terça-feira, 6 de outubro de 2015

O contexto eclesiástico das epístolas joaninas – 3ª parte

Continuando a examinar o contexto eclesiástico das epístolas joaninas (reveja a primeira parte aqui e a segunda parte aqui).
AS IDÉIAS DISSIDENTES –
Basicamente as idéias dissidentes abrangiam quatro áreas (e aqui julgo como corretas as idéias que assim foram aceitas pelos cristãos dos séculos seguintes e que canonizaram o texto bíblico): a cristologia, a ética, a escatologia e a pneumatologia.  A ênfase recaindo nas duas primeiras.
A partir do que condenado nas epístolas – e só daí temos documentos confiáveis – podemos deduzir que a cristologia dissidente dentro da comunidade joanina era uma interpretação híbrida de gnosticismo e docetismo do Evangelho.  Em resumo, criam que o Jesus histórico era distinto do Cristo pré-existente e que este último incorporou o primeiro por ocasião do batismo e que o deixou momentos antes de sua morte pois o Cristo – éon imortal de Deus – não podia jamais passar pelo sofrimento pois isso só caberia à carne mortal, assim como as paixões.  Para refutar tais idéias, o autor foi conclusivo: "Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus" (1Jo 4:2 – conferir também 3:23; 4:15 e 5:1-5).
Quase que conseqüência desta primeira idéia, pensavam os dissidentes que por terem intimidade com Deus e este não ter pecado, então eles também tinham uma áurea de impecabilidade, sendo assim livres de qualquer regra ética ou moral pois qualquer coisa que chegassem a fazer isso não implicaria em culpa ou pecado.  Outra desdobramento era o total desprezo aos mandamentos de Deus e a outros textos bíblicos.  Contudo é bom ressaltar que ressaltar que não há provas de que, na prática, os adversários do autor levavam uma vida de libertinagem imoral.  Se a disputa era no campo da interpretação do Evangelho, o autor afirmou então que "se dissermos que não temos pecados nenhum ... a verdade não está em nós" (1Jo 1:8 – conferir também 1:6-10; 2:4-9 e 4:20).
Os dois outros pontos caminham quase que em paralelo: pensavam eles que a escatologia e a pneumatologia já haviam sido consumadas e portanto nada se poderia esperar deste mundo – enquanto o autor trilha a idéia de que o Espírito (grego: Παράκλητος) estava ao lado da igreja para lhe acompanhar no desenrolar de sua história.
IDENTIFICAÇÃO HISTÓRICA DOS DISSIDENTES –
Finalmente se faz necessário uma rápida identificação histórica de qual grupo possuía as características do item anterior e portanto mereceram o repúdio do autor joanino.
Num análise a priori as idéias dissidentes parecem se casar com as dos docetas que não criam na encarnação do Verbo (grego: Λόγος).  Mas as implicações disto é diferente nos adversários joaninos e nos docetas, pois enquanto os últimos viam a Jesus como uma simples configuração (aparência) humana, não possuindo corpo físico concreto, os primeiros apenas parecem não aceitar que o Jesus histórico e o Cristo pré-existente fossem a mesma pessoa.
Tradicionalmente têm-se visto os gnósticos como os tais adversários por conta da aproximação destes com os escritos joaninos, o quem facilitaria uma interpretação sob seus próprios modos do Evangelho.  Mas se este tivesse sido o caso – o que parece ser pouco provável pois os gnósticos só chegaram a ser significativamente notados no seio da igreja a partir do segundo quartel do segundo século – uma aproximação das epístolas e do próprio Apocalipse com o grupo que teria sido inconcebível.  O que deve ter acontecido é que tal aproximação além de casual, foi posterior ao problema que originou a escrita das epístolas.
Outra opinião que tem ganhado corpo é que o grupo seria o dos nicolaítas, mencionados em Ap 2:6 e 14-15 como um grupo rejeitado e de certo modo relacionado com a comunidade de Éfeso, para onde devem ter sido destinadas as epístolas.  Mas se fosse assim, como se explicaria a total omissão tanto deste grupo como dos seu líder nas epístolas?
A verdade é que qualquer conclusão sobre quem seriam concretamente este grupo não passará de especulação.  Provas a favor e contra sempre existirão, para todos os casos.
CONCLUSÃO –
"Lembra-te, Senhor, de tua igreja, para livrá-la do todo mal e aperfeiçoá-la no teu amor; reúne esta igreja santificada dos quatro ventos no teu reino que lhe preparaste, pois teu é o poder e a glória pelos séculos.  Amém" (Didaquê 10:5).

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