terça-feira, 11 de dezembro de 2018

OS BEM-AVENTURADOS



O Evangelho de Mateus começa a apresentação do Sermão da Montanha dizendo que Jesus viu a multidão (confira Mt 5:1-12). Aqui ele usa a expressão grega ἰδών (de ὁράωver) que indica mais que uma olhada de relance ou pura captação visual de alguma coisa que lhe cruza os olhos. Este verbo implica dizer que Jesus percebeu, notou a multidão e por isso entendeu que era preciso ensinar-lhes algumas coisas.
Então Jesus abriu a boca e começou a declarar: Bem-aventurados… (no grego: μακάριοι afortunados, felizes). Veja na relação a seguir um pouco de cada uma das expressões que indicam quem são os alvos do favor divino.

# Verso 03 –
Expressão grega – οἱ πτωχοὶ τῷ πνεύματι
Vulgata Latina – pauperes spiritu
Em Almeida Revista e Corrigida – os humildes de espírito
Na NVI – os pobres de espírito
Sugestão da Chave Linguística – pobre como mendigo
Outras ocorrências da expressão no NT grego – 1Co 6:10 / Ap 3:17 (49 ocorrências no total)
Por quê? – deles é o Reino dos céus.

# Verso 04 –
Expressão grega – οἱ πενθοῦντες (particípio presente de πενθέω)
Vulgata Latina – mites
Em Almeida Revista e Corrigida – os que choram
Na NVI – os que choram
Sugestão da Chave Linguística – prantear pelo morto
Outras ocorrências da expressão no NT grego – Tg 4:9 / Ap 18:11 (11 ocorrências no total)
Por quê? – serão consolados.

# Verso 05 –
Expressão grega – οἱ πραεῖς
Vulgata Latina – qui lugent
Em Almeida Revista e Corrigida – os mansos
Na NVI – os humildes
Sugestão da Chave Linguística – meigo, manso
Outras ocorrências da expressão no NT grego – 1Pe 3:4 / Mt 11:29 (7 ocorrências no total)
Por quê? – eles receberão a terra por herança.

# Verso 06 –
Expressão grega – οἱ πεινῶντες καὶ διψῶντες τὴν δικαιοσύνη (particípios presente de πεινάω e διψάω)
Vulgata Latina – qui esuriunt et sitiunt justitiam
Em Almeida Revista e Corrigida – os que têm fome e sede de justiça
Na NVI – os que têm fome e sede de justiça
Sugestão da Chave Linguística – ter fome dalguma coisa / ter sede
Outras ocorrências da expressão no NT grego – Lc 1:53 / Ap 21:6 (24 e 18 ocorrências no total)
Por quê? – serão satisfeitos.

# Verso 07 –
Expressão grega – οἱ ἐλεήμονες
Vulgata Latina – misericordes
Em Almeida Revista e Corrigida – os misericordiosos
Na NVI – os misericordiosos
Sugestão da Chave Linguística – misericordioso, simpático
Outras ocorrências da expressão no NT grego – Hb 2:17 (2 ocorrências no total)
Por quê? – obterão misericórdia.

# Verso 08 –
Expressão grega – οἱ καθαροὶ τῇ καρδίᾳ
Vulgata Latina – mundo corde
Em Almeida Revista e Corrigida – os limpos de coração
Na NVI – os puros de coração
Sugestão da Chave Linguística – limpo
Outras ocorrências da expressão no NT grego – 1Pe 1:22 / Jo 13:10 (30 ocorrências no total)
Por quê? – verão a Deus.

# Verso 09 –
Expressão grega – οἱ εἰρηνοποιοί (de εἰρηνη + ποιέω => paz + fazer)
Vulgata Latina – pacifici
Em Almeida Revista e Corrigida – os pacificadores
Na NVI – os pacificadores
Sugestão da Chave Linguística – fazer a paz
Outras ocorrências da expressão no NT grego – (única ocorrência)
Por quê? – serão chamados filhos de Deus.

# Verso 10 –
Expressão grega – οἱ δεδιωγμένοι ἕνεκεν δικαιοσύνης (particípio perfeito passivo de διώκω)
Vulgata Latina – qui persecutionem patiuntur propter justitiam
Em Almeida Revista e Corrigida – os perseguidos por causa da justiça
Na NVI – os perseguidos por causa da justiça
Sugestão da Chave Linguística – seguir, perseguir
Outras ocorrências da expressão no NT grego – 1Co 4:12 / At 22:4 (47 ocorrências no total)
Por quê? – deles é o Reino dos céus.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

