Qualquer
observação, por mais superficial e desinteressada que seja há de constatar que
não há uma homogeneidade completa entre grupos cristãos não-católicos
brasileiros, os quais aqui chamamos simplesmente de protestantes. Suas múltiplas
origens sociocultural e histórico-teológico não permitiriam tal homogeneidade,
contudo se pode notar que há traços característicos que perpassam todos os
grupos e que se mostram como bons referenciais teóricos para se compreender
como se configuram as diversas tonalidades do protestantismo brasileiro.
Teologicamente,
talvez a melhor classificação unificadora dos diversos grupos protestantes
brasileiros seja: tradicionais e pentecostais, ambos com suas ramificações
internas. Observemos que nesta
classificação inicial, os grupos protestantes de migração não se configuram
como um grupo em separado mas, quando não se apresentam apenas como distintivo
étnico, este protestantismo de migração
no Brasil pode ser enquadrado na classificação acima.
O
protestantismo de missão que chegou ao Brasil em meados do século XIX é
herdeiro direto dos movimento avivalistas americanos. Antônio Gouvêa Mendonça observa que “sob o
ponto de vista formal, congregacionais, presbiterianos, metodistas e batistas,
transplantaram para o Brasil o protestantismo típico norte-americano”, ou seja:
se por um lado mantiveram a estrutura eclesiológica original, por outro,
continua Mendonça: “a relativa uniformidade teológica dos 'avivamentos' e da 'era
metodista' do protestantismo americano foi mantida”. Além destes grupos citados que se mostram
como os grandes representantes da ala chamada de protestantismo tradicional
brasileiro, outros grupos de protestantes de migração acabaram adotando a mesma
teologia e práticas. Passados estes anos
de implantação do protestantismo de missão no Brasil esta relativa unidade
teológica dos grupos que compõem o principal substrato do protestantismo
tradicional permanece com pouquíssimas variações, de modo que a análise atual
não difere muito da original destes grupos.
Quanto
a sua teologia, o protestantismo tido como tradicional no Brasil, já na sua
herança e mais ainda hoje, é nitidamente arminiano – mesmo os grupos de origem
calvinista mais forte como os presbiterianos e batistas – enfatizando tanto a
ação divina no ser humano, mas principalmente a resposta deste à palavra
divina. A soteriologia baseia-se na
resposta consciente do indivíduo a um chamado emocional que ocorre no momento
da conversão, fazendo dele uma nova criatura.
Convém ressaltar que o protestantismo tradicional brasileiro,
mantendo-se fiel às suas origens reformadas, que advogam uma fé racionalizada,
e origens avivalistas, que propagam a experiência mística como selo da fé, vem
alternando entre uma e outra ênfase na tentativa de equacioná-las, porém sem
nunca se imiscuir inteiramente no contexto brasileiro.
Do
outro lado, os pentecostais que mesmo sendo bem mais recentes, só chegaram já
no século XX, apresentaram um crescimento tão vertiginoso e uma singularidade
teológica e litúrgica que merecem a classificação em separado dentro do
protestantismo brasileiro. Mas o
pentecostalismo brasileiro não é de todo um movimento uniforme e aqui podemos
subdividi-lo em dois grupos distintos que chamaremos de pentecostalismo
original, ou primitivo, e neopentecostalismo, ou pós-pentecostalismo, para seguir a sugestão de Paulo Siepeirski.
Seguindo
a indicação proposta por R.G. Rodrigues, as origens pentecostais já estavam
embutidas nos próprios movimentos avivalistas norte-americanos, daí que as
ênfases teológicas serem no geral as mesmas encontradas no protestantismo
tradicional no Brasil. As principais
diferenças entre ambos, segundo listou Luiz Sayão, é que os pentecostais –
carismáticos na sua linguagem – pregam que “só é possível ter uma vida cristã
plena depois de se receber o batismo no Espírito Santo” e que, “ao contrário
das igrejas tradicionais, os novos grupos acreditam estar praticando
constantemente os chamados dons carismáticos”, e ressaltamos aqui
principalmente o falar em línguas, ou glossolalia. Outras diferenças são apresentadas porém com
menor grau de importância.
Os
grupos pós-pentecostais por sua vez, vão diferenciar basicamente em dois pontos
da Teologia do pentecostalismo original.
Quanto a Escatologia, que abandonarão a visão pré-milenarista, presente
tanto no protestantismo histórico como no pentecostalismo primitivo, para
adotarem uma postura eminentemente pós-milenarista. E quanto a cosmologia que vão aprofundar a
visão maniqueista do mundo e consequentemente vão compreender como sendo papel
exclusivo da igreja e do cristão se alistar e lutar ao lado de Deus (do bem),
contra as forças do diabo (do mal). Como
conseqüência disto, observa-se que sendo que tudo de bom provém de Deus e tudo
de mal do diabo, então retira-se a responsabilidade pessoal do cristão,
enfatizada pelo protestantismo avivalista, para se fazer da vida cristã uma
busca de manifestações divinas ou diabólicas para ao lado delas, ou contra elas
lutar – interessante também e digno de nota é a postura política dos grupos
pós-pentecostais: bem mais agressiva que qualquer outro grupo não-católico.
Ainda
quanto à classificação teológica do protestantismo brasileiro, convém ressaltar
dois pontos: hoje em dia o fluxo de pessoas que trocam de comunidade, ou que,
mesmo mantendo-se filiadas a um determinado grupo, freqüentam reuniões de
outros grupos, é bastante significativo fazendo com que as distinções
doutrinárias já não mais respeitem os limites institucionais, ou seja, nota-se
a presença de aspectos teológicos tipicamente tradicionais em grupos tidos como
pentecostais e vice-versa. O outro ponto
é que também podem ser observadas outras posturas teológicas como:
fundamentalistas ortodoxos; calvinistas; progressistas; entre outros, porém em
menor número e com menor peso político-teológico na vida e estruturas da
igrejas protestantes no Brasil.