sexta-feira, 29 de agosto de 2014

AS MARCAS DE JESUS

A partir de relatos e tradições medievais, alguns homens e mulheres dizem receber em seus próprios corpos marcas genuínas das chagas em Cristo.  Estes, por sua vida de devoção e religiosidade são escolhidos por Deus para trazerem os "estigmas" da cruz – ou no latim: stigmata.
Porém indo à Bíblia procurando nela sobre o tema, o que encontro é Paulo escrevendo aos cristãos da Galácia, já no final da epístola, quando ele diz: trago em meu corpo as marcas de Jesus (em Gl 6:17).  Na leitura da carta sagrada me parece que o apóstolo está falando de outra coisa ou que, pelo menos, aponta outro sentido e direção completamente diferente da tradição.
Paulo fala das cicatrizes no corpo – e na alma – que ele acumulou ao longo de sua vida e ministério apostólico.  Assim sendo, tais marcas não são motivo de vaidade ou arrogância; também não se mostram como peso ou motivo de lamento e nostalgia frustrante.  As marcas de Jesus são sim a evidência concreta e objetiva da alegria na humilde submissão à vontade de Deus.  Desta forma, desdobrando a compreensão das cicatrizes cristãs alegadas aos gálatas, devo entender que:
a. As marcas de Jesus são registro e testemunho da história pessoal do apóstolo.  Ao longo de sua vida e caminhada como missionário desbravador cristão, Paulo foi submetido a diversas situações dolorosas e adversas.  Tudo isso deixou profundos traços no seu próprio corpo (leia o que diz em 2Co 11:23-28).  Olhar para as marcas de Jesus em seu corpo era se lembrar de toda a trajetória por onde teve de passar, o que lhe conferia respaldo para desafiar a igreja a uma vida com Cristo (leia Tt 2:12).
b. Aquelas marcas ainda salientavam os compromissos e prioridades assumidas durante a jornada.  A vida cristã não é simplesmente fácil; exige comprometimento e que se estabeleça hierarquias de valor (note o que ele disse aos líderes de Éfeso em At 20:24).  Cada nuance e cada dobra de cicatriz no corpo gritava por si só sobre o que motivava essencialmente Paulo.  À vista delas o apóstolo tinha autoridade para conclamar a encarnar o desafio cristão (Paulo levou a sério Mt 16:24).
c. E ainda as marcas que Paulo trazia eram a salvaguarda das esperanças que o mantiveram firme – e isso está na base de toda a sua teologia e doutrina (em diversos textos como Rm 8:18; Gl 2:20; Cl 2:20; 1Co 15:14; 1Co 1:22-23; Rm 5:2).  Cada marca trazida era uma garantia que lhe foi gerada de que em Cristo, e somente nele, há verdadeira esperança (compare ainda 1Co 15:58 com Fl 1:6).  Assim, o apóstolo podia com propriedade arregimentar, conclamar e enfileirar cristãos imbuídos de compromisso e viva esperança (a expressão é de 1Pe 1:3, mas está em acordo com Paulo aqui).
Estas são as marcas apostólicas de Jesus que Paulo trazia em seu corpo.  Agora devo com sinceridade me questionar: e eu e você, que marcas trazemos em nossos corpos que testemunham nossa história com Cristo?  Nosso compromisso primário?  Nossa maior esperança?

(Reflexão publicada originalmente no sítio ibsolnascente.blogpsot.com em 19/11/2010.  Quanto a imagem que ilustra esta postagem, ela é uma reprodução de "Christ On The Cross" do italiano Michelangelo Buonarroti desenhado por volta do ano 1541 atualmente exposto no British Museum)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

