terça-feira, 7 de novembro de 2023

O CULTO NA PÓS-MODERNIDADE (3) – a reordenação do mundo

 

Para um tempo envolto em um mundo caótico, o culto cristão mostra-se com apresenta-se como a reordenação do mundo.

Uma das caracterizações mais marcantes da Pós-Modernidade é, sem dúvida alguma, a desorganização do mundo.  Enquanto que na Modernidade o ser humano procurou dar certa ordenação ao seu mundo, estabelecendo valores e criando "lugar" para todos os conceitos, na Pós-Modernidade esta ordenação não subsiste à fragmentação do mundo.  Se a ordenação da criação é o cosmo, o seu contraponto é o caos.  Leonildo Campos no mesmo texto citado a pouco argumenta:

O conceito de pós-modernidade pressupõe uma perspectiva de descontinuidade e de rompimento das fronteiras anteriormente delimitadas.  Assim, o ser humano estaria vivendo um processo social de atomização, tornando-se mais individualista, desprovido de historicidade, voltando-se para si mesmo, na busca de referências para o viver diário.

Posição com a qual Paula Muriel Belmes concorda ao citar David Harvey: "o que parece ser o fato mais assombroso do pós-modernismo é sua total aceitação do efêmero, da fragmentação, da descontinuidade e do caótico".  Sem dúvida, a Pós-Modernidade não conseguiu suprir o ser humano de referências consistentes.  O caos ameaça o cosmo pós-moderno e somente uma nova experiência fundante poderá resgatar esta humanidade.  Assim o culto cristão, como um contato com o sagrado, pode oferecer esta nova ordenação do mundo.  Rubem Alves no seu livro sobre O Enigma da Religião, considerando sobre o que chamou de "o segundo momento da experiência da conversão" expõe o que bem poderia ser entendido como o resultado de uma experiência cristã de culto:

Inesperadamente, entretanto, um milagre acontece.  O momento de crise e desestruturação da personalidade encontra uma solução.  A consciência ressuscita, transfigurada, como uma nova estrutura em que tanto os conteúdos emotivos quanto os cognitivos são radicalmente novos.  A experiência tem o caráter de milagre porque parece impossível descobrir um nexo entre o antes e o depois.  O homem se sente possuído por uma inebriante sensação de paz e alegria.  As tensões são resolvidas.  Sem saber como isto ocorreu, descobre-se transportado Nada para o Ser, das Trevas para a Luz, do Fim para o Princípio, da Morte para a Vida.  Encontrou a salvação.  Ou mais precisamente, foi por ela arrebatado.  Experiência preservada nos mitos cosmogônicos no miraculoso e inexplicável salto do caos para a ordem, dos abismos para a terra seca, do turbilhão para o jardim, das águas do mar para o rio da vida.

Diante de um mundo organicamente desestruturado onde todos têm liberdade quase absoluta de vivenciar suas crenças e espiritualidades individuais sem compromissos, o ser humano pós-moderno vive o dilema: ter todas as possibilidades é o mesmo que não ter nenhuma, ou seja, com bem notou Edvar Gimenes, "pela hipervalorizarão dos sentimentos e relativização de verdades antes absolutas, a cultura da pós-modernidade gera conflitos entre formas mais racionais de expressões litúrgicas e outras mais emocionais", contudo, "o espírito, a necessidade e o desejo de adoração permanecerão!".  Assim é que o culto prestado pelos cristãos é estabelecido como a resposta possível a esta situação: o apóstolo Paulo escreveu aos Romanos sobre a necessidade de um "culto racional" (Rm 12:1) e aos Coríntios prescreveu que "tudo deve ser feito com decência e ordem" (1Co 14:40).  O culto cristão, mesmo sendo a expressão da alma faminta (retomo a expressão de James Houston), contudo em sendo feito "em espírito e em verdade" (Jo 4:23) compreende a única aceitável e melhor resposta à desestruturação pela qual passam homens e mulheres. 

Proporcionando um encontro entre o fiel cultuante e o Deus que no princípio ordenou o cosmo a partir do caos, o culto cristão fornece a possibilidade segura que novamente ele mesmo reordenará o mundo humano.  Isto é visto mais claramente no caráter querigmático e didático presente no culto cristão.  Se ainda neste tempo o homo religiosus procura respostas às questões sobre seu lugar no mundo e o que esperar dele, o culto cristão didaticamente lhe anuncia "novos céus e nova terra" (Ap 21:1).  Se no princípio foi a Palavra de Deus quem criou e deu ordem ao mundo (Gn 1); será a presença da mesma Palavra no culto através do querigma que haverá de trazer novamente ordem ao mundo caótico experimentado pela Pós-Modernidade.  Por meio da Palavra de Deus, o culto então anuncia a reconstrução do mundo dando-lhe significado e oferecendo soluções seguras às dúvidas humanas. 

 


§. Esse é um extrato retirado do meu livro:
DE ADÃO ATÉ HOJE – um estudo de Culto Cristão

 Está disponível no:
Clube de autores
amazon.com

 

§. Leia também:

O CULTO NA PÓS-MODERNIDADE (1) – o místico e o misterioso
O CULTO NA PÓS-MODERNIDADE (2) – o transcendente e o encontro com o sagrado


Conheça mais outros livros meus:

TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
PARÁBOLA DAS COISAS
ENSAIOS TEOLÓGICOS


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