COMO JESUS – por falar em discipulado


A Grande Comissão deixada por Jesus – e registrada por Mateus em Mt 28:19-20 – impõe claramente a responsabilidade de fazer discípulos.  Essa foi uma parte fundamental da missão do Mestre enquanto viveu aqui em homens e mulheres nessa Terra.  E foi isso que ele incumbiu de seus seguidores continuarem fazendo.
A frase é clássica mas continua verdadeira: para o discipulado é que fomos chamados.
Então, por falar em discipulado, vamos ver quatro atitudes costumeiras que me parecem fundamentais em como Jesus cuidou da mentoria (essa palavra está na moda!) e qualificou a sua equipe de elite.
E antes que me cobrem outra coisa: vou apenas, nestas linhas que seguem, tentar detectar sinais que apontem numa direção, o aprofundamento deve sair como consequências das próprias observações.
Em primeiro lugar Jesus andou com seus discípulos.  Ou penso que ficaria melhor dizer, ele caminhou, ou perambulou.  Todo o projeto de discipulado de Jesus não apenas começou em ele caminhar, e no trajeto encontrar seus seguidores (é assim mesmo que os Evangelhos narram o chamado ao discipulado em Mt 4:18-22 e Mc 1:16-20).  A partir daí, Jesus continuou andando e discipulando – uma coisa implicava na outra.
Foi enquanto andava que o Mestre encontrou um cego de nascença e, além de o curar, ensinou sobre a graça divina e a responsabilidade do discípulo diante dela (veja em Jo 9:11-7).  Andando Jesus explicou e aprofundou seus ensinamentos (como em Mt 13:10-11).  Ainda andando ele avaliou a fé e o discernimento dos seus seguidores (leia em Mt 16:13).
O discipulado se faz caminhando.
Jesus também contou histórias – estamos acostumados a chamá-las de parábolas.  E aqui as citações dos Evangelhos são inúmeras.  Desde as pequenas referências sobre o Reino de Deus (como Mc 4:30-32) até as grandes e conhecidas narrativas (quem não se lembra do filho pródigo em Lc 15:11-32!?).
O discipulado se faz contando casos.
Outro aspecto do que Jesus fez enquanto entre os seres humanos foi celebrar com eles suas datas e eventos.  Pode parecer um detalhe dispensável, mas é impressionante como os Evangelhos têm cuidado em situar o Mestre sempre em meio as celebrações do povo.  Foi numa celebração de casamento que Jesus operou seu primeiro milagre (João diz isso em Jo 2:1-12).  O Mestre estava lá enquanto o povo comungava, celebrava, velava seus mortos, sorria, chorava.
O discipulado se faz em meio a celebrações relevantes.
Em por fim, um quarto aspecto e que eu certamente jugo dos mais importantes.  O projeto de discipulado e mentoria de Jesus sempre se deu em meio a comida e bebida.  Alguns dos mais preciosos momentos e mais significativas lições se deram enquanto Jesus comia com os seus. 
Entre seus vários milagres, ele cuidou da bebida (já citei o primeiro milagre) e deu de comer às multidões (confira Mt 14:17 e 15:36).  Seus pés foram ungidos enquanto comia (leia em Jo 12:2-3).  A mulher siro-fenícia encontrou o que buscava ao se dispor a comer as migalhas da mesa do Mestre (em Mc 7:28).  Em Emaús, somente diante da comida é que os olhos dos discípulos foram abertos (em Lc 24:30-31).
E isso sem falar na própria Ceia instituída como uma refeição litúrgica a ser repetida e comida enquanto se celebra a vida e morte do Mestre (leia Mt 26:26).
O discipulado se faz adequadamente diante de uma mesa de refeição.
As instruções de Jesus são claras: “Assim como o Pai me enviou, eu os envio” (Jo 20:21).  Que o nosso discipulado também aconteça como o de Jesus: caminhando, contado histórias, celebrando e comendo.  Junto ao Mestre e para glória dele.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Três perspectivas sobre a religião – MAX WEBER


