Resenha
do livro: TEATRO, TEMPLO E MERCADO: organização e marketing de um
empreendimento neopentecostal; de Leonildo Silveira.
Nos
últimos tempos o estudo do fenômeno neopentecostal tem sido o grande centro em
torno do qual tem girado o estudo das Ciências da Religião no Brasil. Seu surgimento mais recente entre os grupos
religiosos, sua abrangência e quase onipresença na sociedade brasileira
moderna, seus métodos inovadores de proselitismo e propagação de suas crenças e
sua proposta política mais agressiva estão entre os temas que têm sido
comumente mais tratados pelos estudiosos.
Saindo
do lugar comum, o Prof. L.S. Campos procura mostrar que o fenômeno
neopentecostal não é simplesmente charlatanismo ou fanatismo, e nem ainda uma
fuga obtusa da sociedade, como quiseram mostrar os adversários do movimento,
tanto entre as igrejas quanto nas academias.
Tomando o caso da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD como exemplo
ele tenta mostrar que num mesmo espaço acontecem simultaneamente o teatro, o
templo e o mercado.
O Prof.
L.S. Campos se qualificou para empreender obra tão volumosa (o livro tem 504
páginas) por estar tanto devidamente habilitado nas ciências humanas e sociais
quanto enfronhado no universo religioso protestante brasileiro onde se viu
nascer o neopentecostalismo e assim produziu um texto, divido em 10 capítulos
que, segundo o autor, “podem ser lidos separadamente” (página 23). Usando o método metafórico nas escolhas dos
temas, Campos segue uma linha de pensamento que pode ser visto como oriundo dos
pensamentos de Aristóteles e se ocupa de tentar ver as realidades através das
representações e metáforas que podem ser propostas a partir delas.
A
primeira expressão da “trilogia articulada ao redor de três metáforas” (pág.
24) é a visão do universo neopentecostal como teatro, ou seja, os ritos que acontecem nas IURD são cenas que se
desenvolvem como num teatro sagrado.
Sendo o teatro ocidental originário “ao redor dos rituais de culto a
Dionísio” (pág. 64) então é perfeitamente compreensível a conclusão que o
teatro e o culto estão intimamente ligados pois são “processos sociais em que
as coisas intangíveis se revestem de tangibilidade, e às visíveis, se atribuem
valores invisíveis” (pág. 65).
Ora, o
que acontece na Igreja Universal é exatamente esta teatralização do sagrado e
como num verdadeiro teatro ali estão presentes todos os elementos de uma
dramaturgia: um enredo, atores, cenário, equipes de apoio e platéia; cada um
tendo um papel especifico a desempenhar no desenrolar ao ato teatral. O pastor funciona como ator que será ajudado
por uma equipe e, fiel ao enredo, “estimula um processo de interação social surpreendente
com a platéia” (pág. 94).
O
segundo ponto é a visão da IURD como templo. O que ali acontece pode ter todos as
características de um teatro mas também é centralizado na consciência religiosa
que faz deste teatro um espaço cúltico reconhecido como “casa de Deus” e por
isto mesmo um “espaço energético”. No
culto neopentecostal e ênfase recai no exorcismo. O templo é o espaço onde as forças do mal são
bombardeadas e têm que se dobrar diante do poder superior de Deus. O pastor, “elo de ligação entre Deus e os
homens” (pág. 101) se coloca então como aquele que vai por em ordem novamente o
mundo que foi destruído pelas forças diabólicas. Note-se que este apelo pela reordenação do
mundo oferecido pelo sagrado está presente no slogan da própria IURD: “quem
procura a Igreja Universal, procura o espírito da Criação”.
Com
esta certeza, o capítulo 8 (a partir da página 327) merece destaque pois é ali
que é feita a análise da Teologia da Igreja Universal. Embora aparentemente avessos a sistematização
teológica, mas, segundo a análise de Campos, quatro aspectos de destacam da
teologia iurdiana: a) a valorização
do corpo, ao contrário dos demais ramos protestantes e principalmente
pentecostais, a IURD vê o corpo como “ lugar privilegiado, o ponto de encontro
entre o homem e o transcendente” (pág. 332); b) visão maniqueísta do mundo que
considera tudo como resultado das ações benéficas ou maléficas sobre os seres
humanos, destaca-se aqui o papel exorcista exercido pelo templo da Universal
que funciona com uma espécie de pronto-socorro espiritual aberto
ininterruptamente.
Os dois
outros aspectos que se entrelaçam são: c) cura e salvação e d)
prosperidade. Tanto a saúde física
quanto o sucesso sócio-econômico estão, para a teologia da Igreja Universal
intimamente ligados a bênçãos de Deus para aqueles que se unem ao “Jesus da
Igreja Universal”, enquanto que o inverso são conseqüência das forças
malditas. Em outras palavras: saúde e
riqueza estão ao alcance de todos que se empenham em “colocar sua fé é ação” (página 368 – em itálico no original – o Quadro nº 12 na página 364 apresenta uma
sugestiva “Genealogia da Teologia da Prosperidade”).
Mas o
empreendimento da IURD também é alicerçado do marketing. A estrutura da
Igreja Universal é montada sobre uma lógica de mercado onde cada pastor tem
cotas a cumprir e a vida litúrgica da igreja é norteada pelas campanhas
(atividades sazonais) e correntes (mais
ligadas a um calendário fixo) que acabam estimulando o consumo de bens
religiosos oferecidos pela própria Igreja Universal. A começar pelo copo d’água – o primeiro e
mais conhecido instrumento de marketing da IURD – as campanhas e correntes
desenvolvidas sempre buscam manter o público interna cativo, pois
sucessivamente têm de voltar para completarem os rituais das mesmas e assim
conseguirem as bênçãos a que se propõem, e cativar um público ainda não
alcançado, já que sempre são oferecidos novos “produtos” para a fé que precisa
ser estimulada. Não é de se estranhar
que a IURD seja vista como uma “Fast-food espiritual” que procura a “comercialização
do sagrado” (na pág. 178 a reprodução da charge publicada na Folha de S. Paulo
em 19/09/1995 indica exatamente isto).
Citando
Durkheim, Campos lembra que não há “religiões que sejam falsas. Todas são verdadeiras à sua maneira. Todas respondem, ainda que de maneiras
diferentes, a determinadas condições da vida humana” (página 28). É nesta perspectiva que a IURD é vista neste
trabalho: verdadeira dentro das condições de vida humana que forjaram a sua
maneira de ser; apresentando as suas respostas à platéia / fiéis / consumidores
que, levados pelo teatro, pelo templo, ou pelo marcado – ou pelos três – são
colocados diante da possibilidade de “usufruir de tudo o que ‘Deus tem
preparado de bom para os homens’”(pág. 472).
Boa resenha.
ResponderExcluirSenti falta, no entanto, de uma apresentação mais clara da conclusão da tese proposta pelo autor.
Chico Junior