terça-feira, 26 de abril de 2022

HOLOCAUSTO E OBEDIÊNCIA – Considerando Jeremias 7:22

 

A questão principal é em torno da ordenação ou não do sacrifício – e isso em relação ao culto celebrado em Israel.

Tema interessante.  Vamos lá.  Creio que é possível dividir a análise para compreender melhor o texto e seu significado.

 

¶ Para começar: a tradução em português.

 

“... nem lhes ordenei coisa alguma acerca de holocausto ou sacrifícios.” – Almeida

“... nada lhes falei nem ordenei quanto a holocaustos e sacrifícios.” – NVI

“... não eram ofertas e holocaustos que eu queria deles.” – NVT

 

Elas parecem seguir a mesma compreensão de tradução.

 

A palavra aqui traduzida é o hebraico צוה (tsavah) que literalmente, nesse contexto, pode ser traduzido como comandar, ordenar ou dar instrução.

Curiosidade para acrescentar: a versão LXX em grego traduziu a expressão como ἐνετειλάμην (aoristo do verbo ἐντέλλομαι) que em português indica dar ordem ou instruir (mesmo termo presente em Mt 28:20).  E a Vulgata Latina usou præcepi (particípio do verbo præcepio) que pode significar tanto aconselhar como prescrever.

 

¶ Vamos olhar no texto do Êxodo o que ele nos diz sobre o que Deus queria na saída o Egito (depois voltamos a Jeremias).

 

Quando Moisés apresentou o requerimento do Deus de Israel a Faraó, as palavras foram as seguintes: “Deixe meu povo sair para adorar” (Êx 8:1).

Aqui a palavra em hebraico é עבד (avad) que significa exatamente curvar, prostrar, submeter-se – ou, por extensão: servir (gosto como os ingleses traduzem: service).  Obs.  Essa é provavelmente a palavra mais comum para adoração e culto no AT.

 

Chegando ao Sinai, nos 10 Mandamentos (em hebraico: דברdabarpalavras), a proibição do primeiro mandamento é sobre adorar outros deuses (ainda em hebraico é עבדavad).

 

As instruções para o holocausto – sacrifício sangrento – só vão aparecer no desdobramento da Lei no Levítico.

Ou seja, o que Deus ordenou ao povo como proposta para sair do Egito era para adorá-lo (não necessariamente para sacrificar animais e derramar sangue).

 

Essas citações me levam a entender que a adoração e o culto ao Senhor – como ele mesmo requeria – seriam algo mais abrangente que apenas holocaustos sanguinolentos de animais.  Incluía, além das ofertas do culto, uma vida de piedade espiritual, submissão ética pessoal e compromissos sociais.

 

E aqui, já incluindo uma compreensão cristã na questão.  Todo o sistema sacrificial que foi legislado no Êxodo e no Levítico seriam apenas uma ilustração – ou sombra daquilo que Deus realmente queria e apontaria para realização completa em Jesus Cristo (tanto Paulo como o autor aos Hebreus trabalham nessa linha de raciocínio – Cl 2:17 / Hb 10:1).

 

¶ Outras citações, antes de voltarmos a Jeremias.

 

Essa implicação do culto requerido a Israel está demonstrada em textos como o Salmo onde Deus – até com certa ironia – assevera: “não preciso dos novilhos do seu estábulo” (Sl 50:9).

A leitura de todo o Salmo é interessante para demonstrar que, no culto ao Senhor, embora os sacrifícios ainda fossem uma metodologia, o que realmente importava eram o arrependimento e a gratidão.

 

E ainda é preciso citar os profetas quando declaram que “misericórdia é o que eu quero e não sacrifícios” (Os 6:6).  Ou, ainda mais enfático, “Devemos trazer holocausto ao Senhor? ... o Senhor declara que pratique a justiça e ame a misericórdia e ande humildemente” (Mq 6:6-8).

 

¶ Agora, voltando ao texto de Jeremias 22:7.

 

Achei aqui uma citação de John Wesley especificamente sobre esse versículo:

 

Deus não condena essas ofertas, exceto comparativamente em relação à obediência, não tanto quanto à obediência aos seus mandamentos.

 

¶ Agora, lendo o contexto em que o verso aparece, o profeta claramente demonstra conhecer não somente a letra fria da Lei, mas o seu contexto e as implicações espirituais, morais e sociais que ela traz.  Como também a sociedade para a qual ele foi chamado a profetizar.

E é a essa compreensão radical que Jeremias desafia o povo com as palavras de Jr 22:7. 

 

– Sim. Deus ordenou os holocaustos. Mas, de que adiante manter os rituais de sacrifício e culto em funcionamento, como se Deus em algum momento precisasse ser satisfeito com tais liturgias, se não havia obediência ao conjunto dos mandamentos?

– Quando o Senhor libertou Israel do Egito, ele o fez para que o povo o servisse e seguisse seus preceitos, e não para que o alimentasse com suas ofertas e holocaustos (como o faziam os povos ao redor de Israel).

– Holocausto e rituais são importantes, mas não são o essencial.

 

¶ E concluindo, citando novamente o apóstolo Paulo:

 

– O nosso próprio corpo apresentado a Deus é o holocausto que implica em nosso culto que faz sentido (Rm 12:1).


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