terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O ESPÍRITO DA VIDA – 2ª parte

Continuação da resenha do livro: O ESPÍRITO DA VIDA: uma pneumatologia integral; de Jürgen Moltmann, publicado Brasil pela Editora Vozes.
Para ler a 1ª parte clique aqui.

Embora o termo semita shekiná não se encontre no hebraico do Antigo Testamento “a ideia da shekiná provém da linguagem cultual e significa originariamente o armar a tenda e o morar de Deus junto ao seu povo” e mais, “a shekiná não é uma propriedade de Deus, mas sim a presença do próprio Deus.  Mas não é a sua onipresença, que faz parte da essência de Deus, mas sim uma presença especial, querida e prometida, de Deus no mundo” (pág. 56).  Em outras palavras: é próprio de Deus o estar presente em todas as circunstâncias – devido ao seu atributo onipresente; mas há circunstâncias especiais em que ele se faz perceber de maneira mais real e concreta, dando clara certeza a seu povo de que sua presença naquele evento não só é real a atuante como também é fundamental e decisiva para a consecução histórica do povo.
Esta presença percebida como shekiná do Espírito conforta o ser humano ainda que ande pelo vale da sombra da morte (Sl 23:4) pois ela é certeza que Deus tem descido para taberbacular com o povo (Êx 3).  Pois, como na experiência de Ezequiel, quando a glória de Javé deixa Jerusalém e acompanha o povo no exílio, sofrendo com ele e aguardando a redenção junto com o povo, a shekiná – como que – se separa de Deus para finalmente somente depois junto com o povo retornar ao seu lugar de direito no templo.  Moltmann assegura: “se o seu retornar e o seu tornar a unir-se como Deus excelso é a redenção de Deus, então todas as vezes que a oração do shemá Israel é rezada a unidade de Deus não apenas é professada como eterna propriedade sua, mas ela é também restaurada:  Pela oração a shekiná de Deus no orante volta ao Deus excelso” (pág. 57).
Numa espécie de resumo interpretativo, Moltmann pergunta: “em que é que a teologia da shekiná contribui para a compreensão do Espírito de Deus?”  Ele mesmo responde com três tópicos: 1. A doutrina da shekiná torna claro o caráter pessoal do Espírito; 2. A idéia da shekiná chama a atenção, além disso, para a sensibilidade do espírito para Deus; e 3. A idéia da shekiná aponta para a quenose do Espírito  e completa: “Em sua shekiná Deus renuncia à sua invulnerabilidade e se torna capaz de sofrer, porque ele quer o amor.  A teopatia do Espírito não é nenhum antropomorfismo, mas se torna possível por sua inabitação nas criaturas” (pág. 59).
Para completar este conceito se faz necessário então compreender o que quer dizer inabitação para J. Moltmann.  Ele diz explicitamente que “vivemos num mundo plural e policêntrico, e para participar da realidade precisamos de um conceito de experiência que possua maior número de dimensões” (pág. 44).  Ora isto só é possível através da experiência de Deus no Espírito.  O teólogo alemão diz ainda: “A possibilidade de reconhecer Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus fundamenta-se teologicamente na compreensão do Espírito de Deus como  força da criação e como fonte da vida” (pág. 45).  Aqui está o conceito de inabitação do espírito:  o Espírito de Deus está em todas as coisas e pode ser percebido assim, mas não deve ser confundido com as coisas – Ele está no mundo, mas não é o mundo.  E numa nota de rodapé citando John Wesley ele afirma:
Mas a grande lição que Nosso Senhor nos inculca aqui, e que ele ilustra por seu exemplo, é que Deus está em todas as coisas, e que nós devemos ver o Criador no espelho de todas as criaturas; que não devemos usar e olhar coisa nenhuma como separada de Deus, o que na verdade é uma espécie de ateísmo prático; mas sim, com uma verdadeira grandeza de pensamento, olhar o céu e a terra e tudo o que eles contêm como contidos por Deus no côncavo de Sua mão, e que por Sua íntima presença sustenta todas as coisas no ser, que pervade e atua todo o criado e que, num verdadeiro sentido, é a alma do universo (pág. 45 – itálicos no original).
