No último mês uma recorrente crise
de cálculo renal – melhor dita: pedra nos rins – dominou minha rotina. Com dores beirando a insanidade, visitas
repetidas ao hospital, sequências de remédios e substituição deles, noites em
claro (ainda que algumas com as luzes apagadas!), agendas ignoradas e
expectativa de que elas estavam já beirando a saída, quatro luas se foram.
Bem, deixe-me adiantar logo o fim
da história: Agora já posso respirar aliviado.
Num domingo no final da tarde, estando no hospital, enquanto vários
irmãos de fé levantavam preces aos céus pela minha saúde, a mão do
Todo-Poderoso conduziu as pedras para que saíssem sem precisar de cirurgia. E as dores se foram...
— Aleluia!
Agora, então, para não deixar o
relato tão resumido e aproveitar para fazer fecundar alguma reflexão, vários
episódios podiam ser narrados, mas penso que um em especial resume bem os
ocorridos.
Depois de noites repetidas no
hospital, passei a segunda-feira, de licença médica, me recuperando em casa.
Mais uma noite chegou.
E as dores? Voltariam? Suportaria?
Novamente no hospital? Mais remédio? Gemidos? Grunhidos?
Pior que a expectativa, só a dor
já conhecida.
A virada da meia noite começou a
anunciar-se e com o cruzamento dos ponteiros os primeiros sinais dolorosos na
altura dos rins.
Mal presságio.
Uma hora depois, toda a plenitude. A inominável que se inicia nos rins e de lá
se irradia já reinava onipresente. Os
terrores da noite em perfeito HD – High Definition!
A discussão sobre qual a dor mais
doída é filosófica – ou a diferença entre a dor física e a dor moral e
espiritual é completamente irrelevante. Simplesmente
dói ... e muito.
Sempre dividi as dores em dois
grupos: as que estão ali mas que ainda permitem algum pensamento e ideia e as
que se impõem absolutas.
Devo descrever aquela noite nestes
termos: Não há posição confortável. Não
há alívio. Apenas doi. Doi. Doi. E todo o universo se resume a isso: doi.
E as horas foram se sucedendo. Na cama, no sofá, na cadeira. De volta ao sofá. Na cozinha, na sala, no quarto, diante da
televisão. E já não sei mais onde. Nem como.
A fé se dilui e a oração desfaz-se
entre as dores. Só me restam as palavras
de Jó quando suspirou: "mas comprida é a noite, e farto-me de revolver na
cama até a alva".
Então é verdade que em nenhum
outro momento me pareceu mais vívida a certeza de que o Espírito por mim
intercedeu com gemidos inexprimíveis. Cada
uma das palavras apostólicas.
Pelas suas pisaduras... Cada pegada!
Uma. Duas. Três. Quatro.
A noite se vai. O mundo em
silêncio dorme. A dor continua.
É claro que imagens e linguagens
não foram formuladas na madrugada. Inconcebível. Certamente refiz incontáveis vezes as
dispersas e dolorosas lembranças, a ponto de ter algo para narrar – e é isso
que vai aqui.
Continuando.
Os primeiros claros no horizonte
anunciavam o alvorecer. Mais uma vez
tentando uma posição no sofá. Não por
esperança ou conforto, mais pelo rodízio.
E assim como começou sem clemência
se foi. Assim mesmo se foi!
Aqui é citação literal da primeira
expressão na mente, olhando a janela, deliciando a vista matutina e sem
explicação ou razão não sentindo dores:
O choro pode durar uma noite; pela
manhã, porém, vem o cântico de júbilo.
Milagre? Você pode dizer o que
quiser, para mim foi – e isso basta. Agora
o sol tem outro brilho, o sorriso mais raízes, os passos mais destinos.
As pedras ainda estavam lá e
voltariam a dar trabalho. Nem sei se a
dor dos outros episódios foi diferente. Como
disse, elas só saíram dias depois de volta ao hospital. Mas eu sei em quem tenho crido, e estou bem
certo...
A dor se foi por que dele, e por
ele, e para ele são todas as coisas. Glória,
pois, a ele eternamente. Amém.
Ah. Sim. Em
tempo. As citações bíblicas estão
diluídas no texto de propósito.