A narrativa começa com a declaração de que o próprio Deus decidiu
aplicar um teste em Abraão.
Não é todo momento que Deus quer esmiuçar de que se constitui o coração
humano. Mas, quando isso ocorre, também
não deve ser motivo de susto ou medo. Moisés
reconhecia que o objetivo do teste era para impedir o pecado (confira Êx
20:20). E um milênio depois do
patriarca, Davi suplicou por passar em um teste desse (no Sl 26:2).
Voltemos nosso olhar para a narrativa no Gêneses, ali a instrução é
direta:
– Tome seu filho e o ofereça em holocausto.
Na manhã seguinte, Abraão se levantou cedo – para obedecer é melhor
começar logo – pegou os apetrechos necessários, chamou Isaque, seu filho, e
seguiu em direção a Moriá. Três dias de
viagem.
Durante a caminhada, o garoto perguntava:
– Aqui estão fogo e lenha para o sacrifício. Mas onde está o animal?
A resposta na ponta da língua era: “Deus vai providenciar”. Mas parece que estou sentindo o coração, alma
e mente do velho patriarca sendo rasgados.
Dilacerados. A questão do filho
se agigantava! Atormentava!
Recuar não era opção. Detalhar
para o garoto só aumentaria a dor. Procurar
atalhos, descaminharia para desobediência.
– Onde está o animal? Por que não trouxemos aquela ovelhinha do
nosso rebanho que a cevamos para a oferta?
Ela viajaria calma e docilmente para ser imolada!
E a prova da fé foi sendo forjada na solidão da obediência. É que os embates travados nas profundezas
silenciosas da alma são os que produzem as mais significativas vitórias. Elas aquietam o coração (assim cantou o
salmista no Sl 42:11).
Já no lugar indicado: um altar foi construído, a lenha amarrada em cima
e o filho colocado como oferta.
E no momento fatal, a intervenção divina indicou que Abraão passara no
teste:
– Não toque no garoto. Estou vendo que sua fé é em mim e não nas
minhas bênçãos!
Então Abraão olhou e percebeu que estava ali um carneiro montês embaraçado
pelos chifres. A força bruta do animal
selvagem estava domada para servir de oferta substitutiva. Oferta providenciada pelo próprio Deus.
Deus não queria Isaque – ele era dádiva graciosa ao patriarca. Também não queria uma ovelha de rebanho. Ele queria Abraão, subjugado em sua alma
depois de travada a luta e provada a obediência – como um cordeiro bravo preso
em seus chifres, vencido e vulnerável.
O patriarca era a oferta, e ele estava agora ali no altar naquele
cordeiro. Um cordeiro agora recebido
como dádiva e providência do próprio Deus e a ele devolvido, como oferta de
consagração de uma vida completamente embaraçada no altar.
(Mais tarde o Senhor iria estabelecer que oferta igual fosse apresentada
para consagração dos sacerdotes a oficiar diante dele – vá a Lv 8:22).
E, finalmente, tendo feito a (auto-)oferta no altar de Moriá ao
Javé-Jiré, que tudo providencia, Abraão voltou para a vida.
(Na
imagem lá em cima, um frame de um carneiro montês do Monte Moriá
– crédito: wikipédia.com)
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