sexta-feira, 13 de abril de 2018

DANÇANDO COM MIRIAM

O texto bíblico nos diz que logo depois de terem passado pelo sufoco do mar, enquanto saiam do Egito, Miriam – a irmã de Moisés e Arão – pegou um tamborim, reuniu as mulheres de Israel cantou e dançou (leia em Ex 15:20-21).
Sei que o tema da dança e do seu uso em nossas liturgias não é novo (para se ter uma ideia, Agostinho de Hipona no século IV já falava sobre a dança), então não quero ter a pretensão de apresentar nenhuma novidade, apenas investigar um pouco sobre como ele é tratado na Bíblia. Venha comigo.
Vou começar com a própria personagem que tomei como referência: Miriam (vou preferir esta grafia pois respeita melhor o hebraico). Estando a cronologia tradicional correta, a altura da narrativa, Miriam já não era nenhuma garotinha ou adolescente com hormônios e sensualidade em polvorosa, era uma anciã respeitada e líder da comunidade. Logo sua dança deve ser visualizada nestes termos.
Eu sei que a citação do Êxodo é bem curta, apenas dois versos, sendo um a transcrição do refrão que acompanhou a dança. Mas o texto não parece demonstrar exatamente um episódio de culto, como muitas vezes vai ser caraterizado no próprio Êxodo e em todo o Antigo Testamento. Ali não há sacrifício, não há oferta; apenas celebração.
É verdade que há outros relatos de bailado no AT: a filha de Jefté dançando também com tamborim pela vitória de seu pai frente os amonitas (em Jz 11:34); as garotas de Siló em momento de descontração (em Jz 21:21-23); e as mulheres de Israel enaltecendo as vitórias de Davi e humilhando Saul (em 1Sm 18:6-7). O problema é que nestes casos temos finais inesperados: a filha de Jefté morreu inocente; as garotas de Siló foram raptadas; e em Saul fez brotar um ciúme doentio por Davi.
No Novo Testamento, as poucas citações sobre dança (como no caso da filha de Herodias que seduziu o rei em Mt 14:6 ou na volta do filho pródigo em Lc 15:25) não ajudam em nada em nossa reflexão, já que se tratam de episódios alheios ao tema bíblico central de adoração e culto ao Senhor.
Então vamos voltar ao caso de Miriam. E para entender melhor, vou pedir ajuda ao hebraico do texto: ali a expressão usada é מחלה (mhlh) – aqui no plural. A origem do termo é o verbo חול (hwl) que pode ser traduzido como rodear, vibrar ou dançar em roda. E esta mesma palavra eu encontro no Sl 150:4.
Deixe-me propor uma tradução alternativa para o texto da dança de Miriam, sem nenhuma preocupação com o rigor literal, mas tentando expressar a ideia do texto:

Então a profetisa Miriam, a irmã de Arão,
respondeu ao cântico de Moisés pegando um tamborim
e chamando as mulheres de Israel
para uma roda de ciranda ao som da cantiga:
– Vamos cantar ao Senhor porque sua vitória foi grande.
Ele jogou no mar o cavalo e seu cavaleiro.

Assim eu entendo a alegria e a dança de Miriam. Mais que uma liturgia ou um momento solene, nem sequer uma coreografia pré-fixada e ensaiada. Uma grata celebração que invade a vida com tudo que ela tem de melhor, inclusive com uma gostosa e espontânea roda de ciranda.
E Deus é louvado em tudo.

(Na imagem lá em cima, reprodução da obra The Songs of Joy do francês James Tissot pintado em 1900. Atualmente exposto no The Jewish Musuem – New York)

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