de Cristo em qualquer tempo: o objetivo principal da igreja é anunciar o evangelho e desafiar as pessoas a tomarem uma decisão diante de Cristo mediante a confissão e arrependimento de pecados (ainda é paulina a instrução enfática de 2Tm 4:2).

terça-feira, 12 de novembro de 2019

PARA ALÉM DE ATOS DOS APÓSTOLOS


O livro de Atos dos Apóstolos desenvolve um movimento que inicia em Jerusalém e aponta para Roma, a capital do Império.  É interessante, porém, alargar um pouco nossa visão histórica e perceber que o cristianismo primitivo, ainda no primeiro século, atingiu muitos outros lugares.
Embora o Livro de Atos se refira a números de convertidos, eles são sempre genéricos (em At 2:41 e 4:4 fala-se em três e cinco mil almas, porém o mais comum é multidão, como em At 4:32; 6:2 e 14:1), o que não nos permite traçar uma estatística exata do cristianismo primitivo.  Contudo, parece claro para a história que várias outras comunidades se formaram desde muito cedo a partir da pregação dos demais discípulos e de outros cristãos anônimos.
Além das grandes igrejas em Jerusalém e Antioquia e das igrejas fundadas pelo ministério de Paulo em suas viagens, há ainda outras igrejas indicadas em Atos apenas como uma referência indireta: no dia de Pentecoste muitos dos convertidos não eram de Jerusalém e devem ter levado a mensagem ao voltarem para sua casa (em At 2:9-11).  O eunuco igualmente deve ter levado a mensagem à Etiópia (em At 8:26-39).  Ao chegar em Damasco, Saulo já achou uma comunidade (em At 9:19).  E Pedro batizou vários na casa de Cornélio em Cesareia (em At 10:47).
No próprio NT temos indicação de igrejas que Atos não se ocupa em descrever: Pedro cita igrejas em Ponto, Galácia, Capadócia, províncias da Ásia e Bitínia (veja 1Pe 1:1); as sete igrejas do Apocalipse também são uma boa indicação (confira em Ap 1:11); e Paulo se refere a igrejas fundadas em Ilírico (em Rm 15:19), em Cencréia (em Rm 16:1), em Laodicéia (em Cl 3:15), e ao longo da Galiléia (em 1Co 16:1); como também a igreja dos colossenses que não é citada no Livro de Atos dos Apóstolos.
Outras comunidades cristãs fora da Palestina, que não são registradas, nem em Atos nem nas epístolas, também conheceram o evangelho desde aquele século: na Síria (igreja bilíngue, grego e siríaco); nos Bálcãs (atual Sérvia); em Alexandria no Egito (terra de Apolo – igreja de língua copta); no norte da África (atual Tunísia e Argélia) e na Espanha.
Para além das fronteiras romanas, houve igrejas em Partos e na Índia (segundo a tradição, fundada por Tomé); entre os citos (por André) e na Armênia (o primeiro país oficialmente cristão); e outras pequenas comunidades ao longo da Mesopotâmia. Contudo, infelizmente, várias destas igrejas cristãs não sobreviveram além do II ou III séculos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

ELE PERMANECE FIEL


A frase "Deus é fiel" se tornou bem popular nestes dias.  Ela está escrita e decalcada em vários lugares: de estampas em camisas a adesivos para carros.  Contudo, é bom observar que mais que uma frase de efeito, aqui está uma afirmação básica de minha fé e esperança: o Deus em quem confio e no qual espero é fiel. 
Veja comigo então o que isto quer dizer.
Em 2Tm 2:13 está escrito: se somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo.  Neste verso está resumida toda a razão da confiança e esperança que tenho em um Deus fiel.
Duas afirmações me saltam do texto:
Primeira: a fidelidade de Deus não depende de minha conduta ou posição.  Deus é fiel para comigo apesar de, eventualmente, eu não conseguir manter minha fidelidade para com ele.  Não há uma relação de causa e efeito entre a atitude de Deus e minha resposta.
Segunda: na mesma linha da anterior, é da essência da natureza divina ser fiel.  Deus é em si mesmo fiel: o seu modo próprio de ser é a fidelidade, ou seja, se deixar de ser fiel, deixa de ser Deus – este atributo divino é inquestionável.
E então, que devo fazer diante de um Deus que é essencialmente fiel?  É bom, ouvir o conselho do salmista: Entregue seu caminho ao Senhor; confie nele, e ele agirá (Sl 37:5).
A palavra do salmista pode ser percebida nos dois verbos:
a) Entregue – sendo Deus fiel então posso entregar meu caminho ao Senhor e deixar que ele o conduza para o melhor destino; e
b) Confie – ainda reconhecendo a fidelidade divina, resta-me apenas confiar e descansar inteiramente no Salvador que ele me valerá.
Deus é fiel!  Aleluia!  Que esta não seja apenas mais uma frase em minha vida; mas a expressão de louvor e gratidão de uma alma que aprendeu a se entregar e confiar inteiramente no Senhor.
Para a glória dele.  Amém.