O último dos pensadores é o alemão Karl Emil Maximilian Weber, mais conhecido como Max Weber (1864-1920). Além de jurista, filósofo e economista, ele é considerado um dos fundadores do estudo moderno da sociologia. Entre suas principais obras consta: Economia e Sociedade (1920 – obra póstuma), A Ciência como Vocação (1917) e A Política como Vocação (1919).
Sobre o tema da religião ele escreveu um livro especifico: A Ética Protestante e o Espírito Capitalista, publicado pela primeira vez em 1904 e revisado pelo próprio autor em 1920. Nesta obra ele aborda o tema da religião percebendo-a a partir “das relações entre o moderno éthos econômico e a ética racional do protestantismo ascético”, nas palavras do próprio Weber.
Convém frisar que, na compreensão de Weber há uma escala valorativa na graduação religiosa, não da primitiva à mais evoluída como entendia Durkheim, mas das mais simples – ou simplórias – às mais elaboradas e sofisticadas. E como exemplo máximo de uma manifestação religiosa completa, elaborada e que responde adequadamente ao ser humano em seu atual estágio de evolução, ele cita o protestantismo calvinista de tendência puritana como ele conheceu no norte do Europa.
Abordando esta manifestação religiosa como paradigma para a religião ideal, Weber trata da relação entre as figuras do sacerdote que ele considera como “aqueles funcionários profissionais que, por meios de veneração, influenciam os deuses, em oposição aos magos, que forçam os 'demônios' por meios mágicos”, e a figura do profeta que seria “o portador de um carisma puramente pessoal, o qual em virtude de sua missão, anuncia uma doutrina religiosa ou um mandamento divino”.
Neste sentido, o sacerdote e o profeta estão em oposição ao mago que, não estando submetido a instituição alguma apenas busca manipular as realidades espirituais em benefício próprio. Ou seja, a vocação pessoal distingue o profeta do sacerdote, este representa a tradição e aquele a ruptura, enquanto que o profeta “se distingue do mago pelo fato de que anuncia revelações substanciais e que a substância da sua missão não consiste em magia mas em doutrina ou mandamento”.
Então, observando os papéis do sacerdote e do profeta como elementos instigadores e necessários para uma correta religião que estimule a ascese e a vida moralmente correta, ela poderia fornecer os elementos de estabilização e ousadia adequado para estes tempos fluidos no qual estamos vivendo.

Leia ainda sobre Émile Durkheim e Karl Marx.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

UMA BREVE CITAÇÃO


Os textos de Mt 26:30 e Mc 14:26 remontam a cena em que Jesus Cristo tinha acabado de celebrar os ritos pascoais com seus discípulos.
Num momento psicologicamente tenso, pois todos pressentiam que algo terrível já estava em curso e que mudaria por completo a história deles (e hoje digo: mudaria a história da humanidade), quando Jesus anunciou a traição do Iscariotes e estabeleceu seu sangue como o selo da nova aliança.
Os Evangelhos dizem simplesmente que “cantaram um hino” e depois seguiram para o Horto do Getsêmane – e só.
O hino cantado deve ter sido tirado do Hallel (um grupo de Salmos – 113-118 – que eram entoados naquelas ocasiões e cujo refrão em geral era o Sl 115:18). Não havia nada mais para ser dito.
Se o momento se mostrou solene, a celebração foi simples e introspectiva. Todo o ritual foi cumprido estritamente. Mas não foi um ritual vazio, ele veio carregado de emoções e significados, fazendo com que cada participante podesse refletir e compreender seu papel no desenrolar dos fatos que estariam por acontecer.
Apesar da brevidade da citação, quero que me permita desdobrá-la na leitura para compreender alguns de seus significados e extensão naqueles que dela participaram.
O contexto é a celebração da Páscoa entre Jesus e seus seguidores. Para os judeus, a Páscoa era uma cerimônia íntima que deveria ser celebrada em família (Êx 12:2) e, como Mateus sempre enfatiza, Jesus cumpriu toda a Lei (veja Mt 5:17). Assim os ritos pascoais foram cumpridos.
Isso já dá uma dimensão de como o Mestre entendia e previa esta celebração entre seus discípulos. Jesus sabia que os ritos, embora imbuídos de conexões culturais, não podiam ser desprezados.
Ao cumprir a formalidade da cerimônia, Jesus estava enfatizando que a adoração tem que respeitar a solenidade que a presença divina exige (em Hc 2:20 a exigência do silêncio pressupõe a solenidade necessária diante da presença do Senhor).
Mas em Jesus o ritual não é um fim em si mesmo: os atos de culto não devem se voltar a si mesmo; eles precisam estar repletos de significados e cada elemento apontar uma mensagem.
É como se Deus falasse aos cultuantes novamente cada vez que os elementos formais do culto fossem evocados. Embora a essência não estivesse nos ritos, Jesus sabia que a repetição deles haveria de conferir um caráter perene a celebrações com seus discípulos.
Outra observação mais clara nas citações estar na simplicidade com que os evangelistas indicam o cântico do hino. Parecem querer dizer que, embora a adoração a Deus possa ser bela e rica, cantar louvores a Deus deve ser algo tão natural entre os que seguem a Jesus que não há necessidade de extravagância. Ou seja, simplesmente a adoração e o cântico deveriam apontar ao louvor a Deus – este sim deveria sobressair.
Então eles cantaram: Mas nós bendiremos o Senhor desde agora e para sempre! Aleluia! (Sl 115:18).
Ao concluir a cerimônia com o cântico do hino, Jesus e seu círculo mais íntimo foram ao Monte das Oliveiras. Lá o Cristo viveria as experiências dolorosas do Getsêmane.
Tendo cumprido suas obrigações rituais solenes e adorado a Deus com simplicidade de coração, Jesus estava pronto para cumprir sua missão.
Somente um culto e uma adoração levada a efeitos nestes moldes pode produzir um resultado assim.