O conceito de profundo e significativo caráter ecológico cristão vai desembocar necessariamente num outro conceito escatológico.  Aqui, lembrando uma citação de R. Bultmann, Jürgen Moltmann coloca: “Em todo momento dormita a possibilidade de ser ele o momento escatológico” (pág. 45 – rodapé).  Sabendo-se a Escatologia como a conclusão da história, então a inabitação do Espírito de Deus em todas as coisas é a certeza que este pode se manifestar em sua shekiná a qualquer instante, transformando a história em escatologia e subvertendo as coisas em favor do seu povo.  Como diz o texto sagrado: Todas as coisas contribuem para o bem dos que amam a Deus (Rm 8:28).
Mas a experiência do crente com o Espírito não é só o numinoso, o brilhante, o transcendente.  É também o imanente, que pode ser compreendido – mesmo que em metáforas – e que pode ser apreendido em conceitos que lhe dê contornos de personalidade.  Embora o próprio Moltmann confesse que “o perceber com mais exatidão a personalidade do Espírito Santo é o problema mais difícil da pneumatologia em particular e da doutrina trinitária em geral” (pág. 250); é também verdade que é possível aproximar-se “da personalidade do Espírito Santo sem pressupor nenhum conceito de pessoa, e isto de duas maneiras: por um lado através do estudo das metáforas com que têm sido descritas as experiências do Espírito, e por outro através de uma renovada reflexão sobre suas relações de origem e suas relações trinitárias de perfeição” (pág. 251).
Quatro grupos de metáforas são propostas para que se compreenda a personalidade do Espírito e como ele se manifesta para os seres humanos.  (1) as metáforas de pessoas; (2) as metáforas  de forma; (3) as metáforas de movimento; e (4) as metáforas místicas.   O próprio Moltmann justifica e explica o uso das metáforas: “À força da imaginação e da expressão metafóricas não são impostos limites.  Mas é preciso levar a refletir que hoje as imagens tiradas da natureza, como ar, luz, água, fogo e outras, são imagens de uma vida prejudicada.  Desde Chernobyl também a confiança do homem na natureza ficou abalada.  (...)  Também isto não é imaginado de uma maneira romântica, mas expressa a busca por experiências primárias e por experiências de vida próprias e autênticas, onde nos deparamos com a presença da eternidade” (pág. 252).
Nas metáforas de pessoas, o Espírito Santo é comparado às figuras de Senhor, Mãe e Juiz.  O texto de 2Co 3:17 diz que O Senhor é o Espírito e Moltmann lembra que toda vez que “quando este Espírito é então chamado Senhor, está sendo dado a ele o nome israelita de Deus, segundo o 1° mandamento” (pág. 120).  É o brilho radiante expresso no rosto de Moisés quando desceu do monte santo após ter visto a face do Senhor e que foi reconhecido em Jesus como aquele que é visto como a glória do unigênito do Pai (Jo 1:14).  Assim, ao reconhecer no Espírito a mesma metáfora pessoal de Senhor que foi atribuída a partir do nome vétero-testamentário ao Deus de Israel, compreendemos que este Espírito é também pessoal e divino.
No conceito de senhorio de Deus e de Cristo que é também atribuído ao Espírito, embora esteja contido o conceito de posse e mando, não está necessariamente excluído o conceito de liberdade, afinal de contas, onde está o Espírito de Senhor aí há liberdade (2Co 3:17).  Desdobrando esta idéia, verificamos que “liberdade sem vida nova é vazia, vida sem liberdade é morta” (pág. 253).  Assim, a liberdade contida no Espírito-Senhor é uma liberdade vivificante.
Continua
Leia a conclusão aqui

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