"Há sempre algum proveito quando o mestre não é de inteira confiança: o
aprendiz precisa convencer-se a si mesmo sobre as verdades"
(Soren Kierkgaard, em "As obras do amor")
(Soren Kierkgaard, em "As obras do amor")
Estudei em um seminário taxado
pejorativamente de "liberal". Digo
pejorativamente porque há um misto de desonestidade e pequenez intelectual em
quem a ele aplica este termo.
DESONESTIDADE, porque a intenção
de quem usa o termo não visa construir pontes em busca do fortalecimento da
unidade na diversidade. Antes, quem
assim o taxa geralmente é um construtor de muros, amante da discriminação
alheia, em busca de proteção do próprio status quo, de sua zona de conforto, do
incômodo de quem o contesta, da hegemonia do seu poder.
PEQUENEZ INTELECTUAL porque o
termo liberal pode significar tanta coisa que, por paradoxal que possa parecer,
até de conservador pode ser sinônimo. Por
exemplo: o capitalista conservador é liberal, pois defende a manutenção do
liberalismo nas relações de mercado. Para
ele, conservar as relações de produção e consumo distantes do controle do
Estado seria o melhor caminho à vida em sociedade.
Outro exemplo: os batistas
nasceram sob a bandeira da defesa da liberdade.
Liberdade de crença, de pensamento, de opinião, de interpretação das
Escrituras, de reunir-se, de organizar-se, de autogerir-se como igreja local,
de cooperar com outras igrejas e não controlá-las, defendendo tudo isso bem
distante das "garras" do Estado que controlava a Igreja Anglicana e
as manifestações religiosas na Inglaterra do século XVII.
Logo, ser um batista conservador
deveria ser apegar-se e lutar para conservar essas raízes "liberais". Isso, entretanto, contraria o agir daqueles
que se autodenominam "conservadores", cuja práxis – teoria e prática
– insiste em pretender uniformizar e controlar o pensamento coletivo, movido
por uma visão político-empresarial diametralmente oposta aos exemplos de Jesus
e que, sob pretexto de unificar forças visando fortalecimento denominacional e
crescimento numérico, estão agindo como o Estado inglês agia com os insurgentes
da igreja quando do nascimento do movimento batista.
O seminário "liberal"
onde estudei era – e era aqui não significa juízo de valor sobre o que hoje é,
mas minha percepção histórica dos tempos em que lá estudei – um espaço PLURAL. Embora autônomos e com senso crítico regido
por razão, não por rancor, não percebia postura desafiante da parte dos
professores com os quais estudei em relação à denominação mantenedora. Era visível o predominante conservadorismo em
torno do respeito à liberdade de pensamento no corpo docente.
Essa pluralidade – que alguns
equivocada, maldosa e pejorativamente classificam como "liberalismo"
– foi decisiva no preparo de muitos líderes com postura de "servos não
subservientes" que têm se destacado em todos os espaços decisórios dentro
e fora da denominação batista.
No seminário "liberal"
onde estudei, éramos estimulados a ler diretamente o que pensavam os que
pensavam a teologia, a missão, a eclesiologia, enfim, em vez de ficarmos
restritos ao pensamento dos professores sobre o que pensavam os que pensavam
esses assuntos. Os professores expunham
seus pensamentos, tinham opinião própria, mas o espírito não era substituir a
cabeça do aluno por suas cabeças, pois isso não seria educação desejável, mas
lavagem cerebral.
Ninguém é exclusivamente liberal
ou conservador. A pessoa consciente de si,
do grupo com o qual caminha e dos grupos alternativos ao seu redor, reconhece
que esses conceitos precisam ser continuamente entendidos, redefinidos, e se
misturam em nós – trocadilho -, em maior ou menor grau, dependendo do assunto e
do contexto. Apequena-se, portanto, quem
usa a palavra "liberal" politico-teologicamente de forma pejorativa,
visando desvalorizar, marginalizar ou destruir o outro, seja por ignorância ou
má-fé.
Tornei-me um pastor e líder conservador
quanto aos princípios da tradição batista mais antiga por ter estudado em um
seminário cujos professores foram competentes, honestos e tiveram autonomia
para nos ensinar a estudar, em vez de programar nossas jovens mentes para
tornar-nos meras mãos e mentes de obra manipuláveis por pessoas inescrupulosas
que se aproveitam daqueles que cultivam boa-fé
Qualificar o seminário onde
estudei de "liberal" é um elogio, se entendido o significado amplo
dessa palavra e seu vínculo com as mais remotas histórias dos batistas. Por outro lado, chamá-lo de
"conservador", em termos populares, como usado por alguns
político-ideólogos de religião, pode ser agressivo às histórias dos batistas,
pois esses ideólogos, em vez de conservarem o espírito de liberdade, criam
camisas-de-força, identificando-se com, repito, o Estado inglês do século XVII
do qual nos libertamos, quando levantamos a bandeira da liberdade para nós e
para todos.
Em resumo: no Seminário
"liberal" onde estudei, fomos estimulados a considerar seriamente a
veracidade das palavras de Jesus: "Eis que vos envio como ovelhas em meio
a lobos, portanto, sejam simples como as pombas, mas prudentes como as
serpentes". Ainda bem que estudei nesse
Seminário "liberal" e aprendi bem essa lição!
Este texto foi escrito pelo colega e amigo Edvar Gimenes (ele publicou
no dia 31/10/2017 no sítio blogdoedvar.blogspot.com.br) e, por ter estudado no
mesmo Seminário e ter recebido as mesmas boas influências, tomo a liberdade de
republicar aqui – assim com os devidos créditos.
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