Nós,
falantes nativos da língua portuguesa, costumamos citar com uma
pitada de orgulho que a nossa palavra saudade
é exclusividade nossa: não tem tradução completa e exata em
outras línguas. Pode ser verdade. Então, como bom brasileiro,
deixe-me debulhar um pouco a palavra.
Se
você for buscar tradução na internet, vai encontrar algumas
citações interessantes. É claro que o tradutor do Google sempre
vai oferecer opções – ele sempre faz isso, mesmo que às vezes
não se entenda como chegou lá! Mas também, neste caso, sempre tem
um quê.
Veja
o que achei. Para o inglês a sugestão é missing
– mas, invertendo a tradução a sugestão é: ausência.
No caso do italiano: brama
– invertendo: desejo,
sede.
Se for espanhol: anhelo
– de lá pra cá: desejo.
Em francês: envie
– que seria: vontade.
Para o alemão: sehnsucht
– que deve significar: ânsia.
Em romeno é o mais interessante: dor
– mas não confunda, naquela língua o melhor conceito para a
palavra seria: nostalgia
(acho que aqui chegou perto!). E se continuasse, sei que sugestões
não faltariam, nem peculiaridades.
Então,
vamos tentar conceituar. A BBC de Londres, num projeto intitulado “The Untranslatable Emotions” (literalmente: as
emoções
sem tradução),
tenta explicar para os ingleses o que seria a palavra portuguesa
saudade: um anseio melancólico ou nostalgia de uma pessoa, lugar ou
coisa que está longe, seja no espaço ou no tempo – uma sonoridade
vaga e sonhadora por fenômenos que nem mesmo podem existir na terra
natal.
Confesso.
Como tentativa de gringo, até que gostei da proposta. Porém, como
saudade é uma coisa que a gente sente e sabe que sente, e por isso
mesmo nem precisa definir, vou passar a palavra a nossos poetas:
Aguinaldo
Silva diz:
Saudade
é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Chico
Buarque canta:
Oh,
pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
E
o inigualável Fernando Pessoa faz poesia:
Eu
amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Quanto
a origem. Já li muita sugestão, coisa de linguista, de
historiador, de acadêmico. Entre as principais, uns citam as óbvias
raízes latinas onde a saudade seria herdeira da expressão solitate,
o que a tornaria irmã da solidão. Outros citam uma ligação com o
árabe as-saudá
que seria uma espécie de dor no fígado que gera moleza e
melancolia.
Pode
até ser! Mas pense comigo: um povo como o português que se
estabeleceu se lançando em suas naus com destino incerto, buscando
terras e riquezas de além-mar, deixando para trás vidas e amores.
Um povo que teve que se acostumar a ver sumir velas no horizonte, sem
nunca saber se os ventos as traria de volta. Esse povo teve de
inventar uma palavra para lusitanos, brasileiros, angolanos e outros
patrícios tantos por aí cantarem o fado como sentimento único a
ser dito nessa última flor do Lácio.
(Na
imagem lá em cima: o Monumento aos Descobridores em
Lisboa/Portugal.
Fonte – http://www.padraodosdescobrimentos.pt/pt/)
Fonte – http://www.padraodosdescobrimentos.pt/pt/)