terça-feira, 8 de janeiro de 2019

O ÓRGÃO E O CULTO – um pouco de provocação


Remexendo em algumas leituras antigas, encontrei a citação a seguir num livro do Jaci Maraschin de 1996. Ela, a citação, foi tirada de um panfleto de cunho puritano, publicado em 1586, intitulado “Petição de todos os verdadeiros cristãos à Casa do Parlamento”. Veja:

Devem ser destruídas todas as igrejas-catedrais onde o serviço de Deus é grandemente ultrajado por meio de órgãos de tubo, cantorias, campainhas e o costume de se jogar os Salmos de um lado para outro do coro, com os guinchos dos coristas que cantam fantasiados (como aliás, todos os outros) com sobrepelizes brancas; alguns deles com chapéus e frívolas capas, imitando os usos do Anticristo, o Papa, esse homem pecaminoso e filho da perdição, com seus seguidores descrentes e espertalhões.

Como coloquei lá no título, aqui só quero fazer um pouco de provocação sobre o tema. É verdade que com o tempo, o estudo, a vivência, a gente acaba formando conceitos sobre essas coisas, e talvez não seja muito fácil se livrar deles – até quando se está apenas provocando.
Antes, porém, de atentar para a citação puritana e ver o que ela nos provoca, entendo que é bom voltar um pouco na história.
Como conceito geral, o órgão é um dos mais antigos instrumentos musicais do Ocidente. O órgão (a partir do grego: ὄργανον – instrumento – e por falar em grego, esta palavra não consta do NT), teve sua ideia inicial esboçada por um tal de Ctesíbio de Alexandria no século III a.C. quando resolveu juntar uma flauta com um sistema hidráulico de injeção de ar nos tubos. Daí foi consequência e desenvolvimento da ideia.
O órgão tem sido, em geral, o queridinho da música por séculos pelos lados de cá do mundo, tanto como acompanhamento de liturgias e adoração originalmente pagãs e depois cristãs, quanto para música de puro entretenimento. Bach o usou e explorou até quase seus limites com suas composições e fugas. E Mozart chegou a se referir a ele como o rei dos instrumentos.
Também vale a citação de seus parentes próximos, entre eles o harmônio, a gaita-de-foles e o acordeon – ou melhor, a sanfona (a ideia é a mesma, só muda a embalagem!).
Nas celebrações cristãs, a primeira referência consistente que se tem sobre o uso do órgão nos cultos é do século VII quando o Papa Vitalino o incorporou na liturgia. E o Concílio Vaticano II reafirmou:

Tenha-se em grande apreço na Igreja latina o órgão de tubos, instrumento musical tradicional e cujo som é capaz de dar às cerimônias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito para Deus
(Artigo nº 120).

Voltando a citação puritana – já está ficando grande a revisão histórica.
Nos meados do século XVI, a reforma inglesa tinha apenas maquiado a doutrina, a liturgia e a devoção. E o povo cristão anglicano buscava por uma vida de maior santidade e pureza e, certamente, um culto que os aproximasse mais de Deus.
Foi nesse contexto que a liderança puritana se dirigiu ao Parlamento e requereu basicamente três coisas: (1) A destruição das igrejas-catedrais; (2) a retirada dos órgãos do culto – eles ultrajam o serviço a Deus; e (3) a mudança na liturgia, excluindo as responsivas e os corais cujos paramentos e fardas mais pareciam coisa de católicos romanos.
É verdade que não consegui encontrar nenhuma resposta oficial dada pelo Parlamento Britânico à Petição Puritana. Mas fica o questionamento e a provocação: seriam os grandes templos, o solene som do órgão e as estruturadas liturgias congregacionais parte essencial de nossa fé, tradição e culto? Ou eles foram inovações às quais já nos acostumamos e nem ao menos queremos remexer?
E mais: que outras formas e jeitos já estamos incorporando ao nosso cristianismo? Teremos a mesma coragem e ousadia de interpelar pela defesa e pureza de nossa fé e culto?
São apenas provocações.
Ah! E sim! Eu, particularmente, gosto bastante do som do órgão.


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