A doutrina da
onisciência de Deus está entre as fundamentais de nossa Teologia Cristã. Ela precisa ser entendida em sua
essência. Mas, como em sua colocação
você alinhou aos decretos divinos, vamos tentar emaranhar o assunto – talvez
ajude.
Antes: a sua
frase de que “Deus sabe de todas as coisas porque ELE decretou tudo” não é uma
citação literal das Escrituras Bíblicas – talvez apenas por inferência. Mas, digo logo, como método teológico, vejo
dificuldade.
Quanto ao Salmo
139, é realmente uma das melhores citações quando buscamos compreender a
onisciência divina. Por isso é salutar
caminhar com ele.
O poema sagrado –
atribuído a Davi – é composto como uma oração, uma declaração direta afetuosa
dirigida a um Deus criador, onipresente e onisciente. É um EU buscando um TU.
Para melhor
compreensão, deixe-me dividir em partes.
Em resumo: nos versos 1 a 6 há uma afirmação explícita de que o Senhor conhece
todas as coisas e não há limitação para o seu saber. Porém a compreensão dessa verdade “é grande
demais para eu compreender” (Sl 139:6).
Nos versos 7 a 12
o salmista expõe sua certeza que o Senhor está em todo lugar e por isso é impossível
escapar de sua presença. Mas tal verdade
não o assusta, já que em todo lugar “tua mão me guiará e tua força me susterá”
(Sl 139:10).
Entre os versos
13 e 18 o poema segue reconhecendo o amor criativo de Deus. E mais: ELE não é apenas um Criador alheio,
mas alguém que me forjou “de um modo tão extraordinário” (Sl 139:14).
Aqui chegamos ao verso
#16 –
“Teus olhos me
viram ainda informe,
e no teu livro estavam escritos todos os meus dias
mesmo antes de terem sido tecidos.”
(Sl 139:16)
Talvez aqui
esteja uma sinalização de convergência entre a onisciência de Deus e seus
decretos – como você sugeriu.
O Salmo, porém,
ainda vai me levar adiante. Nos versos
seguintes, depois do reconhecimento humilde da grandiosidade divina, Davi constata
que, em relação aos pensamentos e conhecimento de Deus, eu “não sou capaz de
contá-los; são mais numerosos que os grãos de areia” (Sl 139:18).
Aqui, na minha
compreensão do Salmo, o salmista em sua poesia se rende diante da certeza da
completa impossibilidade de sequer avaliar, comparar, dimensionar ou enumerar a
mente e os pensamentos divinos. E textos
como Ec 11:4, Is 55:9 e Rm 11:34 vão na mesma direção.
Temos então
demarcada essa verdade bíblica: para nós humanos é impossível estabelecer um
padrão, mínimo que seja, de comparação entre a mente divina e sua forma de
arquitetar seus pensamentos e nossas ideias, ciências e teologias limitadas. Cito Agostinho de Hipona – provavelmente o
que melhor descreveu esse abismo:
“Em Deus não há,
como em nós, a previsão do futuro, a visão do presente e a recordação do
passado. É totalmente diferente a sua
maneira de conhecer, ultrapassando, muito acima e de muito longe, os nossos
hábitos mentais” (in Cidade de Deus).
Voltamos à sua
questão lá em cima:
Os decretos de
Deus são baseados em sua onisciência?
Ou sua onisciência está baseada em seus decretos?
Numa resposta
simplória eu diria que nem uma coisa nem outra.
Deus é onisciente porque é Deus e ELE é Deus porque é onisciente. Deus promulga seus decretos porque é Deus e
ELE é Deus porque promulga seus decretos.
Assim, mesmo
todos os atribuídos divinos sendo intercambiáveis entre si, ELE os administra
absolutamente de acordo com a sua vontade somente, não estando subordinado a
nada nem a nenhum conceito.
E mais. Onisciência é um atributo essencial e
intrínseco de Deus (incomunicável, na linguagem teológica tradicional) e os
seus decretos ELE os dá por ser “regente e governador de todas as coisas” (no
fraseado de Calvino), logo pelo seu amor relacional com a humanidade.
E, para terminar,
uma citação a partir do profeta Ezequiel:
“Quando passei
por você outra vez, vi que já tinha idade de amar. Então eu a envolvi com meu manto para cobrir
sua nudez e pronunciei meus votos de casamento.
Fiz uma aliança com você, diz o Senhor Soberano, e você se tornou minha.”
(Ez 16:8).
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