sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

SAUDADE – um belo Salmo


Depois de ter escrito sobre a portuguesa palavra saudade (link) e sobre um hino antigo (link), volto minha atenção aqui para um belo Salmo que na redação da NVI diz: Junto aos rios da Babilônia nós sentamos e choramos com saudade de Sião (Sl 137:1).
Enquanto escrevia sobre saudade também me lembrei dessa citação. E a questão é a mesma: Se a expressão é apenas portuguesa, como foi parar em um Salmo hebraico?
Vamos caminhar. Uma rápida olhada em opções de tradução. Um pouco de exegese hebraica – só um pouquinho mesmo! Uma citação. E uma reflexão.
É verdade que outras versões em nosso vernáculo não trazem esse fraseado (geralmente usam o termo lembrar – pode conferir ARA, NVT, NTLH, ARC, NBV-P). Também em inglês as versões KJV e NIV usam when we remembered Zion. A Riveduta italiana: ricordandoci di Sion. A Reina-Valera em espanhol: acordándonos de Sion. A Bible de Jérusalem fancesa: en nous souvenant de Sion.
Alguns textos clássicos. A Septuaginta: ἐν τῷ μνησθῆναι ἡμᾶς τῆς Σιων (literalmente: na memória dos de Sião). A Vulgata Latina: cum recordaremur Sion.
A palavra hebraica em questão é o verbo זכר (zkr) que o dicionário oferece como tradução: fazer menção, lembrar. Aqui conjugado no qal – 1ª pessoa do plural. Esse verbo que aparece mais de duzentas vezes no AT hebraico em geral traduz a ação de manter viva a memória e a prática (como no quarto mandamento em Êx 20:8); mas eventualmente pode significar honrar ou fazer menção (como em Is 26:13).
A citação que eu quero fazer é do nigeriano Zamani Kafang (no CBA):
Muitos africanos sabem o que significa ter de deixar sua amada terra natal. Em muitos séculos, muitos foram capturados e deportados como escravos. Outros foram obrigados a fugir por causa de guerras que devastaram suas terras, destruíram seus lares e desintegraram a economia. Quem passou por experiências desse tipo entende bem as emoções que o Salmo 137 expressa.
Talvez a nossa palavra exprima o que sentiam os judeus às margens do canal de Quebar na Babilônia. Mas não era como a dos navegantes portugueses – estes iam por ambição e sempre tinham um sonho para os acalentar enquanto tocavam suas cantigas e trovas. É mais que isso! Os deportados de Sião apenas choravam, sem inspiração para tirar canções de suas harpas.
E hoje também, como posso cantar e fazer a alma suspirar se ainda não contemplo os portais eternos? Mais que memória de uma terra ou tempo que já se vai, há saudade e mais que isso. Há anseio em minha alma (o Sl 42 ajuda nessa visão poética). Não é só o tempo que ficou para trás – é o porvir!
Há um anseio melancólico ou nostalgia do encontro que ainda não se dará neste espaço ou neste tempo. Por isso há em cada cristão uma sonoridade vaga e sonhadora por fenômenos que nem mesmo podem existir aqui. Por isso sempre haveremos de salmodiar a Nova Jerusalém – nossa maior alegria.
E que não seja o pedido curioso do mundo onde vivemos que nos faça esquecer que nosso canto, louvor e adoração são exclusivamente a canção do Senhor.
Assim seja o meu Salmo:

Junto ao fluxo dessa moderna Babel eu sento e choro.
Minha alma lembra
e está com uma ferida ansiosa de saudade de Sião
Já fiz calar nas mídias
os alegres cânticos.
Mesmo que o sucesso requeira;
como poderia eu entreter este povo
com as canções do
Senhor?
Como reduziria eu meu louvor
a apenas mais um hit nas paradas?
Que a minha arte definhe
se não te cantar apenas, ó Jerusalém.
Que as palavras me faltem
se eu não ansiar por ti e a honrar somente,
e não considerar Jerusalém
minha maior alegria!


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