Para um tempo de
sacralidade impessoal, o culto cristão apresenta-se como transcendente
e encontro com o sagrado.
A segunda resposta à espiritualidade e à crescente religiosidade
pós-moderna, de certo modo, está em contiguidade com a resposta anterior. A mística contemporânea além de vazia em si,
não reconhece o seu objeto de culto como sendo alguém que lhe responda pessoalmente. A pós-modernidade tem buscado a
transcendência – uma vivência além do dado objetivo buscado na modernidade
científica – e o encontro com o sagrado como marcas características de seu
tempo. Nas palavras de Leonildo Campos,
que encontro na introdução ao seu livro Templo, Teatro e Marcado, é típico deste tempo a "valorização da
energia e da potencialidade do homem individual, interligado com as forças
vivas do cosmo e do universo", o que eu chamaria de despersonalização
da relação com o sagrado. Ao encarar o
cosmo como sagrado em sua totalidade, carece o ser humano pós-moderno de um
relacionamento pessoal com o ente divino.
São da Teologia Sistemática
de Tillich as palavras:
O símbolo "Deus pessoal" é absolutamente
fundamental porque uma relação existencial é uma relação de
pessoa-a-pessoa. O homem não pode estar
interessado de forma última por algo que seja menos do que pessoal. E já que personalidade (persona, prosopon) inclui individualidade, surge a questão: em que
sentido Deus pode ser chamado de indivíduo? Tem sentido chamá-lo de
"indivíduo absoluto"? A resposta deve ser que tem sentido na medida
em que ele pode ser chamado de "participante absoluto". (...)
Significa que Deus é o fundamento de tudo que é
pessoal. E que ele traz dentro de si
mesmo o poder ontológico de personalidade.
Ele não é uma pessoa. Mas não é
menos do que uma pessoa.
Diante de uma percepção do sagrado distante e
despersonalizado e da certeza de que as suas próprias ações haveriam de lhe
fazer sucumbir, o salmista ora: "Não me lances de tua presença" (Sl
51:11). É neste contexto que o culto
cristão deve se mostrar como um encontro com o sagrado, mas sobretudo um
encontro com o sagrado personalizado que se revela e se dá a conhecer. O culto cristão mostra-se como um encontro
pessoal. O místico medieval Bernardo de
Clairvaux (1090-1153) dizia:
Não me importa quão
cedo eles possam acordar e se levantar para orar na capela, numa madrugada
gelada de inverno, ou nas altas horas da noite; eles sempre descobrirão que,
antes disso, Deus estava acordado, aguardando-os, ou melhor, Ele os tinha
acordado para buscarem a sua face.
No seu pequeno trabalho sobre Liturgia e Culto
Cristão o Professor João Ferreira Santos coloca: "Na liturgia cristã
se celebra a imanência de Deus, isto é, o ato em que o Deus Transcendente desce
para estar com o homem, na pessoa de Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne, o
Parácleto que está conosco para sempre".
Ainda num texto devocional da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil de 2003 lê-se:
Sinteticamente, culto é "o encontro da comunidade com Deus". Esse encontro só é possível porque Deus
permite e reúne a comunidade. Não é a
comunidade que convoca, mas Deus se coloca à disposição (Mt 18:20) e foi Ele
que ordenou que esse encontro acontecesse (1Co 11:24 e 25). Deus ordena e vem ao encontro da comunidade
no culto. Não só o/a pastor/a, mas
também a comunidade toda é responsável para que seja um bom encontro com
Deus. O/A pastor/a ajudam a comunidade a
celebrar o culto, a celebrar o encontro com Deus. A liturgia é justamente o "conjunto de
elementos e formas através dos quais se realiza esse encontro".
Em outras palavras, o culto cristão
é a celebração da presença divina no Encarnado; é a certeza de que o divino se
fez história recriando a própria criação e transformando-a em simpática à vida
humana. Rubem Alves em Da Esperança
afirma: "É na história que Deus e o homem engendram um futuro comum. Este não é simplesmente um futuro que Deus
cria para o homem, mas ele é criado por ambos, numa histórica cooperação
dialógica. Esta é a implicação
necessária de sua encarnação: ele continua aberto ao homem".
Apontei que o culto cristão traz como um dos seus elementos fundamentais
o caráter celebrativo e adorativo, e é exatamente por ter este caráter que o
culto cristão pode oferecer respostas significativas para as questões
existenciais humanas no contexto da Pós-Modernidade. Diante de uma sacralidade impessoal e
silenciosa, o culto cristão se apresenta como o encontro entre o ser humano e o
Deus pessoal que se revela e para o qual devotamos a nossa adoração em um ato
de celebração consciente e consequente.
Certamente neste ponto destaco a principal resposta cristã à
pós-modernidade: o culto é eminentemente um encontro. Não havia dúvida quando, No Baú da
Adoração, eu afirmei: "culto é encontro, e encontro primordialmente
com Cristo". Ele, o culto, é a
resposta ao desencantamento provocado pela pós-modernidade. No culto cristão acontece a ocasião e a
possibilidade do encontro com o sagrado, a certeza de que há um Deus pessoal e,
mais que isso, um Deus que sendo imenso e transcendente ainda assim desce para
coabitar com o ser humano. "Aquele
que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós, vimos a sua glória como do
Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1:14), esta é a
resposta mais clara que o culto cristão tem a oferecer a este tempo: a inefável
glória do Criador pode ser alcançada através do contado pessoal no culto
oferecido a ele. O Deus adorado no culto
cristão é o Infinito-Pessoal e foi personificado historicamente no Encarnado.
§. Esse é um extrato retirado do meu livro:
DE ADÃO ATÉ HOJE – um estudo de Culto Cristão
§. Leia também:
O CULTO NA PÓS-MODERNIDADE (1) – o místico e o misterioso
Conheça
mais outros livros meus:
TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
PARÁBOLA DAS COISAS
ENSAIOS TEOLÓGICOS
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