Dou sagrada atenção à música litúrgica do
oriente. Mesmo fora do ambiente
eclesiástico, há um toque de mistério na tradição dos cantos da igreja cristã
oriental. Pode ser em grego bizantino ou
moderno, russo, armênio ou copta – a língua pouco importa, já que não domino
nenhuma delas. Mas algo me cativa no
misterioso canto ortodoxo oriental.
Em tudo, aquele canto difere do que meus ouvidos
foram forçados a ouvir no dia-a-dia: melodia, ritmo e harmonia não se encaixam
nos padrões da cultura pop de hoje (nem gospel!). Sinto, contudo, uma estranha familiaridade
com a rica herança que cristãos do oriente legaram à fé e à cultura
ocidental.
Com tais músicas, sei que faço parte deste rio
caudaloso que nasceu nas estepes da Palestina entre discípulos e apóstolos,
avolumou-se com os pais da igreja e ainda banha meu cristianismo hoje.
Ouvi-los cantando é deixar-se ser inundado por uma
atmosfera de piedosa tradição e mistério cristão que, sem dúvida, são tão
fundamentais a minha alma quanto o ar para meus pulmões. Sem eles, minha religiosidade maquia-se em apenas
ativismo cansativo e árido e o cristianismo míngua como um fardo a ser
descartado pelo ocidente pós-moderno (pós-cristão!).
Assim, o canto das igrejas do oriente me conduz de
volta às fontes.
Tradição e piedade santas afloram com o canto dos
irmãos ortodoxos. Ao som de tais orações,
como verdadeira adoração, ressoa o desafio da busca por uma religião que seja
mais que eventos e produza uma saudade salpicada de esperança, atualizando a
própria tradição e anunciando que no Cristo que encontro no culto há calma, paz
e sossego para minha alma.
O misterioso canto oriental infunde e acentua a fé
que me vem de tempos imemoriais, evoca o sentimento de pertença junto a irmãos
e irmãs que, com suas vidas e fé, descortinaram a revelação do amor divino para
seus prediletos.
Ora, sem mistério, religião e crença – qualquer que
seja ela – não passam de rituais de sombras em cavernas (o velho Platão já
sugeria algo assim). E, também por isso,
os antigos cantos instigam minha mente e alma a contemplar e se abrir ao
mistério revelado no encarnado.
Vivendo num ocidente cultural que já não se
reconhece nos detalhes da herança cristã – então nem o valoriza – e, por isso
mesmo, sente-se como uma sociedade órfã, deslocada, caolha e amorfa; parar um
tempo para ser tocado pelo misterioso canto oriental é se ver como o filho
pródigo chegando novamente na velha casa e inexplicável e graciosamente ser
mais uma vez abraçado pelo Pai.
Enquanto pipocam dance music, rock, hip hop, funk
ou outros sons eletrônicos (gospel ou não!) em nossas novas igrejas, faltam o
gosto e o cheiro do antigo e profundo mistério do evangelho. Não fique sedento na beira da fonte das
águas: beba ainda do misterioso canto oriental.
Δόξα στο Θεό.
(Lá em cima, interior da Catedral de Santa Sofia na Turquia, imagem
recolhida no site http://www.ecclesia.com.br)
Compartilhei o o texto no facebook e o sentimento nele expresso.
ResponderExcluirParabéns!
Valeu, amigo. É bom saber que não estamos sós.
ExcluirA glória seja a Deus.
Um abraço
Pr. Jabes Graça e Paz!!!
ResponderExcluirMuito legal seu artigo sobre o canto oriental. Eu particularmente sinto falta de estudos sobre a mistica teológica oriental. Enquanto nós, evangélicos, lançamos fora as liturgias e as heranças da história cristã por causa de uma romanofobia, a ponto de jogar fora a agua da banheira com a criança dentro, os nossos irmãos orientais conseguiram manter claras distinções do que é sagrado e o que é profano (Creio que perdemos muito disso, a ponto de basta ter os nomes Deus e Jesus já é musica pra crente ouvir, não importando a baboseira teológica contida na letra. Nossas músicas causam inumeras sensações, da agitação ao delírio coletivo mas poucas auxiliam numa reflexão genuína sobre o caráter de Nosso Criador e de Sua adoração. Os orientais mantem a belíssima experiência da contemplação, o que se perdeu entre nós em meio a agitação desse mundo tecnológico. Toda mística ortodoxa ajuda a levar a este estado contemplativo, e creio que o crente ao realizar essa jornada transcendental e também interior do "examine-se pois o homem a si mesmo" compreende melhor o que é ser piedoso. Graça e Shalom pastor. Até a próxima.
Jáfer Gomes Ferreira
Querido Jafer.
ExcluirBoas suas palavras. Há realmente uma riqueza na liturgia e na mística oriental cristã que nos conduz à contemplação e à reflexão. Se conseguirmos restaurar esta herança muito contribuiremos com o aprofundamento da fé cristã em nossas igreja.
Um abraço.
Querido Pastor Jabes.
ExcluirAcredito que seja possível, mediante um bom estudo, uma certa restauração dessa herança. Lendo mesmo os mestres do Ocidente como Agostinho, Tomás de Aquino e Francisco de Assis, pude sentir o Poder de Deus que age na História. Muitas vezes, nós leigos, nos deixamos levar pela visão errônea que após o Concílio Niceno e o inicio da Idade Média a Igreja foi só caos e corrupção, como se Deus não usasse mais ninguém, como se tivesse tirado férias do seu posto de Soberano, e só com Huss, Wicliff e Lutero, séculos depois, voltasse a agir. Esquecemos que tinha muita gente boa trabalhando para o Reino dentro de suas limitações, tanto na Igreja Romana como nos grupos discidêntes e nas igrejas orientais. Pensando na questão de resgate, como pastor toda essa riqueza poderá ser transmitida ao crente comum que aparentemente não se importa com isso? Para muitos isso parece elevado demais e tratam com leviandade todo nosso legado eclesiástico. Tenho um amigo e irmão em Cristo que estuda esta temática que pode ajudar com material caso o senhor creia ser oportuno. O nome dele é Erike Couto. É graduando em letras gregas pela UFMG, fala fluentemente hebraico, aramaico, estuda árabe e copta, além de saber ler a escrita hieroglífica, hierática e demótica. Conhece um pouco de siríaco também. É um apaixonado por línguas antigas e vive cercado de textos antigos da Cristandade além de conhecer muito bem a tradição judaica. Estudamos juntos trechos do Talmud, do Sefer HaZohar, e a Mishná. Se o Senhor quiser posso falar com ele ou passar o endereço eletronico dele para o senhor. Material traduzido direto da fonte ele tem de sobra. Abraços.
Querido,
ExcluirMais uma vez, são oportunas suas colocações. Sobre homens de fé que povoaram a igreja ao longo da jornada, sugiro a leitura do livro de Leloup & Boff: "Terapeutas do Deserto".
Um abraço
Graça e Paz pastor!
ResponderExcluirMuito obrigado pela indicação, vou procurar o livro sem demora.
Abraços.