TRÊS DIÁLOGOS SOBRE ARTE

O que é arte?
Já li um bocado de definições teóricas sobre a arte em si, o tal estado de arte e outros temas correlatos.   Muito discurso do senso comum ou de viés acadêmico-científico.  Nunca me satisfiz com nenhum deles.  Arte é arte: é algo extremamente humano, e, de certo modo, o que nos faz assim!
Mas isto também não define arte.  Matar sem motivo, ou morrer de fome olhando para comida também é humano – mas nem por isso é arte.
Volto à pergunta: O que é arte?  Por que a fazemos?  Como não tenho uma resposta pronta, então vou tomar três diálogos colhidos em filmes para tentar vislumbrar algum conceito.
E antes que você espere outra coisa, deixe-me alertar:  isto não é artigo sobre crítica de cinema.  É apenas uma reflexão sobre películas que assisti e que me ajudaram a perceber melhor essa coisa humana que chamamos de arte – e com ela o próprio ser humano.  Vamos a eles.
O primeiro deles é A Festa de Babette.  Filme dinamarquês de 1987 que eu assisti a primeira vez após vê-lo citado em um texto do Rubem Alves (o título original é: Babettes Gœstebud).   
A história se passa em 1871 num vilarejo nos confins da Dinamarca e tem seu ponto alto quando Babette – uma cozinheira parisiense refugiada naquele lugar - oferece sua arte para celebrar o centenário do pastor aos ranzinzos fieis.
E eles decidem o conluio contra os estranhos preparativos para o noite festiva com uma oração:
— Que meu corpo se alimente hoje.  Que meu corpo seja escravo de minha alma.  Que minha alma avance para a glória do Senhor.  Amém.
Só que um convidado inesperado chega sem saber nem do boicote, nem da presença da maître francesa.  E diante do tão esplendoroso banquete comenta:
— Essa mulher era capaz de transformar um jantar numa espécie de caso de amor, numa relação de paixão onde era impossível diferenciar o apetite físico do espiritual.
Ao que os convidados respondem:
— Aleluia.
— As estrelas estão mais próximas.
O segundo filme é o brasileiro Tempos de Paz.  Obra de 2009, eu o assisti zapeando pela televisão numa noite sem sono quando me deparei com o início dele e decidi ver um pouco mais para saber do que se tratava, já que nunca tinha nem sequer ouvido falar.  Fui vendo... fui vendo... fui vendo... e quando me dei conta já estava envolvido na história. 
O enredo simples acontece em 1945 com o fim da segunda guerra quando um ator polonês chega ao Brasil e precisa convencer o agente da alfândega a deixá-lo ficar.  E lança um desafio de fazer chorar o duro agente se quisesse ficar:
— O que vocês podem me contar que pode me causar uma emoção diferente em mim?
Lançado o desafio, a arte do teatro surge e finalmente cai um gota de lágrima.
— Seu teatro me fez chorar!  Foi o teatro! (...) E o pior é que não entendi nada que o sujeito disse.  E o que era aquele monte de palavras?
O terceiro filme é Minha Amada Imortal.  Filme biográfico que retrata a vida do compositor L. van Beethoven (original: Immortal Beloved de 1994).  Esse eu assisti por sugestão de um amigo músico.  E se retrata de maneira fidedigna os fatos reais da biografia do músico alemão é irrelevante – é arte! 
Num momento do filme, quando Beethoven encontra pela primeira vez seu amigo Schindler, enquanto é tacada a Sonata para violino nº 9, o compositor provoca:
— A música é uma coisa apavorante.
— O que é?
— Eu não entendi.  O que a música faz?
— Exalta... a alma.
— Bobagem!  Ao ouvi uma marcha, sua alma se exalta?  Não, marcha. Se é uma valsa, você dança.  Na missa, você comunga.  A música tem o poder de fazer a pessoa entender o que se passa na cabeça de um compositor.  O ouvinte não tem escolha.  E como hipnotismo.  Então, o que eu tinha em mente quando compus isso?
Bem, são só fragmentos de diálogos.  Não sei se conseguir clarear as idéias sobre essa coisa humana de arte.  Se não, sugiro que veja as obras por completo, elas com certeza ajudarão.

Quanto à imagem lá em cima: ela é uma reprodução de obra Guernica do espanhol Pablo Picasso pintada em 1937.  Contemplá-la fez brotar um sentimento de dor pelas atrocidades do ditador Francisco Franco cometidas na cidade espanhola: isso é sem dúvida arte!

