Conclusão da resenha do livro: O
ESPÍRITO DA VIDA: uma pneumatologia integral; de Jürgen Moltmann, publicado
Brasil pela Editora Vozes.
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O Espírito
vivificante é por definição um Espírito gerador de vida. O Espírito é aquele que faz nascer novas
criaturas; é o nascer de novo das palavras de Jesus a Nicodemos em Jo 3. Ao lado da figura paterna de Deus, a figura
pessoal da metáfora da mãe expressa bem esta ação do Espírito. Todo o parágrafo de Moltmann ajuda-nos a
compreender esta figura:
A metáfora do re-nascimento, ou do novo nascimento, sugere que se fale de uma
divindade parturiente. Deus é
experimentado aqui não como o “Senhor que liberta” mas sim como a “fonte da
vida”. Dar à luz, alimentar, proteger e
consolar, empatia e simpatia de amor, são então as expressões que nos vêm à
mente para descrever as relações do Espírito com seus filhos. Elas expressam mútua intimidade, em lugar de
uma distância majestática e respeitosa
(pág. 154 – itálico no original).
Desdobrando
mais ainda este grupo de metáforas, o Espírito que é fons vitae e vita vivificans é
também o que convence o mundo do pecado
(Jo 16:8) pois não vem para condenar mas para salvar (Jo 3:17). Uma vez que “a liberdade viva e a vida livre
só ganham consistência justiça”, então: “na justiça, a liberdade humana serve à
vida, na verdade à vida comum de todos os seres vivos” (pág. 253). O Espírito que compartilha do senhorio de
Deus e de Cristo é o Espírito que gera vida e, como “Espírito da verdade”, é o que é o juiz para o seu povo.
Os
conceitos de Espírito como “Senhor”, “mãe”, e “juiz” expressam funções e não
nomes pessoais. Funções como tais
relacionadas como o Espírito Santo não só se interpenetram como também
mostram-se voláteis – o Espírito sopra
onde quer (Jo 3). Assim o segundo
grupo de metáforas mostra-nos o Espírito como sendo energia, espaço e figura.
O Espírito – a Ruah de Javé –
é a “força da vida” (pág. 255), força
que distribui carisma à Igreja e que “chamou tudo quanto vive à grande comunhão
da vida, e que tudo aí conserva” (pág. 256).
Este
fluxo de energia, contudo, não se dá no vazio.
Na natureza as forças do caos e do cosmo se subsistem como sistemas abertos “no
intercâmbio flutuante de energia”. Do
mesmo modo, “no plano interpessoal, apesar de todas as diferenças, encontramos
campos e ritmos energéticos análogos ao que ocorre nas relações” (pág. 256). Compreendemos assim o Espírito como o espaço
vital onde ocorrem as relações entre os seres humanos e entre estes e
Deus. Espaço este que se amolda às
circunstâncias. O Espírito é a fonte de água viva (Jr 17:13 e Jo 4:14)
e como água é a “forma modelada que se desenvolve vivendo”, nas palavras de
J.W.v. Goethe (pág. 258).
Um
outro grupo de metáforas pode ser inferida da experiência pentecostal do
cristianismo primitivo – são metáforas de movimento: o Espírito é vento
impetuoso, fogo e amor. Acompanhando a
imagem da Ruah de Javé no AT que, no
poema da criação em Gênesis capítulo 1, paira sobre o caos, o Espírito em
Pentecostes é “o hálito vital de Deus, que vivifica homens e animais” (pág.
259). Os cristãos ouviram o som como que
de um ruído como de vento impetuoso que
veio do céu (At 2). Mas também viram
um fogo colocado sobre a cabeça dos discípulos, associando-se ao fogo da coluna
que acompanhou o povo durante a travessia do deserto no êxodo. O Espírito é fogo devorador (Dt 4:24) o que significa que com o seu zelo o
Espírito é um Deus apaixonado. A manifestação da ira no fogo do Espírito é a
demonstração da paixão de Deus: “a ira que atua como fogo devorador se
manifesta e é experimentado o zelo do seu amor” (pág. 260).
O
último grupo é o das metáforas místicas.
O Espírito é luz, água e fecundidade. As metáforas
místicas são assim denominadas não necessariamente por serem diferentes das
anteriores, antes pelo contrário: de certo modo elas completam as idéias
contidas nos grupos de metáforas anteriores.
Elas são chamadas místicas “porque estas idéias procedem da experiência
mística, e porque elas expressam uma união tão íntima do Espírito divino com o
humano e do espírito humano com o divino que mal conseguimos distingui-los”
(pág. 261). A analogia da luz é tão
antiga quanto recorrente nos textos bíblicos (cf. Sl 27:1; Mq 7:8; Tg 1:17; 1Jo
1:5 entre outros), contudo “a luz divina do Espírito não é apenas a luz fria do
conhecimento racional, mas também a cálida luz do conhecimento amoroso” (pág.
262). A luz divina do Espírito vem de
cima e inunda toda a existência humana, mas a idéia de inundação traz consigo a
referência a água que, brotando da terra, também pode inundar o homem. Aqui Moltmann observa a relação da água do
batismo com o líquido amniótico. Nas
águas batismais está o símbolo da maternidade divina do Espírito que envolvem
todo o ser humano: aquele que não nascer da água e do Espírito... (Jo 3:5).
A
imagem da fecundidade resulta então da associação das duas imagens: luz e
água. Na figura da planta que nasce estão
presentes a luz do sol e a água do solo.
No paraíso primordial havia a árvore
da vida (Gn 2:9) e no celestial também a haverá (Ap 2:7). O Espírito é a fecundidade da luz e do solo
que brota na árvore da vida e faz da existência humana um paraíso. Sobre estas metáforas, Moltmann conclui:
Nas metáforas místicas é suprimida
a distância entre um sujeito transcendente e suas obras imanentes. Desaparecem
as distinções entre causas e efeitos.
Nas metáforas da luz, da água e da fecundidade, o divino e o humano se
encontram numa união orgânica. Chega-se
a uma interpenetração pericorética: Vós
em mim – eu em vós. O divino passa a ser
presença abrangente na qual o humano pode desdobrar-se produzindo frutos. Com isto é insinuada uma relação mais íntima
ainda que através do conceito de emanação (pág. 265).
Assim
deve ser compreendido o Espírito da Vida – como uma pneumatologia
integral. Uma compreensão do Espírito
Santo de Deus que vise abarcar todo ser humano e o ser humano todo; uma pneumatologia
que “pressupõe Cristologia e prepara o caminho para a Escatologia” (pág.
30). Uma pneumatologia assim certamente
apontará para a realidade de um Espírito que ainda que seja o inteiramente
outro, é o que está entre nós e o percebemos no cotidiano – um Espírito que
ainda que esteja à direita do Pai, contudo tem compaixão e intercede por nós.
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