terça-feira, 27 de novembro de 2018

Três perspectivas sobre a religião – KARL MARX


O segundo pensador é Karl Marx (1818-1883). Nascido na Prússia, viveu a maior parte de sua vida em Londres. Foi filósofo, sociólogo, jornalista e considerado um revolucionário socialista. Sua principal obra foi O Capital (em alemão: Das Kapital), um conjunto de livros (sendo o primeiro de 1867) onde faz uma análise crítica do capitalismo que conheceu.
Dos três pensadores, com precisão, Marx é o que menos se ocupada do tema da religião, tanto por não lhe dedicar uma obra exclusiva de análise do tema, como por considerá-la apenas como mais um aspecto no sistema de luta de classes que determina e delimita a própria vivência social. Além de que, de modo geral, ele via a religião como algo completamente desnecessário, quando a sociedade finalmente superasse a dialética da luta de classes, o que a levaria a ser obsoleta e extinta.
A citação clássica e mais conhecida de Marx sobre o tema da religião – muitas vezes referida completamente fora de contexto e depredada da compreensão completa – é retirada da obra Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, publicada em 1884. Ele diz:

A angústia religiosa é, por um lado, a expressão da angústia real e, por outro, o protesto contra a angústia real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, a alma de um mundo sem coração, tal como é o espírito de condições sociais, de que o espírito está excluído. Ela é o opium do povo.

E aqui duas observações precisam ser colocadas. Primeiramente que na interpretação de Marx sobre a religião, ele deixa claro: na relação entre infraestrutura e superestrutura social que movem e são movidas pela luta de classe em qualquer sociedade, a religião pode aparecer apenas como elemento legitimador das estruturas de dominação forjando o espírito subalterno e resiliente das classes trabalhadoras.
Em segundo, que a religião também pode funcionar como o combustível incentivador para que a criatura oprimida se lance à batalha de transformação histórica e social, num protesto contundente e consequente.
Nesse sentido, partindo das ideias de Marx, a religião pode apresentar respostas para o ser humano contextualizado neste tempo, tanto entorpecendo sua angústia – fornecendo um escape necessário à sobrevivência social e à sanidade – quanto oferendo horizontes utópicos pelos quais realmente valeria a pena lutar.

Leia ainda sobre Émile Durkheim e Max Weber.


terça-feira, 20 de novembro de 2018

Três perspectivas sobre a religião – ÉMILE DURKHEIM


A despeito do que previram vários pensadores clássicos, principalmente ligados ao Iluminismo e ao Positivismo, a religião no século XXI não está decadente nem em vias de se extinguir. Pelo contrário, o que se percebe com nitidez é que a espiritualidade, a busca pelo transcendente, e as diversas formas e manifestações religiosas estão cada vez mais em moda no ser humano secularizado e pós-moderno.
Somente esta constatação já justificaria a volta à leitura dos estudos clássicos sobre a Sociologia da Religião. Permita-me propor algumas leituras: Émile Durkheim; Karl Marx e Max Weber.

O francês David Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo. Entre suas principais obras estão: Da Divisão do Trabalho Social (1893), As Regras do Método Sociológico (1895) e O Suicídio (1987).
Também importante é seu escrito: Formas Elementares da Vida Religiosa, publicado originalmente em 1912, onde ele analisa o sistema totêmico na Austrália. Nele, Durkheim faz as seguintes colocações teóricas sobre a religião:

A força religiosa é apenas o sentimento que a coletividade inspira a seus membros, mas projetado fora das consciências que o experimentam.
Temos a impressão que nos relacionamos com duas espécies de realidades distintas, e que uma linha de demarcação claramente estabelecida separa uma da outra; de um lado, o mundo das coisas profanas, e do outro, o das coisas sagradas.
A religião surge nos estados de efervescência social, em que o tempo sagrado interrompe o tempo profano das atividades sociais e econômicas.

Para Durkheim, nada há nas coisas e relações sociais que possam ser intrínseca, necessária e essencialmente sagrados, mas os contextos sociais e os valores que se dão a eles é o que tornam sagrado e religioso. Sendo assim, a religião funciona como um dado social que é útil para que a organização social possa funcionar a contento.
Assim é que neste mundo secularizado, a religião continua vívida pois ainda pode fornecer um mínimo de elemento agregador e sentido de valor à sociedade e aos indivíduos que dela fazem parte, principalmente neste tempo de pós-modernidade desagregadora.

Leia ainda sobre Karl Marx e Max Weber.