sexta-feira, 22 de março de 2019

O REINO: ANSIEDADE, DIVISÃO E SOMA


A instrução de Jesus sobre “não esteja ansioso com a sua própria vida” é bastante conhecido. Ela é citada tanto por Mateus como por Lucas (em Mt 6:25 e em Lc 12:22). Estive lendo esta passagem na língua grega para buscar aprofundar um pouco mais meu estudo sobre o tema – trabalhei de início com Mateus e depois verifiquei que Lucas segue o mesmo padrão.
Em ambos os Evangelhos o fraseado é basicamente o mesmo, eles usam um imperativo com negativo – uma proibição inquestionável. Ou seja, no discipulado proposto por Jesus não é permitida a ansiedade pela vida.
Continuei a leitura dos versos seguintes e um detalhe me chamou a atenção, como se me saltasse aos olhos as palavras. A expressão é: “qual de vocês, por mais ansioso que esteja pode agregar um braço ao seu tamanho”. As frases quase que se repetem em Mt 6:27 e Lc 12:25 mais uma vez, mas há uma pequena diferença, Lucas não anota o numeral um. Então vou continuar a partir de Mateus.
Lendo assim de relance – já fiz isso incontáveis vezes – estas palavras não demonstram a ironia fina com a qual que os evangelistas carregaram a citação. Mas eis que as palavras pularam: estar ansioso e agregar. E me dei ao exercício de exegeta-detetive. E tinha um tesouro a ser encontrado.
Eu não tenho como confirmar quais foram as palavras exatas que Jesus usou em aramaico no dia em que falou. Posso até deduzir, mas isso não me auxiliou no jogo semântico dos Evangelhos. Então vou trabalhar direto no grego de Mateus. Permita-me isso e espero que o uso da língua original não lhe afugente do texto. Garanto: valeu-me o estudo.
A primeira palavra é o verbo ser/estar ansioso (em grego μεριμνάω – fala-se: ‘merimnao). Essa palavra tem uma raiz composta: μερίς + μνήμη = pedaço + mente/lembrança. Então, quando um grego falava em estar ansioso ele queria dizer algo como: ser dividido ou distraído, dividir a alma/mente, perder o foco, preocupar-se ou pensar demais a ponto de fender o juízo.
A segunda palavra, também verbo, é agregar/acrescentar (em grego: προστίθημι – fala-se “prostithemi’). Esse verbo, assim com o acréscimo de preposição, se referia a colocar uma coisa sobre outra, fazendo crescer de tamanho.
Assim, Mateus faz o jogo incoerente – e irônico – de significados: como alguém pode querer acrescentar ou somar algo a sua vida se insiste em dividir e tirar? Se divido e reparto a mente, não posso agregar e somar nada a minha vida! Não faz nenhum sentido!
Vamos voltar à leitura do texto, lembrando que a instrução é clara como uma proibição explícita: Não se preocupem. Não se dividam.
No texto, Jesus está apresentando o que conhecemos como o Sermão do Monte, onde ele dá as instruções principais para o discipulado no Reino de Deus que estava implantando a partir de seu ministério.
Para o Mestre, quem entra no projeto de discipulado de Reino não pode se distrair ou ter a mente dividida entre as prioridades do Reino e as ocupações do curso desta vida. Pois se particiono minhas atenções e intenções jamais poderei acrescentar nada nem a minha existência nem ao próprio Reino.
E mais. Jesus é taxativo: ninguém pode servir a dois senhores (dito pouco antes em Mt 6:24). Quando há divisão em prioridades, um dos dois senhores – ou os dois – serão negligenciados.
Para ser discípulo no Reino é indispensável que o foco e prioridade absoluta esteja no próprio Reino e serviço. Jesus não admite que a ansiedade com os cuidados de comida e vestimenta roube a primazia do Reino.
Além de nada contribuir ou garantir, o juízo dividido pela ansiedade não vai me permitir confiar no Pai celeste que providencia e acrescenta ele mesmo todas essas coisas (Mt 6:32-33 está claro).
No Reino de Deus não há lugar para mente ansiosa, pois o que divide não soma. Assim é o projeto exclusivo que Jesus impõe: “não esteja ansioso com a sua própria vida”. Mantenha o foco no Reino.

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