terça-feira, 29 de janeiro de 2019

SAUDADE – a nossa palavra


Nós, falantes nativos da língua portuguesa, costumamos citar com uma pitada de orgulho que a nossa palavra saudade é exclusividade nossa: não tem tradução completa e exata em outras línguas. Pode ser verdade. Então, como bom brasileiro, deixe-me debulhar um pouco a palavra.
Se você for buscar tradução na internet, vai encontrar algumas citações interessantes. É claro que o tradutor do Google sempre vai oferecer opções – ele sempre faz isso, mesmo que às vezes não se entenda como chegou lá! Mas também, neste caso, sempre tem um quê.
Veja o que achei. Para o inglês a sugestão é missing – mas, invertendo a tradução a sugestão é: ausência. No caso do italiano: brama – invertendo: desejo, sede. Se for espanhol: anhelo – de lá pra cá: desejo. Em francês: envie – que seria: vontade. Para o alemão: sehnsucht – que deve significar: ânsia. Em romeno é o mais interessante: dor – mas não confunda, naquela língua o melhor conceito para a palavra seria: nostalgia (acho que aqui chegou perto!). E se continuasse, sei que sugestões não faltariam, nem peculiaridades.
Então, vamos tentar conceituar. A BBC de Londres, num projeto intitulado The Untranslatable Emotions (literalmente: as emoções sem tradução), tenta explicar para os ingleses o que seria a palavra portuguesa saudade: um anseio melancólico ou nostalgia de uma pessoa, lugar ou coisa que está longe, seja no espaço ou no tempo – uma sonoridade vaga e sonhadora por fenômenos que nem mesmo podem existir na terra natal.
Confesso. Como tentativa de gringo, até que gostei da proposta. Porém, como saudade é uma coisa que a gente sente e sabe que sente, e por isso mesmo nem precisa definir, vou passar a palavra a nossos poetas:
Aguinaldo Silva diz:
Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Chico Buarque canta:
Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
E o inigualável Fernando Pessoa faz poesia:
Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Quanto a origem. Já li muita sugestão, coisa de linguista, de historiador, de acadêmico. Entre as principais, uns citam as óbvias raízes latinas onde a saudade seria herdeira da expressão solitate, o que a tornaria irmã da solidão. Outros citam uma ligação com o árabe as-saudá que seria uma espécie de dor no fígado que gera moleza e melancolia.
Pode até ser! Mas pense comigo: um povo como o português que se estabeleceu se lançando em suas naus com destino incerto, buscando terras e riquezas de além-mar, deixando para trás vidas e amores. Um povo que teve que se acostumar a ver sumir velas no horizonte, sem nunca saber se os ventos as traria de volta. Esse povo teve de inventar uma palavra para lusitanos, brasileiros, angolanos e outros patrícios tantos por aí cantarem o fado como sentimento único a ser dito nessa última flor do Lácio.
Assim nasceu a saudade.

Leia mais sobre SAUDADE:
SAUDADE - um hino antigo
SAUDADE - um belo Salmo

(Na imagem lá em cima: o Monumento aos Descobridores em Lisboa/Portugal.
Fonte – http://www.padraodosdescobrimentos.pt/pt
/)

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