terça-feira, 14 de novembro de 2023

O CULTO NA PÓS-MODERNIDADE (4) – a esperança

Para um tempo de perda de esperança, o culto cristão é a esperança.

Voltando a observação à Pós-Modernidade posso notar que a situação de caos ou de desprovimento de historicidade levada aos seus últimos termos conduzirá a uma história sem esperança e a um presente sem futuro.  Ao amputar o passado como referência para estruturar o presente, a Pós-Modernidade negou a possibilidade de expectativa de futuro.  Cito Tarsis Lemos:

Todo esse caos moderno que levou a humanidade a um impasse radical, perdida nos labirintos de sua razão pura, sem solução no plano de sua horizontalidade finita, fez com que o olhar ensinado e aprendido a apenas se encantar com o espelho, redescobrisse a amplitude do firmamento.  A solução única está em se olhar para cima.  Não se critica a tecnologia que gerou o progresso, mas o progresso que avançou destruindo a civilização.  Progresso sem civilização é regresso ao estado de barbárie.  Nossa preocupação é com a sofisticação da barbárie que cria um retrocesso desumano.

O britânico Krishan Kumar comenta: "O pós-modernismo representa a ruptura interminável com o passado, por mais radical que este tenha sido em sua própria época; é o que dá ao modernismo o seu significado".  E, mais adiante, desvenda as consequências deste posicionamento: "Ao agir assim, de onde a teoria da pós-modernidade recebe seu principal impulso: não do anúncio de alguma coisa nova, em sentido positivo, mas na rejeição do velho, do passado da modernidade".

Ao se defrontar com este desenraizamento histórico que torna sombrio e obtuso qualquer futuro e esperança, o culto cristão se volta para aquele que é, que era, e que há de vir (Ap 1:8).  Na celebração cristã não está simplesmente a constatação do progresso contínuo do presente – como propunha a Modernidade – nem "eternização" do presente atemporal como demonstra a Pós-Modernidade; mas, como nos diz Paul Tillich:

No louvor à majestade divina, está incluído o louvor ao destino da criatura.  É por isto que o louvor a Deus desempenha um papel tão decisivo em todas as liturgias, hinos e orações.  Certamente, o homem não louva a si mesmo quando louva a majestade de Deus; mas ele louva a glória da qual participa através de seu louvor.

Compreendendo assim o culto como celebração, ainda que dentro da história, mas apontando para eventos supra históricos, é válido citar a observação do teólogo norte-americano Harvey Cox:

Na festividade, intensificamos nosso envolvimento na história e, paradoxalmente, nos abstemos de fazer história.  O evento que celebramos é histórico, passado ou futuro, tanto assim que nos ajuda a rememorar e a esperar.  Mas durante a celebração nós paramos de fazer e simplesmente estamos aí; movemo-nos, como diria Norman Brown, do "acontecer" para o "ser", e também isso é crucial.  Se não tivéssemos nem passado nem futuro para celebrar, vítimas seríamos dum presente a-temporal e anistórico.  Se, por outro lado não cessássemos jamais de fazer história nem nunca celebrássemos, descambaríamos igualmente num mourejar ininterrupto, já não conhecendo nem descanso, nem alegria, nem liberdade.

Para um mundo pós-moderno desenraizado e principalmente sem poder oferecer perspectivas futuras, onde homens e mulheres não conseguem vislumbrar esperanças, nem mesmo em sua crescente busca religiosa, nem na espiritualidade que não lhe promete nada porque sabe não poder cumprir, o culto cristão apresenta a este ser humano o encontro com uma esperança concreta a qual se inicia no tempo presente e desemboca num futuro glorioso.  Sendo o culto uma celebração a ser realizada em meio da coletividade de fiéis que se congregam não somente para buscarem um encontro místico com o sagrado, mas também para se relacionarem com um Deus pessoal que se revela na comunidade, então esta celebração revestida do seu caráter diaconal e comunal apresenta uma esperança concreta que faz cada cultuante experimentar a certeza de coabitar desde já na comunidade de fé – a comunhão dos santos – a antecipação da "glória que em nós será revelada" (Rm 8:18).  É participando deste culto coletivo que o cristão então se torna consciente de não ter "aqui nenhuma cidade permanente", mas ter os seus olhos postos na "que há de vir" (Hb 13:14). 

É esta crença e esperança que ele celebra em seu culto: o encontro com Cristo "a esperança da glória" (Cl 1:27).

 


§. Esse é um extrato retirado do meu livro:
DE ADÃO ATÉ HOJE – um estudo do Culto Cristão

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Clube de Autores
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§. Leia também:

O CULTO NA PÓS-MODERNIDADE (1) – o místico e o misterioso

O CULTO NA PÓS-MODERNIDADE (2) – o transcendente e o encontro com o sagrado

O CULTO NA PÓS-MODERNIDADE (3) – a reordenação do mundo

 

Conheça mais outros livros meus:
TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
PARÁBOLA DAS COISAS
ENSAIOS TEOLÓGICOS


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