O
texto bíblico nos diz que logo depois de terem passado pelo sufoco
do mar, enquanto saiam do Egito, Miriam – a irmã de Moisés e Arão
– pegou um tamborim, reuniu as mulheres de Israel cantou e dançou
(leia em Ex 15:20-21).
Sei
que o tema da dança e do seu uso em nossas liturgias não é novo
(para se ter uma ideia, Agostinho de Hipona no século IV já falava
sobre a dança), então não quero ter a pretensão de apresentar
nenhuma novidade, apenas investigar um pouco sobre como ele é
tratado na Bíblia. Venha comigo.
Vou
começar com a própria personagem que tomei como referência: Miriam
(vou preferir esta grafia pois respeita melhor o hebraico). Estando
a cronologia tradicional correta, a altura da narrativa, Miriam já
não era nenhuma garotinha ou adolescente com hormônios e
sensualidade em polvorosa, era uma anciã respeitada e líder da
comunidade. Logo sua dança deve ser visualizada nestes termos.
Eu
sei que a citação do Êxodo é bem curta, apenas dois versos, sendo
um a transcrição do refrão que acompanhou a dança. Mas o texto
não parece demonstrar exatamente um episódio de culto, como muitas
vezes vai ser caraterizado no próprio Êxodo e em todo o Antigo
Testamento. Ali não há sacrifício, não há oferta; apenas
celebração.
É
verdade que há outros relatos de bailado no AT: a filha de Jefté
dançando também com tamborim pela vitória de seu pai frente os
amonitas (em Jz 11:34); as garotas de Siló em momento de
descontração (em Jz 21:21-23); e as mulheres de Israel enaltecendo
as vitórias de Davi e humilhando Saul (em 1Sm 18:6-7). O problema é
que nestes casos temos finais inesperados: a filha de Jefté morreu
inocente; as garotas de Siló foram raptadas; e em Saul fez brotar um
ciúme doentio por Davi.
No
Novo Testamento, as poucas citações sobre dança (como no caso da
filha de Herodias que seduziu o rei em Mt 14:6 ou na volta do filho
pródigo em Lc 15:25) não ajudam em nada em nossa reflexão, já que
se tratam de episódios alheios ao tema bíblico central de adoração
e culto ao Senhor.
Então
vamos voltar ao caso de Miriam. E para entender melhor, vou pedir
ajuda ao hebraico do texto: ali a expressão usada é מחלה
(mhlh)
– aqui no plural. A origem do termo é o verbo חול
(hwl)
que pode ser traduzido como rodear, vibrar ou dançar em roda. E
esta mesma palavra eu encontro no Sl 150:4.
Deixe-me
propor uma tradução alternativa para o texto da dança de Miriam,
sem nenhuma preocupação com o rigor literal, mas tentando expressar
a ideia do texto:
Então
a profetisa Miriam, a irmã de Arão,
respondeu ao cântico de Moisés pegando um tamborim
e chamando as mulheres de Israel
para uma roda de ciranda ao som da cantiga:
– Vamos cantar ao Senhor porque sua vitória foi grande.
Ele jogou no mar o cavalo e seu cavaleiro.
respondeu ao cântico de Moisés pegando um tamborim
e chamando as mulheres de Israel
para uma roda de ciranda ao som da cantiga:
– Vamos cantar ao Senhor porque sua vitória foi grande.
Ele jogou no mar o cavalo e seu cavaleiro.
Assim
eu entendo a alegria e a dança de Miriam. Mais que uma liturgia ou
um momento solene, nem sequer uma coreografia pré-fixada e ensaiada.
Uma grata celebração que invade a vida com tudo que ela tem de
melhor, inclusive com uma gostosa e espontânea roda de ciranda.
E
Deus é louvado em tudo.
(Na
imagem lá em cima, reprodução da obra The
Songs of Joy do
francês James Tissot pintado em 1900. Atualmente exposto no The
Jewish Musuem – New York)
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