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

PORTABILIDADE RELIGIOSA

Na semana passada eu republiquei uma reflexão bíblica que havia escrito em 2010 sobre a experiência dos amigos do profeta Daniel intitulada Com o Quarto Homem (leia aqui).  Desde então, uma expressão que coloquei naquele texto tem voltado às minhas ideias como uma bolinha de ping-pong – elas vão e voltam: a tal da portabilidade religiosa.  E sobre ela quero aqui compartilhar um pouco do que está pingando na minha cabeça.
Devo começar constatando que hoje em nosso Brasil em particular, e no chamado ocidente cristianizado moderno em geral, já não é crime nem absurdo qualquer ser humano simplesmente decidir mudar de religião.  É, de certa forma, até natural ver alguém se assumindo:
— Antes eu seguia aquela doutrina, agora me converti e sigo uma nova fé!
E é bom que seja assim.  Um pouco se deve ao rico legado cristão que oferecemos à nossa cultura.  Mas isso é outra discussão que não vou me ater por agora – quem sabe em um outro momento...
Também sei que, enquanto escrevo estas palavras na intenção de publicá-las com toda liberdade, a alguns não está sendo dado o direito de escolher sua fé e professá-la com a mesma liberdade e dignidade.  O que já é outra discussão e acho que devo igualmente me resguardar para analisar em outra ocasião...
Olhando por este ponto de vista, a liberdade de poder escolher de modo consciente, responsável e desimpedido a religião que pretendo abraçar e seguir seus preceitos e ditames sem que isso me cause constrangimento de qualquer espécie – e quantas vezes me for adequado – é sinal de uma sociedade saudável.
Afinal, sobre a minha religião, suas implicações e doutrinas, convicções e cultos cabe a mim e ao meu Deus somente avaliar e julgar.  E se este é um valor precioso que defendo como princípio de minha fé, então é imperioso que eu o estenda a todo e qualquer ser humano como direito básico.
Abrindo um parêntese: sou crente batista e o princípio da liberdade religiosa faz parte da estrutura doutrinária fundamental da minha crença. 
Outro: não sou alienado para desconsiderar a realidade que toda decisão pessoal, inclusive religiosa, traz implicações sociais e históricas em seu bojo que não posso desconsiderar em hipótese alguma.  Fecho o parêntese.
Mas, voltando às ideias sobre a portabilidade religiosa, tudo o que é bom pode ser estragado (infelizmente).  Os tempos em que vivemos distenderam o conceito de conversão e portabilidade religiosa a um ponto tal que em muitos casos já o esgarçou.  Hoje se troca de fé ou de igreja não por convicção ou convencimento; mas por conveniência pura e rasa.  E isso é ruim!
Migra-se de religião e de comunidade de fé como quem troca o recheio do sanduíche na lanchonete da esquina.  Adere-se a nova formulação espiritual como quem opina sobre o último modismo ou tendência.  Negocia-se com a doutrina como quem escolhe um produto no supermercado.  Fala-se de sacerdotes como quem fofoca sobre um pop star.  E a vida vai-se diluindo.
Uma religiosidade moderna (pós?) assim, carece de experiências profundas como as Agostinho de Hipona; convicções inabaláveis como as de Francisco de Assis; disposições firmes como as de Martinho Lutero ou engajamento consequente como o de Albert Schweitzer.  Homens que ao longo da vida foram levados a conversões religiosas, mas que fizeram de tais portabilidades apenas instrumento de crescimento para si e para suas comunidades.  E por isso mesmo nos deixaram tão rica herança.
Volto a dizer – pingando mais uma vez a bolinha das ideias – que bom que a portabilidade é possível!  E se não fosse eu bem que honraria minha herança e lutaria por ela.  Mas que ela não empobreça meu espírito.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

