Os
textos de Mt 26:30 e Mc 14:26 remontam a cena em que Jesus Cristo
tinha acabado de celebrar os ritos pascoais com seus discípulos.
Num
momento psicologicamente tenso, pois todos pressentiam que algo
terrível já estava em curso e que mudaria por completo a história
deles (e hoje digo: mudaria a história da humanidade), quando Jesus
anunciou a traição do Iscariotes e estabeleceu seu sangue como o
selo da nova aliança.
Os
Evangelhos dizem
simplesmente que “cantaram
um hino”
e depois seguiram para o Horto do Getsêmane – e só.
O
hino cantado deve ter sido tirado do Hallel (um grupo de Salmos –
113-118 – que eram entoados naquelas ocasiões e cujo refrão em
geral era o Sl 115:18). Não havia nada mais para ser dito.
Se
o momento se mostrou solene, a celebração foi simples e
introspectiva. Todo o ritual foi cumprido estritamente. Mas não
foi um ritual vazio, ele veio carregado de emoções e significados,
fazendo com que cada participante podesse refletir e compreender seu
papel no desenrolar dos fatos que estariam por acontecer.
Apesar
da brevidade da citação, quero que me permita desdobrá-la na
leitura para compreender alguns de seus significados e extensão
naqueles que dela participaram.
O
contexto é a celebração da Páscoa entre Jesus e seus seguidores.
Para os judeus, a Páscoa era uma cerimônia íntima que deveria ser
celebrada em família (Êx 12:2) e, como Mateus sempre enfatiza,
Jesus cumpriu toda a Lei (veja Mt 5:17). Assim os ritos pascoais
foram cumpridos.
Isso
já dá uma dimensão de como o Mestre entendia e previa esta
celebração entre seus discípulos. Jesus sabia que os ritos,
embora imbuídos de conexões culturais, não podiam ser desprezados.
Ao
cumprir a formalidade da cerimônia, Jesus estava enfatizando que a
adoração tem que respeitar a solenidade que a presença divina
exige (em Hc 2:20 a exigência do silêncio pressupõe a solenidade
necessária diante da presença do Senhor).
Mas
em Jesus o ritual não é um fim em si mesmo: os atos de culto não
devem se voltar a si mesmo; eles precisam estar repletos de
significados e cada elemento apontar uma mensagem.
É
como se Deus falasse aos cultuantes novamente cada vez que os
elementos formais do culto fossem evocados. Embora a essência não
estivesse nos ritos, Jesus sabia que a repetição deles haveria de
conferir um caráter perene a celebrações com seus discípulos.
Outra
observação mais clara nas citações estar na simplicidade com que
os evangelistas indicam o cântico do hino. Parecem querer dizer
que, embora a adoração a Deus possa ser bela e rica, cantar
louvores a Deus deve ser algo tão natural entre os que seguem a
Jesus que não há necessidade de extravagância. Ou seja,
simplesmente a adoração e o cântico deveriam apontar ao louvor a
Deus – este sim deveria sobressair.
Então
eles cantaram: Mas
nós bendiremos o Senhor desde agora e para sempre! Aleluia!
(Sl 115:18).
Ao
concluir a cerimônia com o cântico do hino, Jesus e seu círculo
mais íntimo foram ao Monte das Oliveiras. Lá o Cristo viveria as
experiências dolorosas do Getsêmane.
Tendo
cumprido suas obrigações rituais solenes e adorado a Deus com
simplicidade de coração, Jesus estava pronto para cumprir sua
missão.
Somente
um culto e uma adoração levada a efeitos nestes moldes pode
produzir um resultado assim.