Depois
de ter escrito sobre a portuguesa palavra saudade (link)
e sobre um hino antigo (link),
volto minha atenção aqui para um belo Salmo que na redação da NVI
diz: Junto
aos rios da Babilônia nós sentamos e choramos com saudade
de Sião
(Sl 137:1).
Enquanto
escrevia sobre saudade também me lembrei dessa citação. E a
questão é a mesma: Se a expressão é apenas portuguesa, como foi
parar em um Salmo hebraico?
Vamos
caminhar. Uma rápida olhada em opções de tradução. Um pouco de
exegese hebraica – só um pouquinho mesmo! Uma citação. E uma
reflexão.
É
verdade que outras versões em nosso vernáculo não trazem esse
fraseado (geralmente usam o termo lembrar – pode conferir ARA, NVT,
NTLH, ARC, NBV-P). Também em inglês as versões KJV e NIV usam
when
we remembered Zion.
A Riveduta italiana: ricordandoci
di Sion.
A Reina-Valera em espanhol: acordándonos
de Sion.
A Bible de Jérusalem fancesa: en
nous souvenant de Sion.
Alguns
textos clássicos. A Septuaginta: ἐν
τῷ μνησθῆναι ἡμᾶς τῆς Σιων
(literalmente:
na memória dos de Sião). A Vulgata Latina: cum
recordaremur Sion.
A
palavra hebraica em questão é o verbo
זכר
(zkr)
que o dicionário oferece como tradução: fazer menção, lembrar.
Aqui conjugado no qal – 1ª pessoa do plural. Esse verbo que
aparece mais de duzentas vezes no AT hebraico em geral traduz a ação
de manter viva a memória e a prática (como no quarto mandamento em
Êx 20:8); mas eventualmente pode significar honrar ou fazer menção
(como em Is 26:13).
A
citação que eu quero fazer é do nigeriano Zamani Kafang (no CBA):
Muitos
africanos sabem o que significa ter de deixar sua amada terra natal.
Em muitos séculos, muitos foram capturados e deportados como
escravos. Outros foram obrigados a fugir por causa de guerras que
devastaram suas terras, destruíram seus lares e desintegraram a
economia. Quem passou por experiências desse tipo entende bem as
emoções que o Salmo 137 expressa.
Talvez
a nossa palavra exprima o que sentiam os judeus às margens do canal
de Quebar na Babilônia. Mas não era como a dos navegantes
portugueses – estes iam por ambição e sempre tinham um sonho para
os acalentar enquanto tocavam suas cantigas e trovas. É mais que
isso! Os deportados de Sião apenas choravam, sem inspiração para
tirar canções de suas harpas.
E
hoje também, como posso cantar e fazer a alma suspirar se ainda não
contemplo os portais eternos? Mais que memória de uma terra ou
tempo que já se vai, há saudade e mais que isso. Há anseio em
minha alma (o Sl 42 ajuda nessa visão poética). Não é só o
tempo que ficou para trás – é o porvir!
Há
um
anseio melancólico ou nostalgia do encontro que ainda não se dará
neste espaço ou neste tempo. Por isso há em cada cristão uma
sonoridade vaga e sonhadora por fenômenos que nem mesmo podem
existir aqui. Por isso sempre haveremos de salmodiar a Nova
Jerusalém – nossa maior alegria.
E
que não seja o pedido curioso do mundo onde vivemos que nos faça
esquecer que nosso canto, louvor e adoração são
exclusivamente a canção
do Senhor.
Assim
seja o meu Salmo:
Junto
ao fluxo dessa moderna
Babel eu sento e choro.
Minha
alma lembra
e está com uma ferida ansiosa de saudade de Sião
e está com uma ferida ansiosa de saudade de Sião
Já
fiz calar
nas
mídias
os alegres cânticos.
os alegres cânticos.
Mesmo
que o sucesso requeira;
como
poderia eu entreter este povo
com as canções do Senhor?
com as canções do Senhor?
Como
reduziria eu meu louvor
a apenas mais um hit nas paradas?
a apenas mais um hit nas paradas?
Que
a minha arte definhe
se não te cantar apenas, ó Jerusalém.
se não te cantar apenas, ó Jerusalém.
Que
as palavras me faltem
se eu não ansiar por ti e a honrar somente,
se eu não ansiar por ti e a honrar somente,
e
não considerar Jerusalém
minha maior alegria!
minha maior alegria!
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