Durante o período medieval
europeu, o cristianismo ocidental levou a efeito uma sociedade cristã
– dita cristandade – que se propôs hegemônica, não somente por
seu aspecto geográfico, mas também por se apresentar como portador
de soluções universais para todas as questões humanas.
No final do século XV e início
do século XVI, porém, uma série de acontecimentos provocou a
subversão da arrumação medieval do mundo ocidental. Nesse período
os reis católicos unificaram a Espanha; Cristóvão Colombo e Pedro
Álvares Cabral chegaram ao novo mundo; Nicolau Maquiavel publicou O
Príncipe; Martinho Lutero afixou as 95 Teses na porta do
Castelo de Wittenberg; Leonardo da Vinci pintou a Capela Cistina em
Roma, entre outros eventos históricos, precipitaram a transformação
do mundo ocidental (já publiquei uma cronologia desta época – veja aqui – link).
Como movimentos humanos, temos a
partir daí o protestantismo, o iluminismo, o racionalismo e o
positivismo com todos os desdobramentos destes movimentos. Eles
tanto propuseram uma nova arrumação à humanidade ocidental como
não conseguiram mais dar unanimidade ao pensamento como o tinha dado
a cristandade ocidental até então.
Pelo lado protestante, a
tradição que se cristalizou a partir do século seguinte seguiu
como as duas trilhas do pensamento: a ortodoxia e o movimento
pietista dando ênfase a razão e crença respectivamente.
Quanto a isso, Paul Tillich
observa que embora a ortodoxia seja a representação mais objetiva
que existe da teologia protestante, contudo o pietismo foi mais
moderno do que a própria ortodoxia. Pois estava mais próximo da
mente moderna na busca pela subjetividade.
E este será o grande tema do
debate protestante a envolver a sua teologia: objetividade ou
subjetividade – qual deverá ser a marca principal da
teologia protestante moderna? A teologia deverá se nortear pela fé
ou pela ciência?
Como vimos, ao contrário do
pensamento hegemônico da cristandade medieval quando a fé tinha
total primazia sobre as questões humanas, agora na tradição
protestante, a fé e ciência disputam lugar, lado a lado, como
critério de validação das verdades teológicas. A ortodoxia
pregando que o conhecimento teológico deve se submeter aos ditames
do conhecimento científico e o pietismo enfatizando que todo o
conhecimento relativo deve passar pela experiência pessoal e
mística.
Sobre isso, ainda Tillich
ilustra este debate com a seguinte situação: Os ortodoxos diziam
que a teologia era uma ciência objetiva e que, por isso, qualquer
pessoa capacitada poderia escrever Teologias perfeitamente válidas
sem a necessidade do novo nascimento. O pietismo dizia: “Não, só
se pode ser teólogo depois da experiência da regeneração”.
No desdobramento histórico
deste embate, chegando ao final do século XIX e início do século
XX estas questões modernas entre fé e ciência foram levadas às
distintas consequências. Pelo menos três tipos de relacionamento
podem ser notados: (1) Fundamentalismo; (2) Pentecostalismo; e (3)
Neo-ortodoxia – aqui apresentados sem preocupação cronológica.
Um. O Fundamentalismo
admite o relacionamento entre fé e ciência somente nos seguintes
termos: a ciência deve ser usada como instrumental para validar a
fé; ou seja, para o fiel fundamentalista o último e absoluto
critério de verdade é a fé, mas esta fé já está totalmente
registrada na Bíblia e a sua leitura que deve ser sempre feita a
partir da literalidade consagrada pela tradição protestante
ortodoxa reconhecida como tal. Assim o papel da ciência no
conhecimento humano é puramente na exegese correta das palavras
bíblicas e na corroboração das suas narrativas através das
descobertas científicas.
Dois. O Pentecostalismo
se mostrou herdeiro – principalmente na sua origem – dos
movimentos pietistas e místicos na legitimação da experiência
como critério teológico sem fazer uso de qualquer instrumental
científico. O movimento pentecostal pode ser considerado como
sucessor legítimo dos movimentos que enfatizaram a supremacia
pessoal em detrimento de um estudo mais sistemático e metodológico
do arcabouço teórico e histórico recebido pelas tradições
cristãs.
Três. A Neo-ortodoxia
se propõe a usar dos instrumentais e metodologia da ciência para
formular sua teologia. Herdeira direta da ortodoxia clássica e do
racionalismo protestante, esta tendência tornou-se a forma de fazer
teologia predominante nos meios acadêmicos principalmente europeus.
Aqui convém citar o nome do teólogo suíço Karl Barth que
certamente foi o primeiro entre os pensadores desta linha protestante
a se opor ao encaminhamento dado até então pela dita Teologia
liberal, mas sem abandonar o diálogo da fé com a ciência. Em seu
trabalho, Barth propôs um retorno do conhecimento cristão às bases
bíblicas, uma volta às Escrituras Bíblicas – Teologia de
Retorno às Fontes – como critério principal da produção
teológica, mas sem desprezar as contribuições que a filosofia e as
ciências modernas têm a oferecer, estabelecendo sempre um diálogo
com elas.
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