Continuando
a examinar o contexto eclesiástico das epístolas joaninas (reveja a primeira
parte aqui e a segunda parte aqui).
AS IDÉIAS DISSIDENTES –
Basicamente
as idéias dissidentes abrangiam quatro áreas (e aqui julgo como corretas as
idéias que assim foram aceitas pelos cristãos dos séculos seguintes e que
canonizaram o texto bíblico): a cristologia,
a ética, a escatologia e a pneumatologia. A ênfase recaindo nas duas primeiras.
A
partir do que condenado nas epístolas – e só daí temos documentos confiáveis –
podemos deduzir que a cristologia dissidente dentro da comunidade joanina era
uma interpretação híbrida de gnosticismo e docetismo do Evangelho. Em resumo, criam que o Jesus histórico era
distinto do Cristo pré-existente e que este último incorporou o primeiro por
ocasião do batismo e que o deixou momentos antes de sua morte pois o Cristo – éon imortal de Deus – não podia jamais
passar pelo sofrimento pois isso só caberia à carne mortal, assim como as
paixões. Para refutar tais idéias, o
autor foi conclusivo: "Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em
carne é de Deus" (1Jo 4:2 – conferir também 3:23; 4:15 e 5:1-5).
Quase
que conseqüência desta primeira idéia, pensavam os dissidentes que por terem
intimidade com Deus e este não ter pecado, então eles também tinham uma áurea
de impecabilidade, sendo assim livres de qualquer regra ética ou moral pois
qualquer coisa que chegassem a fazer isso não implicaria em culpa ou
pecado. Outra desdobramento era o total
desprezo aos mandamentos de Deus e a outros textos bíblicos. Contudo é bom ressaltar que ressaltar que não
há provas de que, na prática, os adversários do autor levavam uma vida de
libertinagem imoral. Se a disputa era no
campo da interpretação do Evangelho, o autor afirmou então que "se
dissermos que não temos pecados nenhum ... a verdade não está em nós" (1Jo
1:8 – conferir também 1:6-10; 2:4-9 e 4:20).
Os dois
outros pontos caminham quase que em paralelo: pensavam eles que a escatologia e
a pneumatologia já haviam sido consumadas e portanto nada se poderia esperar
deste mundo – enquanto o autor trilha a idéia de que o Espírito (grego:
Παράκλητος) estava ao lado da igreja para lhe acompanhar no desenrolar de sua
história.
IDENTIFICAÇÃO HISTÓRICA DOS DISSIDENTES –
Finalmente
se faz necessário uma rápida identificação histórica de qual grupo possuía as
características do item anterior e portanto mereceram o repúdio do autor
joanino.
Num
análise a priori as idéias
dissidentes parecem se casar com as dos docetas que não criam na encarnação do
Verbo (grego: Λόγος). Mas as implicações
disto é diferente nos adversários joaninos e nos docetas, pois enquanto os
últimos viam a Jesus como uma simples configuração (aparência) humana, não
possuindo corpo físico concreto, os primeiros apenas parecem não aceitar que o
Jesus histórico e o Cristo pré-existente fossem a mesma pessoa.
Tradicionalmente
têm-se visto os gnósticos como os tais adversários por conta da aproximação
destes com os escritos joaninos, o quem facilitaria uma interpretação sob seus
próprios modos do Evangelho. Mas se este
tivesse sido o caso – o que parece ser pouco provável pois os gnósticos só
chegaram a ser significativamente notados no seio da igreja a partir do segundo
quartel do segundo século – uma aproximação das epístolas e do próprio
Apocalipse com o grupo que teria sido inconcebível. O que deve ter acontecido é que tal
aproximação além de casual, foi posterior ao problema que originou a escrita
das epístolas.
Outra
opinião que tem ganhado corpo é que o grupo seria o dos nicolaítas, mencionados
em Ap 2:6 e 14-15 como um grupo rejeitado e de certo modo relacionado com a
comunidade de Éfeso, para onde devem ter sido destinadas as epístolas. Mas se fosse assim, como se explicaria a
total omissão tanto deste grupo como dos seu líder nas epístolas?
A
verdade é que qualquer conclusão sobre quem seriam concretamente este grupo não
passará de especulação. Provas a favor e
contra sempre existirão, para todos os casos.
CONCLUSÃO –
"Lembra-te,
Senhor, de tua igreja, para livrá-la do todo mal e aperfeiçoá-la no teu amor;
reúne esta igreja santificada dos quatro ventos no teu reino que lhe
preparaste, pois teu é o poder e a glória pelos séculos. Amém" (Didaquê 10:5).
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