A força revolucionária do amor cristão

Na pequena epístola a Filemon, Paulo se apresenta unicamente como prisioneiro: para o objetivo que tinha em mente pouco importava a autoridade do título de apóstolo.  Ele tinha uma oportunidade ímpar de colocar em prática seu evangelho e não iria perder a chance.
Alguns comentaristas vêem neste texto uma acomodação de Paulo diante da escravidão ou até um desinteresse em enfrentar o problema de frente.  Isto devido ao fato de que, segundo os mesmos comentaristas, o apóstolo simplesmente ter mandado de volta o escravo à casa de seu senhor.  Mas é significativo notar que Paulo não escreve ao escravo pedindo que aceite a sua situação com resignação, mas escreve ao senhor pedindo que este receba de volta um escravo que se tornou irmão.
Paulo teria muitas maneiras mais eficazes para resolver o problema de Onésimo.  Talvez se tivesse comprado a sua liberdade encerraria o caso: qualquer um faria isso.  Concordo com J. Comblin quando diz que “Paulo quer mostrar na casa de Filemon que um novo mundo fundado na ͗αγάπη não somente é possível mas é uma realidade.  Ele não estava interessado numa libertação do tipo da ocorrida da América, e em especial no Brasil, no século XIX mas em propor e colocar em prática a força revolucionária do amor.
Porém não se deve confundir aqui o conceito contemporâneo de amor – que não passa de um disposição subjetiva do indivíduo – com o que Paulo realmente tinha em mente: ele vai além.   Amor não é simples disposição do sujeito, mas um tipo de relacionamento social, tipo este traduzido na solidariedade.  Não é, pois, de se estranhar que ele afirme que o cumprimento da Lei é a ͗αγάπη (Rm 13:10).
A proposta de Paulo era que o evangelho seria capaz de destruir todo o sistema social de dominação não pela força da lei (tanto que nem manda, mas pede), nem pelo abandono dela, nem muito menos com uma revolução armada, mas que os cristãos fossem capazes de inaugurar hic et nunc um novo mundo, uma sociedade, um reino de liberdade regido pelo amor.  Reino este onde não há mais δουλοι e sim διάκονοι e onde o serviço é comum a todos e para todos e expresso através da colaboração mútua.  No Reino de Deus todos são livres e todos são iguais (Gl 3:28).
Outro detalhe é que o amor para Paulo não é uma coisa espontânea.  Ele é produto da fé e do poder do Espírito Santo de Deus.  No evangelho pregado por Paulo andam paralelamente o amor e o poder, sem imposições mas livres.  No entanto sobre isso convém ouvir as palavras de Agostinho de Hipona:
"Não somos livres para escolher entre o amor e o poder, somente somos livres para escolher as alianças entre eles: ou o poder do amor ou o amor ao poder" (citado por Rubem Alves).
E Paulo vai além: a irmandade cristã alcança o ser humano nas suas entranhas (σπλάγχα – v. 20) e na carne (σάρξ – v. 16), ou seja, atinge o ser humano no seu interior e daí fluindo para todo o seu ser.  Para Paulo o homem não é uma ilha, e o evangelho que prega, portanto, atinge-o na sua comunidade produzindo nela novas relações sociais baseadas na ͗αγάπη e na πίστιϛ no Senhor Jesus (v. 5).


Você pode ler um ensaio completo sobre esse tema no livro ENSAIOS TEOLÓGICOS

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Conheça também outros livros:
TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
DE ADÃO ATÉ HOJE – Um estudo do Culto Cristão
PARÁBOLA DAS COISAS

