terça-feira, 8 de março de 2016

TEMPLO, TEATRO E MERCADO

Resenha do livro: TEATRO, TEMPLO E MERCADO: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal; de Leonildo Silveira.


Nos últimos tempos o estudo do fenômeno neopentecostal tem sido o grande centro em torno do qual tem girado o estudo das Ciências da Religião no Brasil.  Seu surgimento mais recente entre os grupos religiosos, sua abrangência e quase onipresença na sociedade brasileira moderna, seus métodos inovadores de proselitismo e propagação de suas crenças e sua proposta política mais agressiva estão entre os temas que têm sido comumente mais tratados pelos estudiosos.
Saindo do lugar comum, o Prof. L.S. Campos procura mostrar que o fenômeno neopentecostal não é simplesmente charlatanismo ou fanatismo, e nem ainda uma fuga obtusa da sociedade, como quiseram mostrar os adversários do movimento, tanto entre as igrejas quanto nas academias.  Tomando o caso da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD como exemplo ele tenta mostrar que num mesmo espaço acontecem simultaneamente o teatro, o templo e o mercado.
O Prof. L.S. Campos se qualificou para empreender obra tão volumosa (o livro tem 504 páginas) por estar tanto devidamente habilitado nas ciências humanas e sociais quanto enfronhado no universo religioso protestante brasileiro onde se viu nascer o neopentecostalismo e assim produziu um texto, divido em 10 capítulos que, segundo o autor, “podem ser lidos separadamente” (página 23).  Usando o método metafórico nas escolhas dos temas, Campos segue uma linha de pensamento que pode ser visto como oriundo dos pensamentos de Aristóteles e se ocupa de tentar ver as realidades através das representações e metáforas que podem ser propostas a partir delas.
A primeira expressão da “trilogia articulada ao redor de três metáforas” (pág. 24) é a visão do universo neopentecostal como teatro, ou seja, os ritos que acontecem nas IURD são cenas que se desenvolvem como num teatro sagrado.  Sendo o teatro ocidental originário “ao redor dos rituais de culto a Dionísio” (pág. 64) então é perfeitamente compreensível a conclusão que o teatro e o culto estão intimamente ligados pois são “processos sociais em que as coisas intangíveis se revestem de tangibilidade, e às visíveis, se atribuem valores invisíveis” (pág. 65).
Ora, o que acontece na Igreja Universal é exatamente esta teatralização do sagrado e como num verdadeiro teatro ali estão presentes todos os elementos de uma dramaturgia: um enredo, atores, cenário, equipes de apoio e platéia; cada um tendo um papel especifico a desempenhar no desenrolar ao ato teatral.  O pastor funciona como ator que será ajudado por uma equipe e, fiel ao enredo, “estimula um processo de interação social surpreendente com a platéia” (pág. 94).
O segundo ponto é a visão da IURD como templo.  O que ali acontece pode ter todos as características de um teatro mas também é centralizado na consciência religiosa que faz deste teatro um espaço cúltico reconhecido como “casa de Deus” e por isto mesmo um “espaço energético”.   No culto neopentecostal e ênfase recai no exorcismo.  O templo é o espaço onde as forças do mal são bombardeadas e têm que se dobrar diante do poder superior de Deus.  O pastor, “elo de ligação entre Deus e os homens” (pág. 101) se coloca então como aquele que vai por em ordem novamente o mundo que foi destruído pelas forças diabólicas.  Note-se que este apelo pela reordenação do mundo oferecido pelo sagrado está presente no slogan da própria IURD: “quem procura a Igreja Universal, procura o espírito da Criação”.
Com esta certeza, o capítulo 8 (a partir da página 327) merece destaque pois é ali que é feita a análise da Teologia da Igreja Universal.  Embora aparentemente avessos a sistematização teológica, mas, segundo a análise de Campos, quatro aspectos de destacam da teologia iurdiana: a) a valorização do corpo, ao contrário dos demais ramos protestantes e principalmente pentecostais, a IURD vê o corpo como “ lugar privilegiado, o ponto de encontro entre o homem e o transcendente” (pág. 332); b) visão maniqueísta do mundo que considera tudo como resultado das ações benéficas ou maléficas sobre os seres humanos, destaca-se aqui o papel exorcista exercido pelo templo da Universal que funciona com uma espécie de pronto-socorro espiritual aberto ininterruptamente.
Os dois outros aspectos que se entrelaçam são: c) cura e salvação e d) prosperidade.  Tanto a saúde física quanto o sucesso sócio-econômico estão, para a teologia da Igreja Universal intimamente ligados a bênçãos de Deus para aqueles que se unem ao “Jesus da Igreja Universal”, enquanto que o inverso são conseqüência das forças malditas.  Em outras palavras: saúde e riqueza estão ao alcance de todos que se empenham em “colocar sua fé é ação” (página 368 – em itálico no original – o Quadro nº 12 na página 364 apresenta uma sugestiva “Genealogia da Teologia da Prosperidade”).
Mas o empreendimento da IURD também é alicerçado do marketing.  A estrutura da Igreja Universal é montada sobre uma lógica de mercado onde cada pastor tem cotas a cumprir e a vida litúrgica da igreja é norteada pelas campanhas (atividades sazonais)  e correntes (mais ligadas a um calendário fixo) que acabam estimulando o consumo de bens religiosos oferecidos pela própria Igreja Universal.  A começar pelo copo d’água – o primeiro e mais conhecido instrumento de marketing da IURD – as campanhas e correntes desenvolvidas sempre buscam manter o público interna cativo, pois sucessivamente têm de voltar para completarem os rituais das mesmas e assim conseguirem as bênçãos a que se propõem, e cativar um público ainda não alcançado, já que sempre são oferecidos novos “produtos” para a fé que precisa ser estimulada.  Não é de se estranhar que a IURD seja vista como uma “Fast-food espiritual” que procura a “comercialização do sagrado” (na pág. 178 a reprodução da charge publicada na Folha de S. Paulo em 19/09/1995 indica exatamente isto).
Citando Durkheim, Campos lembra que não há “religiões que sejam falsas.  Todas são verdadeiras à sua maneira.  Todas respondem, ainda que de maneiras diferentes, a determinadas condições da vida humana” (página 28).  É nesta perspectiva que a IURD é vista neste trabalho: verdadeira dentro das condições de vida humana que forjaram a sua maneira de ser; apresentando as suas respostas à platéia / fiéis / consumidores que, levados pelo teatro, pelo templo, ou pelo marcado – ou pelos três – são colocados diante da possibilidade de “usufruir de tudo o que ‘Deus tem preparado de bom para os homens’”(pág. 472).

Um comentário:

  1. Boa resenha.
    Senti falta, no entanto, de uma apresentação mais clara da conclusão da tese proposta pelo autor.

    Chico Junior

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