sexta-feira, 24 de abril de 2020

ILUSÃO DA ETERNIDADE


Tive a oportunidade de estar com o Professor Merval Rosa em sala de aula em dois momentos.
O primeiro foi no final de minha graduação em Teologia no Seminário em Recife.  Já havia cumprido a disciplina Psicologia Pastoral - logo não havia mais a necessidade acadêmica - mas aproveitei uma folga no horário para assistir algumas ministrações do mestre.
Uma década e meia depois, estava de volta ao Recife para as aulas de Mestrado e agora deveria cumprir a disciplina Religião e Personalidade com o professor.  Oportunidade aproveitada.  Penso que é dispensável dizer que as aulas foram por demais interessantes.
Desse segundo momento, porém, o melhor, sem dúvida alguma, não foram as obrigações acadêmicas.  Terminados os horários de exigências dos créditos, tínhamos ocasião para longas conversas - informais e despretensiosas - reunidos em grupo: mestre e discípulos, juventude e maturidade, experiência e jovialidade.
Numa dessas conversas de corredor, um dos colegas questionou o mestre sobre qual a principal vantagem de envelhecer?
Em sala de aula, o professor Merval havia exposto sobre os encantos que cada fase da vida pode ter e como eles podem ser bons veículos para uma religião saudável e rica.  E foi assim que o assunto se esticou...
Lembro que fizemos citações de seus ensinos de décadas atrás e de como eles pareciam ter evoluídos - ou amadurecidos - com o tempo.
Sinceramente, o que não me lembro são dos detalhes da resposta nem de todos os pontos ou argumentos daquela aula (sim! uma conversa daquela valia qualquer aula de teologia, filosofia ou psicologia que fosse).
Mas até hoje guardo a imagem da cena do velho mestre, colocando gentil e suavemente a mão no ombro do questionador e formulando a pérola:
— Filho, a principal vantagem da maturidade é que se perde a ilusão da eternidade.
Talvez a minha memória tenha feito o sentido real da frase se diluir no tempo e na distância.  Mas tenho que confessar que para mim não pareceu uma confissão de resignação ou frustração.  Pelo menos nunca a interpretei assim.
E dessa forma, até hoje tenho ruminado aquelas palavras e elas ainda soam como um desafio à busca de uma genuína maturidade cristã, quando a fé e a caminhada deixam de ser impulsionadas pelos arroubos pueris e alcançam a serenidade da dependência daquele que tudo pode.
Uns confiam em carros, outros em cavalos...  Entendi que essa é a ilusão da eternidade: eu tenho força e capacidade.  Eu posso.  Eu sou eterno.  Ilusão!!!
Mas a maturidade faz escoar a miragem e desfaz a ilusão.  E o que sobra ante à pequenez e finitude não é nem desespero nem vazio, pois eu as aceito e me entrego em confiança plena : ... Nós porém temos como referência o nome do nosso Deus (Sl 20).
Já não há autoconfiança desenfreada.  Nem ansiedade apressada.  Muito menos dogmas de fé a serem digladiados.
Com a perda da ilusão da eternidade ficou somente a madura confiança que traz paz. A saudável religião - re-ligação - e fé que agora me faz esperar apenas e inteiramente na graça que nos é ofertada por Jesus (leia as palavras de 1Pe 1:13-18).

2 comentários:

  1. Que lindo pensamento, eu que já estou passando da maturidade, sei bem que não sou eterna fisicamente, mas espiritualmente, vou morar eternamente com Jesus. É verdade!. Ycléa Cervino

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    1. Sim, é verdade, tia. Espero no Senhor também poder chegar a essa maturidade espiritual em poder confiar somente e plenamente naquele que eterno.
      Abr

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