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

COM O QUARTO HOMEM

Numa relação mais completa dos herois da fé no AT devem constar os três amigos de Daniel: Sadraque, Mesaque e Abede-Nego (em seus nomes babilônicos).  Além de eles terem participado com Daniel da dieta de fé (citado em Dn 1:8-16), eles aparecem como personagens principais do episódio da imagem de ouro de Nabucodonosor que resultou na condenação à fornalha ardente.
Segundo o relato bíblico, a cena começa com o rei mandando fazer uma imagem sua com mais de vinte metros de altura e ordenando que todos deveriam adorá-la.  Como os três jovens foram denunciados pelo descumprimento da lei, receberam a sentença.  Aqui começa o prodígio de Deus: Nabucodonosor olhou e viu não três, mas quatro homens andando livremente entre as chamas.
Diante desta narração, devo perguntar não quem era este quarto homem (deixo isso para o campo das especulações), mas o que fazer para ter tal companhia quando eu estiver também tendo que enfrentar a fornalha sete vezes mais aquecida (foi assim descrita em Dn 3:19).  Para responder isto, basta observar a postura dos amigos do profeta.
O primeiro destaque a fazer é que Sadraque, Mesaque e Abede-Nego decidiram – e executaram a decisão – não se dobrar diante da imagem (veja Dn 3:8 e 12).  Só quem se mantém firme diante da tentação dos ídolos é que pode experimentar a companhia do quarto homem.
Sei que hoje não temos mais governantes que nos imponham leis idólatras (segundo a constituição brasileira somos um país sem religião oficial), mas somos tentados a prestar reverência a outros deuses – o culto ao corpo; o culto à prosperidade; o culto à fama; o culto ao ego; o culto ao conforto entre outros – e todos eles nos impedem daquela companhia (lembre-se que esta também foi a tentação que o diabo lançou sobre Jesus em Mt 4:8-10).
Os três jovens também demonstraram conhecer de verdade o Deus a quem serviam (leia em Dn 3:15-17).  Mais uma vez, só quem tem experiências com Deus pode ter a ousadia de enfrentar o rei pois sabe que o Senhor o livrará.
É verdade que nunca houve uma geração com mais acesso a informações que esta nossa.  Mas isso não quer dizer que vivenciamos do contato com o divino e o sagrado em nossas vidas.  Hoje se sabe à distância, porém falta proximidade e convicção para não ceder, e isto é indispensável para a companhia inusitada (compare com a experiência de Jó em 42:5 e Paulo em 2Tm 1:12).
Em terceiro lugar, aqueles rapazes estavam dispostos a assumir as responsabilidades e consequências de sua fé e suas decisões (leia mais em Dn 3:18 – e penso que aqui está o ponto forte).  Ainda, só quem se dispõe a ser fiel até a morte sabe o que é ter o quarto homem caminhando no meio da fornalha.
Observo que a portabilidade tão em voga nos dias de hoje também tem chegado à nossa fé e às nossas convicções.  Desta forma, abre-se mão muito facilmente de verdades e compromissos para dar lugar a uma proposta religiosa mais confortável – e até parece natural! – porém é certo que tal atitude não atrai o quarto homem (cito Ap 2:10, porém ainda é bom ler Lc 9:61).
Devo concluir esta reflexão mais uma vez enfatizando que somente quando o quarto homem observa na minha vida a atitude – e não somente o discurso – de adoração exclusiva, de conhecimento profundo e de disposição completa é que ele chegará para me fazer companhia no meio da fornalha.  E certamente ele o fará para a glória de Deus.

(Texto retirado do sítio ibsolnascente.blogpsot.com em 05/fev/2010)

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Parábola das coisas – OS ÓCULOS


Recentemente precisei trocar os óculos que uso.  Senti a necessidade.  As primaveras vão se sucedendo e as imagens vão ficando mais turvas, então o auxílio do vidro diante dos olhos parece cada dia mais obrigatório (estes agora já ultrapassam os três graus de lente!).  Mas de tanto usar já me acostumei com eles – faz parte do ritual e da indumentária diária.
Então aproveitei os novos óculos, que forçosamente mudaram meu visual, para deixar um pouco a imaginação caminhar sobre o que eles poderiam me dizer como parábola de coisas.
Numa primeira vista – com o perdão do trocadilho! – os óculos bem poderiam simbolizar os anteparos que a cultura, a sociedade ou a religião colocam diante dos olhos e condicionam o nosso modo de ver as coisas.  Também penso que não seria de todo forçar uma interpretação fazer uma ligação entre a maneira como vemos as coisas e o que elas realmente são, sendo os óculos uma espécie de parábola da Alegoria da Caverna de Platão.
Bem, vou parar por aqui com estes papos teórico-filosófico antes que fiquem chatos: trocadilho, anteparos, condicionamento, alegoria... deixa pra lá...
Óculos hoje para alguns, como eu, são itens obrigatórios e que, de modo discretos ou extravagantes, permitem interagir com o mundo e viver.  Mas há os outros, e até já tenho pensado que são maioria, há os óculos que fazem parte do cenário, do charm, do make, do visual.  De instrumento necessário para a visão ou apenas anteparo para o sol, eles se transformaram em moda e em estética.  Usa-se óculos porque 'causa' na aparência.
Eh, creio que não vou resistir e voltar aos anteparos da cultura e da religião.  Vamos lá!  Como instrumento impregnado de nossa vida, os óculos bem podem me servir como parábola do uso que faço de minha cultura e de minha religião na vida diária.  Alguns as têm como utensílios necessários e valiosos que dão real qualidade às suas vidas.  Outros as usam apenas como ostentação ou modismo. 
E se para estes últimos infelizmente a realidade é que as modas passam e os vazios ficam; para os primeiros, os óculos-cultura ou óculos-religião serão sempre proveitosos – e Jesus, mesmo em outro contexto, já havia falado sobre isso em Mt 6:22 – os olhos são a candeia do corpo.  Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz.
E seus óculos, como estão?

