A instrução de Jesus sobre
“não esteja ansioso com a sua própria vida” é bastante
conhecido. Ela é citada tanto por Mateus como por Lucas (em Mt 6:25
e em Lc 12:22). Estive lendo esta passagem na língua grega para
buscar aprofundar um pouco mais meu estudo sobre o tema – trabalhei
de início com Mateus e depois verifiquei que Lucas segue o mesmo
padrão.
Em ambos os Evangelhos o
fraseado é basicamente o mesmo, eles usam um imperativo com negativo
– uma proibição inquestionável. Ou seja, no discipulado
proposto por Jesus não é permitida a ansiedade pela vida.
Continuei a leitura dos versos
seguintes e um detalhe me chamou a atenção, como se me saltasse aos
olhos as palavras. A expressão é: “qual de vocês, por mais
ansioso que esteja pode agregar um braço ao seu tamanho”. As
frases quase que se repetem em Mt 6:27 e Lc 12:25 mais uma vez, mas
há uma pequena diferença, Lucas não anota o numeral um.
Então vou continuar a partir de Mateus.
Lendo
assim de relance – já fiz isso incontáveis vezes – estas
palavras não demonstram a ironia fina com a qual que os evangelistas
carregaram a citação. Mas eis que as palavras pularam: estar
ansioso
e agregar.
E me dei ao exercício
de exegeta-detetive. E tinha um tesouro a ser encontrado.
Eu
não tenho como confirmar
quais foram as palavras exatas que Jesus usou em aramaico no dia em
que falou. Posso até
deduzir, mas isso não me auxiliou no jogo semântico dos Evangelhos.
Então vou trabalhar direto no grego de Mateus. Permita-me isso e
espero que o uso da língua original não lhe afugente do texto.
Garanto: valeu-me o estudo.
A
primeira palavra é o verbo ser/estar ansioso (em grego μεριμνάω
–
fala-se: ‘merimnao’).
Essa palavra tem uma raiz composta: μερίς + μνήμη
= pedaço + mente/lembrança. Então, quando
um grego falava em estar ansioso ele queria dizer algo como: ser
dividido ou distraído, dividir a alma/mente, perder o foco,
preocupar-se ou pensar demais a ponto de fender o juízo.
A segunda palavra, também
verbo, é agregar/acrescentar (em grego: προστίθημι –
fala-se “prostithemi’). Esse verbo, assim com o acréscimo
de preposição, se referia a colocar uma coisa sobre outra, fazendo
crescer de tamanho.
Assim, Mateus faz o jogo
incoerente – e irônico – de significados: como alguém pode
querer acrescentar ou somar algo a sua vida se insiste em dividir e
tirar? Se divido e reparto a mente, não posso agregar e somar nada
a minha vida! Não faz nenhum sentido!
Vamos voltar à leitura do
texto, lembrando que a instrução é clara como uma proibição
explícita: Não se preocupem. Não se dividam.
No texto, Jesus está
apresentando o que conhecemos como o Sermão do Monte, onde ele dá
as instruções principais para o discipulado no Reino de Deus que
estava implantando a partir de seu ministério.
Para o Mestre, quem entra no
projeto de discipulado de Reino não pode se distrair ou ter a mente
dividida entre as prioridades do Reino e as ocupações do curso
desta vida. Pois se particiono minhas atenções e intenções
jamais poderei acrescentar nada nem a minha existência nem ao
próprio Reino.
E mais. Jesus é taxativo:
ninguém pode servir a dois senhores (dito pouco antes em Mt 6:24).
Quando há divisão em prioridades, um dos dois senhores – ou os
dois – serão negligenciados.
Para ser discípulo no Reino é
indispensável que o foco e prioridade absoluta esteja no próprio
Reino e serviço. Jesus não admite que a ansiedade com os cuidados
de comida e vestimenta roube a primazia do Reino.
Além de nada contribuir ou
garantir, o juízo dividido pela ansiedade não vai me permitir
confiar no Pai celeste que providencia e acrescenta ele mesmo todas
essas coisas (Mt 6:32-33 está claro).
No Reino de Deus não há lugar
para mente ansiosa, pois o que divide não soma. Assim é o projeto
exclusivo que Jesus impõe: “não esteja ansioso com a sua
própria vida”. Mantenha o foco no Reino.
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