sexta-feira, 2 de outubro de 2015

CARTA ABERTA AO PAPA BERGOGLIO

Ao Papa Bergoglio,

Saudações cristãs.

Embora reconheça a dignidade eclesiástica do nome Francisco, permita-me chamar-te pelo teu nome de batismo: Jorge Mario Bergoglio – quero dar um tom mais pessoal a essa missiva.
Recentemente as redes sociais às quais tenho acesso se viram abarrotadas de ruído com comentários sobre tua Homilia nas Vésperas com sacerdotes e religiosas, proferida no último dia 24 de setembro na St Patrick's Cathedral, em Nova Iorque.  A expressão em questão foi a tua declaração sobre "o fracasso da cruz!" (a exclamação é por minha conta).
Como é do meu feitio, antes de emitir qualquer opinião ou comentário, fui buscar te ouvir.  Achei a gravação na internet e a escutei com espírito desarmado e acurada atenção – também do meu feitio.
Ainda antes porém de tecer algo sobre a homilia em si, entendo ser de bom alvitre dar umas palavras iniciais, assim como fizeste, somando-se aos islâmicos numa prece a Deus nosso Pai Todo-poderoso e misericordioso.  Não sei se Jesus Cristo diria as mesmas palavras, mas com certeza diria amém àquela oração.
Quanto aos ruídos e comentários espalhados pelas redes; com ousadia apenas faço minhas as palavras do crucificado, quando exclamou: "perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo" (Lc 23:34).  É que muitas vezes o rigor da verdade sobrepõe ao carisma da agape cristã.
Achei interessante também destacar que a homilia foi proferida na língua de Isabel de Castela (mais um motivo para usar o nome de batismo), e te ouvindo, mesmo na América do Norte, deu até para sentir um pouco o gostoso acento portenho.  Como me sinto em casa entre os herdeiros protestantes e reformados, percebo que há verdades tão viscerais que carecem da língua materna para moverem a alma.  É por isso também que decidi te escrever na última flor do Lácio, como diria Olavo Bilac.  Sei que me compreenderás.  Além do mais, creio piamente que toda homilia verdadeira deveria fazer vibrar o espírito assim.
 Vamos à homilia.  Começaste citando a epístola de Pedro (1Pe 1:6) e ressaltando: "temos que viver nossa vocação com alegria".
Como disseste: o texto apostólico aponta duas reflexões que nos  ajudam a seguir fieis como povo de Deus, mesmo diante de grande tribulação.  Em primeiro lugar é preciso manter um espírito de gratidão.  Releio Pedro que diz: "alegrem-se".  Deus tem nos dado inúmeras bênçãos, mesmo em meio aos dissabores da caminhada da vida.  Então concordo quando dizes que a verdadeira alegria só brota de um coração agradecido.
Depois destacaste que é preciso um espírito de laboriosidade.  O termo conota tecnicidade, mas teu comentário bem o aclarou: "um coração agradecido é, espontaneamente, impelido a servir o Senhor e a abraçar um estilo de vida diligente.  No momento em que nos damos conta de tudo aquilo que Deus nos deu, o caminho da renúncia a si mesmo a fim de trabalhar para ele e para os outros torna-se um caminho privilegiado de resposta ao seu amor".  Fora disto só resta uma "espiritualidade mundana".
Neste ponto da prédica chegamos à citação sobre a cruz.  Ora, confesso que criticar ex tempore uma citação sem dar-lhe a devida atenção à toda a contextualização é no mínimo desleal.  O que foi dito até aqui alinha-se estreitamente com a nossa fé, e o parágrafo a seguir certamente se coaduna com os ditames do Evangelho cristão. 
Se entendi corretamente a tese que queres defender, fazes uma oposição clara entre a vocação do evangelho e os valores do mundo, que buscam o sucesso exterior, como o que governa o mundo dos negócios.  O problema é que tal padrão não é – nem pode ser – divinamente referenciado, pois "o verdadeiro valor do nosso apostolado é medido pelo valor que o mesmo tem aos olhos de Deus".
Aqui ressalta o exemplo da cruz de Cristo.  Nos moldes humanos, Jesus findou seu ministério terreno numa cruz de maldição (tomo como base as palavras paulinas em Gl 3:13) – uma retumbante demonstração de fracasso: o fracasso da cruz! (a exclamação continua sendo minha).  Mas deste fracasso Deus faz surgir todo o seu poder e graça.  Assim são os valores do Reino.  Assim é o evangelho.  Este tem que ser o nosso padrão.
Entendo que é desta absurda contradição que Jesus falava quando se referiu à necessidade do grão morrer na terra para que venha a dar frutos (leio em Jo 12:24).
Antes de terminar, fizeste ainda uma advertência quanto ao ócio como valor deste tempo, pois ele ofusca a força da chamada diária de Deus à conversão e ao encontro com ele.  Seguiram-se então palavras de apoio e reconhecimento ao ministério eclesiástico feminino – devidamente aplaudido.
E finalmente, a citação ao Magnificat – verdadeira oração cristã.  É verdade que neste ponto temos algumas discordâncias pontuais e profundas, mas que elas não nos impeçam ao comum anseio pelo Reino e a certeza de prosseguir no caminho da fidelidade a Jesus Cristo.
Querido Bergoglio, oro para Jesus Cristo, o Senhor da Igreja, fazer profícuo teu ministério e que mantenhas a eclesia sempre chamada e atraída pela cruz.
Fraternalmente em Cristo
SOLI DEO GLORIA

Jabes Nogueira Filho
Pastor e escrevinhador

2 comentários:

  1. Parabéns, Jabes pela lucidez, sensatez e ousada determinação em caminhar sempre uma segunda milha.

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    1. Este foi o exemplo do nosso Mestre. Devemos trilhá-lo.
      Abs

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