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

INCREMENTAI VOSSA VIDA

Tendo apresentado a Cristo Jesus como o modelo de vida, o apóstolo Paulo, escrevendo aos cristãos filipenses, instruiu a por em ação a salvação (leia Fl 2:12). 
Para começo de conversa é preciso deixar claro que hoje eu creio como Paulo: o que chamamos de salvação é um conjunto de dupla característica; cada uma com o seu valor e seu fundamento.  Por um lado a salvação tem um aspecto espiritual, sobrenatural, eterno e miraculoso – este é resultado da ação graciosa e poderosa de Cristo por nós.  Por outro, há o aspecto humano, comportamental e histórico – aqui é quando me atenho em cumprir meu papel e tem a ver com minhas decisões e atitudes do dia-a-dia.
Voltemos ao texto apostólico.  Creio que foi sobre este segundo aspecto que Paulo falou.  Numa tradução bem livre do texto posso ler: façam valer a pena a vida cristã que vocês levam, ou de outra forma, incrementem a qualidade da vida cristã de vocês.  E nos versos logo adiante da leitura bíblica vejo como isso é possível.
No verso 14 ele diz: façam tudo sem queixas.  A vida cristã é vivida com qualidade e exuberância quando é encarada sem murmuração, queixumes ou amarguras.  No mesmo sentido, porém em direção inversa, aos hebreus ainda é dito que qualquer raiz de amargura contamina a vida cristã e exclui o salvo da graça de Deus (confira Hb 12:15).
Ainda aos filipenses no verso 15 é requerido que haja diferenciação do mundo.  A boa existência cristã só se dá quando a luz que há no crente se faz bem destacada em oposição à vida corrompida e depravada conforme os valores mundanos.  O mesmo Paulo falou aos romanos sobre não se amoldar aos critérios do mundo que os cerca (veja Rm 12:2).
E no verso 16 está escrito: retendo firmemente a palavra da vida.  A melhor forma de incrementar a vida cristã é absorvendo a palavra divina como fundamento de toda e qualquer atitude que eu venha a tomar.  Sobre isso devo lembrar do conselho dado a Josué ainda no começo do seu ministério para reter as palavras da Lei (em Js 1:7-8).
Como bom cristão que aspiro ser, devo me esforçar por incrementar, qualificar e desenvolver a salvação que já recebi pela graça sobrenatural de Cristo.  Que sejam estes os critérios de minha vida para a glória daquele que realiza em mim tanto o querer como o acontecer.

(Publicado originalmente em ibsolnascnte.blogspot.com em 22 de outubro de 2010)

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O Nome de Deus e o Culto do Antigo Testamento


