A
partir de relatos e tradições medievais, alguns homens e mulheres dizem receber
em seus próprios corpos marcas genuínas das chagas em Cristo. Estes, por sua vida de devoção e religiosidade
são escolhidos por Deus para trazerem os "estigmas" da cruz – ou no
latim: stigmata.
Porém indo
à Bíblia procurando nela sobre o tema, o que encontro é Paulo escrevendo aos
cristãos da Galácia, já no final da epístola, quando ele diz: trago em meu
corpo as marcas de Jesus (em Gl 6:17). Na
leitura da carta sagrada me parece que o apóstolo está falando de outra coisa
ou que, pelo menos, aponta outro sentido e direção completamente diferente da
tradição.
Paulo
fala das cicatrizes no corpo – e na alma – que ele acumulou ao longo de sua
vida e ministério apostólico. Assim sendo, tais marcas não são motivo de
vaidade ou arrogância; também não se mostram como peso ou motivo de lamento e
nostalgia frustrante. As marcas de Jesus são sim a evidência concreta e
objetiva da alegria na humilde submissão à vontade de Deus. Desta forma,
desdobrando a compreensão das cicatrizes cristãs alegadas aos gálatas, devo
entender que:
a. As marcas de Jesus são
registro e testemunho da história pessoal do apóstolo. Ao longo de sua
vida e caminhada como missionário desbravador cristão, Paulo foi submetido a
diversas situações dolorosas e adversas. Tudo isso deixou profundos
traços no seu próprio corpo (leia o que diz em 2Co 11:23-28). Olhar para
as marcas de Jesus em seu corpo era se lembrar de toda a trajetória por onde
teve de passar, o que lhe conferia respaldo para desafiar a igreja a uma vida
com Cristo (leia Tt 2:12).
b. Aquelas marcas ainda
salientavam os compromissos e prioridades assumidas durante a jornada. A
vida cristã não é simplesmente fácil; exige comprometimento e que se estabeleça
hierarquias de valor (note o que ele disse aos líderes de Éfeso em At 20:24). Cada nuance e cada dobra de cicatriz no corpo
gritava por si só sobre o que motivava essencialmente Paulo. À vista
delas o apóstolo tinha autoridade para conclamar a encarnar o desafio cristão
(Paulo levou a sério Mt 16:24).
c. E ainda as marcas que Paulo
trazia eram a salvaguarda das esperanças que o mantiveram firme – e isso está
na base de toda a sua teologia e doutrina (em diversos textos como Rm 8:18; Gl
2:20; Cl 2:20; 1Co 15:14; 1Co 1:22-23; Rm 5:2). Cada marca trazida era
uma garantia que lhe foi gerada de que em Cristo, e somente nele, há verdadeira
esperança (compare ainda 1Co 15:58 com Fl 1:6). Assim, o apóstolo podia
com propriedade arregimentar, conclamar e enfileirar cristãos imbuídos de
compromisso e viva esperança (a expressão é de 1Pe 1:3, mas está em acordo com
Paulo aqui).
Estas
são as marcas apostólicas de Jesus que Paulo trazia em seu corpo. Agora
devo com sinceridade me questionar: e eu e você, que marcas trazemos em nossos
corpos que testemunham nossa história com Cristo? Nosso compromisso
primário? Nossa maior esperança?
(Reflexão publicada originalmente no sítio
ibsolnascente.blogpsot.com em 19/11/2010.
Quanto a imagem que ilustra esta postagem, ela é uma reprodução de "Christ
On The Cross" do italiano
Michelangelo Buonarroti desenhado por volta do ano 1541 atualmente exposto no British
Museum)