Segundo o dicionário, caudilho é um chefe
militar, geralmente de forças irregulares que lhe são fiéis; um chefe político
que possui uma força militar própria.
Essa prática política herdada da dominação
ibérica se caracterizou por um lado pelo uso da força e violência em defender
latifúndios e grupos conservadores, e por outro por sempre se revestir de um
discurso populista e paternalista.
Em nossa história latino-americana ela foi
quase hegemônica no século XIX vindo depois a perder força ao longo do século
seguinte. Vimos vários caudilhos se
sucederem na dominação de nosso povo, desde Manuel Oribe no Uruguai e López de
Santa Anna no México, passando por Fulgêncio Batista em Cuba e pelos Duvalier
no Haiti.
— Aqui mando eu e vocês têm que se curvar à
minha vontade. Eu tenho direitos e vocês
obrigações. Eu cuido de vocês se me
forem fiéis!
Quando eu olho hoje para algumas igrejas e
comunidades de fé tenho visto se repetir esse padrão. Há caudilhos em nossas instituições religiosas
e eclesiásticas. — Aqui mando eu ...
Ressalva importante: não tenho dados
estatísticos para atestar minhas observações, mas quero manter a esperança e
crença de que os caudilhos eclesiásticos são exceção, embora reconheça que
atitudes como essas não são exatamente novidade na história da igreja –
infelizmente.
Esse fenômeno, contudo requer análise mais
amiúde. Em linhas gerais vou listar dez
atitudes e posturas que caracterizam um caudilho eclesiástico e como
identificá-lo.
1. Administra e controla a sua comunidade
de fé a partir da imposição do poder das regras religiosas. Excesso de legalismo e rigidez normativa. Usa sempre a lei e a sua interpretação ao seu
favor.
2. Apresenta-se com o representante
oficial da divindade tendo com isso uma autoridade personalista e individual. Toda a ligação entre o sagrado e a comunidade
tem que passar por seu crivo.
3. Seu discurso se baseia em ameaças
de terror e medo imposto. As condenações
divinas e o castigo são usados como um instrumento controle comunitário.
4. Mantém uma atitude paternalista,
comportando-se como o pai /patriarca na fé que supre as necessidades e tem
todas as respostas espirituais do rebanho. É sempre ele, e somente ele ou seus prepostos,
quem cuida e tem o alimento espiritual para a comunidade e quem faz a leitura e
interpretação particular da Bíblia.
5. Estabelece uma rígida
hierarquização da comunidade de fiéis, separando-os entre mais e menos
santos/espirituais/doutrinados. Oferece
pouco espaço para leigos. Valoriza cargos e títulos, mesmo que espirituais. Ele mesmo se posiciona em relação a outras lideranças
como sendo de uma casta superior.
6. Ênfase excessiva em números,
resultados e performance tanto social, como espiritual e institucional. Leva a comunidade a se comprometer com seus
alvos, metas e projetos e sua visão única da fé e do cristianismo.
7. Estabelece limites de convívio e
contato dos seus fiéis com outros líderes e comunidades cristãs. É exclusivista. Não tolera comparações, e nem permite que sua
igreja seja vista dentro de um espectro maior e histórico da igreja.
8. Carismas e manifestações
espirituais são mantidos sob controle rígido. Estimulando ou rechaçando; incentivando ou
proibindo de acordo com seus próprios critérios. Consequente manipulação das bênçãos.
9. Conservadorismo em assuntos de
liturgia e costumes. Ao estabelecer um
padrão de forma de culto, louvor e adoração, esse deve ser repetido e mantido inalterado.
Da mesma forma as regras de costumes,
moda, linguajar e relacionamentos.
10. Não concede nenhum espaço para
reflexão ou crítica de nenhuma forma. Tudo
que é dito, pregado ou ensinado deve ser acatado, seguido e defendido sem
qualquer tipo análise ou avaliação – nem teológica, nem histórica, nem bíblica.
Cada um desses pontos possibilitaria uma
desconstrução a partir do longo e rico lastro que o cristianismo nos legou, mas
vou apenas ler o nosso texto sagrado, nossa única regra de fé e prática
individual e eclesiástica, e a partir da sua ótica estabelecer critérios.
O apóstolo Pedro na sua primeira carta
instrui aos presbitérios que pastoreiem e cuidem de seus rebanhos sem ganância,
mas com a atitude de serviço. E nunca
ajam como caudilhos daqueles que lhes foram confiados pelo Supremo Pastor (1Pe
5:1-4).
E o Mestre estabeleceu o critério de
vivência e relacionamentos na igreja que ele fundou, e o posicionamento a ser
esperado de sua liderança: "o padrão entre vocês será o seguinte: mais
prestígio terá quem se submeter, e vai liderar quem servir". E o exemplo é
o próprio Cristo (Lc 22:26-27).
Que nos dê o Senhor da igreja líderes com
espírito servil para a sua glória.