O culto cristão é uma manifestação humana de reconhecimento de sua pequenez e finitude; mas também é um culto que reconhece quem é o seu Deus e como ele almeja ser adorado.  Historicamente, o culto cristão é herdeiro do culto no Antigo Testamento e o Deus cultuado em Jesus Cristo é o mesmo que se revelou nas páginas do Antigo Testamento e que desde os antigos pais fez um pacto com o ser humano.  Tendo como absolutamente verdadeiras estas assertivas, então não é errado se concluir que o culto prescrito no AT é modelo para o culto que seguirá a partir do NT; e que o Deus reverenciado então pode ser descrito como os mesmos atributos do Cristo reverenciado agora.
Deus se revelou primeiramente aos pais com um termo genérico – sem dar a conhecer o seu verdadeiro nome – e é assim que é reverenciado e cultuado: o El Elion, o El Shadday, Deus Todo-Poderoso que encarna seu poder no Filho.  O Deus que é Elohim, um Deus plural e majestático e que, por isto, reclama para seu Filho o reconhecimento de sua realeza na concretização do Reino de Deus.  Um Deus plural revelado no Pai, encarnado no Filho e manifestado no Espírito Santo, mas em hipótese alguma não mais de um Deus e sim um Deus único, com um nome único e verdadeiro, que se fez revelado e que precisa ser cultuado e reverenciado.
No mundo antigo, os nomes eram compreendidos como uma extensão e manifestação exata do ser que era nomeado.  Assim a pergunta sobre o nome de Deus é a pergunta sobre a pessoa de Deus, suas características e sua essência.  Ao revelar seu verdadeiro nome para os filhos de Israel e com eles firmar um pacto, Deus está dando-se a conhecer por completo e confirmando que ele é o que seu nome exprime:  YHWH – ou com as vogais propostas: Javé – Aquele que é!  Aquele que é o Senhor dos exércitos de Israel!  Aquele que é um!  Javé será o único Deus para Israel e Israel será possessão eterna para Javé.  Assim, Javé, o Santo de Israel, exige que os seus o adorem com exclusividade e santidade.
É nesta perspectiva que o nome revelado é atribuído a Jesus – o único que pode possuir todos os predicados necessários para portar este nome.  Jesus é o Javé encarnado; e adorar a Jesus é adorar a Javé, cultuar com santidade a regozijo a Jesus é cultuar com santidade e regozijo a Javé.  Ele foi cantado e reverenciado em sua entrada triunfal em Jerusalém (Lc 19:38), um prenúncio da glorificação final que caberá somente a ele.  Montado em um jumento, Jesus recebeu a adoração nas palavras do Salmo 118:26:
Bendito aquele que vem em nome do Senhor!
ברוך הבא בשם יהוה



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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

RESPONDE-ME, Ó DEUS VIVO

É fácil observar que entre os diversos Salmos que trazem como tema o clamor e súplica para que o Senhor dê ouvidos aos seus servos, o do número 34 pode nos apresentar como uma demonstração bem abrangente das lições bíblicas.  No verso 17 lemos: “Os justos clamam, e o Senhor os ouve, e os livra de todas as suas tribulações”.
Com este ideia em mente, vejamos abrir mais um pouco a pesquisa bíblica e notar o que ali nos é dito sobre o clamor ao Senhor.
Veja em primeiro lugar que a Bíblia reconhece que o Deus é vivo – pois só assim poderia ouvir.  Ao contrário dos ídolos das nações que têm ouvidos, mas não ouvem (leia o Sl 135:17), o nosso Deus está bem vivo – pois é a essência da própria vida – o por isto pode interagir e ouvir a nossa voz.
Mais que isto também, tal certeza nos aponta para a verdade de que Deus tanto está vivo como tem real interesse pelo que temos a dizer.  É isto que provoca amor nos seus servos e daí a convicção ser ouvidos.  Não há dúvida de que a afirmação do salmista expressa isto: “Eu amo o Senhor, porque ele me ouviu quando lhe fiz a minha súplica” (Sl 116:1).
Olhando para o Sl 116 – em especial no verso 10 – o salmista afirma: “Cri, por isso falei”.  Se eu creio que o meu Deus é vivo e que se compadece de mim, então eu não posso me calar.  Tenho que colocar toda a minha súplica e minha existência diante de Deus para que ele possa ouvi e atender ao meu pedido.
Mas uma advertência, porém deve ser colocada neste momento; e ela nos vem da profecia de Isaías: “Vejam! O braço do Senhor não está tão encolhido para que não possa salvar; e o seu ouvido tão surdo para que não possa ouvir.  Mas as suas maldades separam vocês do seu Deus; os seus pecados escondem de vocês o rosto dele, por isso ele não os ouvirá” (Is 59:1-2).  Havendo mácula de pecado em nossa vida e em nosso meio, isto impedirá que Deus nos ouça, e não nos ouvindo, recolherá sua mão em nos abençoar.
Com certeza, temos muito para dizer a Deus, e ansiamos para que ele nos ouça.  Temos confiança nisto, pois sabemos que ele é vivo!  Então vamos clamar e limpar a nossa vida para que Deus realize em nós as sua graça:

Responde-nos, ó Deus vivo!